O novo coronavírus e o velho peleguismo

Por José R. da Silva Maramonhanga

A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) aguça, em todos os países, a colossal crise em que sistema capitalista já estava afundado e provoca mais gravíssimos efeitos sociais, políticos e econômicos.

No Brasil, a crise aguça e põe a nu as hostilidades entre os grupos de poder, cada qual procurando garantir o seu quinhão e a primazia no massacre sobre o proletariado. Sob os auspícios da pandemia, desde o último 26 de fevereiro, dia em que, segundo o Ministério da Saúde, foi confirmado o primeiro caso no país de infecção pelo coronavírus, até hoje, 7 de abril, o governo Bolsonaro/generais baixou pacotes econômicos, 23 medidas provisórias (MPs) e 59 decretos, entre outros atos, para favorecer os capitalistas e latifundiários, especialmente o capital financeiro.

Dia 23 de março, o Banco Central, por seu presidente, Roberto Campos Neto, anunciava um pacote de R$ 1 TRILHÃO, 216 BILHÕES e 200 MILHÕES para os bancos e instituições financeiras. “Esse é o maior plano de injeção de liquidez e capital da história brasileira”, anunciava o Bob Fields neto, garantindo ainda mais acesso a recursos para o setor que detém a hegemonia do governo e há anos embolsa seguidos lucros astronômicos e sangra a economia do país.

Pelas costas dos trabalhadores, sob o pretexto de “enfrentamento ao coronavírus”, os grandes grupos econômicos determinam a política antipovo do governo. Para dourar a pílula promovem conluios com a pelegada das centrais e sindicatos, assinando “acordos” onde retiram de quem já não tem nada, impondo aos trabalhadores mais redução de salários, sobrecarga de trabalho, afastamentos, demissões e retiradas de outros direitos. Longe de organizar a resistência dos trabalhadores, longe de denunciar a farra de recursos públicos destinados à burguesia e ao latifúndio, longe de cobrar que quem pague a crise sejam os ricaços; o movimento sindical traidor ainda comemorou a migalha de R$ 600,00 [1], anunciada com pompa pelo governo como “renda mínima emergencial”, até hoje não paga e com insensíveis exigências burocráticas que restringem o acesso.

Setores que continuaram a funcionar normalmente, como é o caso da indústria da construção, sob a coordenação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), contando com o usual conluio da pelegada, impôs “acordos” de redução salarial etc, em mais de quinze estados da federação. É repugnante a forma como a pelegada faz, anuncia e justifica esses “acordos”. Após decretar fechamento de suas sedes reduzindo as atividades, recolhidos em suas casas ou nos gabinetes, enquanto a massa rala, fazem emitir grandiloquentes comunicados de “defesa dos trabalhadores” e ainda proclamam que “firmam esses acordos para não deixar os trabalhadores desamparados”.

Como um dos diversos exemplos desse descaramento, a atitude do Sindicato dos Trabalhadores da Construção de Belo Horizonte – Marreta, que apenas dois dias após a publicação da MP 927 de 22 de março, sem nenhuma comunicação ou convocação aos trabalhadores para a resistência à ganância patronal, já assina com o sindicato patronal, Sinduscon-MG, um “termo aditivo”, aceitando redução salarial e outras cláusulas lesivas aos trabalhadores. Nesse acordo se estabeleceu, textualmente: “a prevalência de legislação superveniente, inclusive medidas provisórias que venham a ser editadas pelo governo federal, quando for mais benéfica para as empresas”.[2]

Dias depois, hipocritamente, esse mesmo sindicato emitiu nota intitulada “Derrotar os ataques criminosos de Bolsonaro/generais e enfrentar a crise do coronavírus com a luta classista e combativa”.[3]

Mesmo com o telefone do Sindicato recebendo desesperadas denúncias dos trabalhadores de que a patronal não tinha tomado medidas de higiene e desinfecção nas obras, que as aglomerações continuavam nos locais de trabalho, e até haviam casos de operários com febre forçados a continuar trabalhando, a diretoria do Sindicato Marreta seguia recolhida em quarentena, encabrestada pelo Sinduscon. Mas, maquinando para continuarem incólumes na entidade, onde auferem altos salários, bem acima do salário da base, secretamente deram início ao processo eleitoral na entidade, com registro da chapa única, sem qualquer comunicação prévia aos trabalhadores, apenas a publicação obrigatória de miúdo edital em jornal que ninguém lê, se escondendo por trás pandemia do coronavírus, ardil ainda mais ordinário que o golpe “do edital atrás da porta”, usado por antigos pelegos. como Ari Campista, Pizarro, entre outros. Só adiaram a coleta de votos, por medo de ir nas obras e se contaminar. Já os operários seguem expostos a todos riscos.

