O ideal é pôr tudo em comum: a Covid-19 e a Revolução do Pensamento

Por Luan Gomes*

Eu tenho trinta e dois anos de idade e não imaginava viver nesses tempos sombrios no Brasil e no mundo. Tempos esses em que muitos alardeiam a pandemia da Covid-19 que está matando a humanidade. Esse vírus impulsiona e revela outros vírus de ordem complexa, se levarmos em consideração a totalidade da vida social material e simbólica. Identifiquei outros vírus, o ódio ao comunismo e aos marxistas em evidência, a sobreposição da mentalidade mercadológica em relação à Vida, etc. O isolamento social como proposta para pensar no bem do coletivo, como um compromisso ético-político, também assume um viés paradoxal, expõe o quanto a humanidade está em ruínas. Posso perguntar – qual o valor de uma vida?

A pandemia Covid -19 a priori está corroendo as bases do sistema capitalista, exigindo dialeticamente que ele se reinvente, ou se autodestrua. O capitalismo é possuído em sua estrutura por uma ecologia de destruição de tudo o que é da ordem do vivo e da vida social. Instalou-se um caos do qual não vemos uma saída imediata, gestou-se na abertura desse caos a impermanência de um interpelamento a todos e todas, acionar as reservas de politização da esperança, do amor, da fé, como antídotos a esse vírus que vem se configurando como uma morte anunciada.

Retornando ao assunto comunismo. Considero uma boa utopia realizável no plano da vida e ideias. Uma utopia atravessada por contradições socio-históricas, que não revelam o comunismo em seus diversos níveis, nem o situam como uma proposta de humanização da vida social individual e coletiva. Por outro lado, essa palavra comunismo ressoa como resistência a toda barbárie que assola a humanidade. Em tempos da Covid-19, pensa-se no afrouxamento do isolamento social para não prejudicar o funcionamento do mercado, o colapso das economias, demonstrando que o nível de humanidade é cruel. Quando vamos compreender que a economia deve estar submetida a uma ecologia integral, capaz de ir além da ortodoxia neoliberal e pentecostal?

Para refletir, em meio a tudo isso, o Estado é convocado a intervir por causa da omissão dos órgãos multilaterais, mundo empresarial, a classe média-alta. Esses ficam para não viver com a proposição de uma ‘voucher’ de seiscentos reais para trabalhadores informais, e assalariados de um salário mínimo. Esses já vivem cotidianamente vendendo a sua força de trabalho e degradando a sua capacidade ontológica de ser social, capaz de protagonizar a própria história enquanto sujeito que ocupa e habita a vida.

A classe média e alta raivosa, por ver e não compreender a quarentena, grita feito criança pirracenta pedindo que ‘chupetas’ não sejam dadas à classe que vive do trabalho, e ainda ousa chamar de imbecis os que se negam a retornar às atividades de trabalho para se preservar de cominação e morte. Mas, o que vale um idoso? Uma idosa? Ou um velho, ou uma velha como chamam meus avós ancestrais? Seria um novo processo de obsolescência planejada de seres humanos descartáveis? Vale a gripezinha dos imbecis, idiotas, cretinos que não pensam na vida deste país, a não ser no ódio aos comunistas. Um parêntese: compreendo que o mercado é relevante para o funcionamento da sociedade, mas não é suficiente. Não é suficiente, porque externa um nível de compreensão que tem por base um projeto de mundo nefasto e que está em ruínas. A Covid-19 nos põe no mesmo barco das catástrofes, mas dá visibilidade ao problema das classes sociais. Nesse momento, quem mais sofre é a classe que vive para o trabalho.

O ideal é pôr tudo em comum!

Isso ainda dói no inconsciente capitalista que embasa a sociedade contemporânea. Por isso, os comunistas e os marxistas se apoiam numa esperança de um novo sistema, pautado na igualdade, na liberdade e na fraternidade. Penso que muitos dirão: não é por aí, mantenham-se as propriedades. Mantenham o patriarcado, a xenofobia, a escravidão dos trabalhadores que diariamente morrem nas camas e corredores dos hospitais mundos a fora. Pensar na Covid-19 e superdimensionar a doença, sem dar visibilidade a outras expressões da Questão Social que margeiam essa pandemia, é escamotear dimensões da vida social que latejam no tempo presente: presidentes fascistas (Brasil e EUA) que se colocam como messias, mas são diabolos, dividem mais que unem! E o mercado, e as riquezas e fortunas onde estão? Estão nos templos de descarrego mental individual? Guardadas na omissão dos que mais têm poder. Esse é um obstáculo à emancipação humana, muitos revolucionários não entenderam que tomar o poder é tornar-se parecido ao dominador, é colonizar de outra forma, é impor à força um pensamento unitário. Eis a complexidade dos seres humanos que não cabem em padrões e ortodoxias, mas vivem nos porões do cinismo da burguesia militarizada.

E ainda há aqueles que se aproveitam deste momento para ideologizar essas questões. Em tudo a ideologia ronda, por isso, a necessidade de ir além da ideologia do liberalismo, do comunismo, do socialismo e ir em busca daquilo que funda ontologicamente o ser humano.

Talvez não necessitemos de moldes analíticos para prosseguir na construção de um mundo novo, onde a lógica do Comum se materialize primeiro no pensamento da humanidade. É muito caos, mas as forças de conjunção que apostam na totalidade do ser humano resistem à barbárie do neoliberalismo. Precisamos ir além da ideia de um comunismo associado a Estado totalitário, e ir ao Comunismo do Comunismo, sustentar esse movimento dialético, que nos fará compreender a Vida como elemento primordial da experiencia sócio-histórica e cultural.

A Revolução começará na tomada de consciência de que somos sujeitos históricos, corresponsáveis pela vida uns dos outros. Como ponto de partida, a Revolução começa no Pensamento de que somos irmãos e irmãs, trabalhadores, lutadores e lutadoras por um novo amanhecer. Enquanto a classe média e alta teme a morte comendo caviar, os trabalhadores e trabalhadoras, suam o seu corpo que teme morrer de fome e ver os seus entes queridos morrerem às minguas. As ideias sobre o capitalismo são abaladas pela ideia de fraternidade universal, é esse sentimento germinal que ainda refreia uma barbárie de ordem mundial. Embora haja ainda uma alta cretinização que resiste à vida em comum. Mesmo com perdas em curso, o mundo está se transformando, e muitas ideias revolucionárias, emancipadoras do humano, se manterão nos ares, nos ventos do Sul que começam no hoje para um abrir de asas e ruflar de tambores do futuro.

A Covid – 19 pode até nos derrubar, derrubar os velhinhos e velhinhas que não são os atletas do palácio do Planalto, mas não conterão a Revolução do Pensamento em curso. Que nos munamos de mais amor, mais ética da compreensão, mais paz, mais respeito para todos os povos da Terra Pátria.

*Luan Gomes – Antropólogo, Educador da Universidade Federal de Campina Grande.

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