Em São Paulo e no ABC, berço da CUT e do PT, escolados pelegos foram logo clamando por “lay-offs” e PSE (Programa Seguro Emprego), como fez Wagner Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, filiado à CUT. Esse pelego destacava em entrevista ao jornal burguês “Valor Econômico” a sugestão da adoção dessas medidas de suspensão temporária dos contratos de trabalho e permissão de redução de jornada e salário, usadas pelas montadoras durante 2016.[4]

A GM, como outras montadoras que faturam bilhões no país, sem ter como desovar seus estoques no momento, já acertou com a pelegada dos Sindicatos das plantas de São Caetano, Gravataí, Joinville e Mogi das Cruzes a redução dos salários e jornada. Utilizando o meio eletrônico estabelecido pela MP 936, em São José dos Campos, o Sindicato filiado a CSP-Conlutas fará a votação da proposta nos próximos dias. Essas medidas cruéis atingem milhares de trabalhadores mas o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, Renato Almeida, ainda declara: “A MP 936 do governo Bolsonaro está muito aquém do que os trabalhadores precisam, e mais atrapalha do que ajuda ao não proibir a empresa de demitir, exceto por um curto período, e não garante o salário integral. A GM não tem por que cortar salários, mas foi irredutível na mesa de negociação. Como o Sindicato é uma entidade que segue a democracia operária, vai submeter a proposta à decisão dos trabalhadores. Eles decidirão de forma soberana se aceitam ou não a proposta”. Essa declaração é reveladora da completa falta de caráter e forma maliciosa da pelegada jogar a responsabilização nos operários pelos abusos praticados pela patronal e pode ser acessada na própria página do Sindicato.[5]

No dia 2 de abril, o governo Bolsonaro/generais editou a fascista MP 936, estipulando percentuais ainda maiores de redução de salários e retirada de outros direitos e, nesse mesmo dia, as centrais sindicais (CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB), reunidas em São Paulo, por meio de videoconferência, tiveram a cara de pau de lançar uma nota considerando “insuficientes as medidas”.[6] Nessa mesma nota, ainda afirmam que iriam “sistematizar propostas que serão levadas aos parlamentares e apresentadas como Emendas no Congresso Nacional”, esse mesmo também podre e reacionário parlamento, que recentemente compactuou e sancionou as abusivas Contrarreformas da Previdência e Trabalhista. Fazem questão de frisar os traidores:“orientamos a todos trabalhadores a não aceitarem acordos individuais e a procurarem seus sindicatos”.

É importante destacar que a MP 936, de 1º de abril de 2020:

– “autoriza a patronal a reduzir salários e jornadas ou suspender contratos de trabalho, nos percentuais de 25%, 50% ou 75% por acordo individual ou coletivo, ou por qualquer percentual, inclusive 100%, por acordo coletivo”;
– “as medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva”;- “as convenções ou os acordos coletivos de trabalho celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação de seus termos, no prazo de dez dias corridos, contado da data de publicação da Medida Provisória”;- “poderão ser utilizados meios eletrônicos para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho”…

Na mesma toada do governo, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, outra estrutura do Estado burguês, determinou na segunda-feira (6/4) que “as empresas devem notificar os sindicatos sobre a intenção de suspender temporariamente contratos e de cortar salários; no prazo de até dez dias corridos, contado da data da celebração dos acordos individuais com os empregados, para que os sindicatos façam a negociação coletiva, e no caso de ocorrer desconhecimento da convocação, será considerada a anuência com os acordos individuais”. Isso mostra a ação do judiciário podre para convalidar os espúrios acordos impostos pela patronal e também induzir para o matadouro da “negociação coletiva” celebrada com a pelegada, com os trabalhadores devidamente afastados, quando muito, comunicados por meio eletrônico.

Na próxima quinta-feira (16/4), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Força Sindical (FS), a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) foram autorizadas a participar da sessão do STF na condição de amigas da corte (amici curiae).[7] As centrais sindicais se movimentam para “puxar a sardinha” para a mesa das negociações coletivas, visando manter seu papel de colaboração de classes e os dividendos que daí procuram auferir.

O passado recente dessas “negociações coletivas” praticadas pelo movimento sindical, suas atitudes enganosas, o conluio com a patronal e a passiva aceitação da imposição do massacre aos trabalhadores, são a forma recorrente da pelegada abastecer os seus cofres. Agora, tangidos pelos cortes na arrecadação do imposto sindical e de outros mecanismos de arrecadação, estão ainda mais suscetíveis a aceitar todo tipo de “negociação” para manterem seus privilégios e suas máquinas burocráticas. Toda trajetória de traição e conciliação, inclusive o passado recente de colaboração de classes das centrais sindicais nos processos de aprovação das contrarreformas trabalhista e previdenciária indicam os abusos que estão por vir. A pelegada não faz esses discursos defendendo a negociação coletiva por ingenuidade mas sim por frio cálculo para também tirar alguma beirada do festim de sangue operário patrocinado pelo governo e a patronal.

Como era de se esperar do comportamento dessa aristocracia operária, integrante do sistema: não fizeram nenhum chamamento à resistência e ao combate, muito menos qualquer alusão à luta pela derrubada do capitalismo. Eles estão é caninamente afinados com o jogo da burguesia e buscam fazer caixa e holofotes, na ânsia para se credenciar nas disputas da farsa eleitoral no intuito de ocupar os “lugarzinhos rendosos” do parlamento e aparatos do Estado, às custas de suor e sangue do proletariado. Inclusive, outros setores da “esquerda” eleitoreira – Intersindical/Psol-Pcb e Conlutas/Pstu – seguem orbitando as centrais oficiais, sendo totalmente identificadas com a traição em curso. Os próximos dias vão mostrar ainda mais a podridão desse movimento sindical brasileiro!

A anunciada migalha de R$ 600,00 chamada de “benefício emergencial pago pelo governo” e tão festejada pela podre pelegada, não vai atingir a maioria dos trabalhadores submetidos a essa situação de necessidade, pois maquiavélicos critérios burocráticos restringem as pessoas atingidas. Prenunciam-se dias duros para os trabalhadores expostos ao vírus no trabalho, sem ter assegurada as necessárias medidas de proteção, e também para os trabalhadores atirados ao subemprego ou ao desemprego, para os desabrigados que estão jogados nas ruas das cidades revirando sacos de lixo, passando fome, e os moradores das insalubres e superpopulosas vilas e favelas. Milhares de brasileiros estão com suas vidas em risco devido à criminosa política do governo Bolsonaro/generais que quer impor o fim do isolamento social reclamado pelos interesses dos grandes grupos econômicos.

Fermenta a ira e a revolta!

Quixeramobim, 9 de abril de 2020

Notas:

(1) https://fsindical.org.br/forca/nota-oficial-das-centrais-sindicais-7

(2) http://sticbh.org.br/wp-content/uploads/2020/03/STIC-PRIMEIRO-TERMO-ADITIVO-%C3%80-CCT-2019-2020-ASSINADO.pdf

(3) http://sticbh.org.br/derrotar-os-ataques-criminosos-de-bolsonaro-generais-e-enfrentar-a-crise-do-coronavirus-com-a-luta-classista-e-combativa/

(4) http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=42737&id_SEC=12

(5) http://www.sindmetalsjc.org.br/n/4877/gm-apresenta-proposta-final-de-suspensao-de-contratos-de-trabalho-e-mantem-reducao-de-salarios

(6) https://www.cut.org.br/noticias/cut-e-centrais-criticam-mp-dos-formais-e-vao-lutar-no-congresso-para-mudar-texto-e360

(7) http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441102

‘O Grito’, de Edvard Munch. Recorte

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