Irresponsabilidade presidencial é notícia no mundo. Mas crise também tem digital de ministros: Mandetta sempre defendeu devastação no SUS; Guedes insiste em “reformas” ultraliberais e Moro bloqueia fronteiras já fechadas pelos vizinhos
por Almir Felitte, em Outras Palavras
A cada dia que passa, o Brasil parece mais próximo de entrar no pior momento da crise sanitária, social e econômica causada pela pandemia da covid-19. Junto ao aumento da incidência da doença no país e das consequentes mortes, números estes claramente subnotificados pela ausência e demora de testes, o povo brasileiro ainda é obrigado a assistir às constantes pernadas de um governo simplesmente incapaz de lidar com o desafio que tem pela frente.
Mas a tragédia que se prenuncia não precisava virar realidade. A verdade é que o Brasil teve tempo. Um tempo que preferiu não utilizar. Salta aos olhos do mundo, agora, a total inabilidade e irresponsabilidade de Bolsonaro em gerir um país. Tomada por fanatismos inexplicáveis, porém, infelizmente essa realidade ainda não saltou aos olhos de uma parcela ainda considerável de “fãs” do Presidente da República. Uma parcela minoritária, é verdade, mas com tamanho suficiente para fazer um estrago que leve o país inteiro, culpados e inocentes, ao buraco.
Porém, sejamos justos: ninguém é tão incapaz que possa destruir um país sozinho. Bolsonaro só está conseguindo a proeza porque reuniu um time de notáveis incapazes ao seu lado.
A começar por aquele que, por ironia do destino, tornou-se um dos maiores rivais do próprio Presidente, o Ministro da Saúde Mandetta. Sim, pelo visto, até mesmo entre figuras da esquerda, o passado recente do Ministro parece ter sido esquecido. Ex-presidente da Unimed em Campo Grande, Mandetta assumiu seu cargo em 2019 como mais um dos responsáveis por tocar o plano ultraliberal de Estado mínimo bolsonarista. Na área da saúde, era o representante político oficial das grandes seguradoras privadas como a em que trabalhou e, desde o início, nunca deixou de cumprir o seu papel.
Sua luta contra o Mais Médicos, por exemplo, já vinha desde os tempos em que era parlamentar, tendo conseguido atingir o objetivo de destruir o programa logo que chegou ao Ministério da Saúde pelas mãos de Bolsonaro. A medida, que parece só ter agradado parte da elitista classe médica brasileira, causou, de cara, um déficit de mais de 8 mil médicos no país com a saída dos cubanos, que nunca foram plenamente repostos por outros profissionais, que pouco duram nas vagas abertas. Às vésperas da atual crise, em fevereiro deste ano, o déficit no programa era de mais de um quinto de profissionais.
E este não foi o único ataque de Mandetta à saúde pública do país. Para se ter uma ideia do tamanho do desmantelamento promovido pelo Ministro, só no primeiro ano de Governo Bolsonaro, o orçamento federal da saúde perdeu R$ 20 bilhões, boa parte explicada pelo Teto de Gastos que, vejam só, também teve o apoio de Mandetta. Se, hoje, o Sistema Único de Saúde brasileiro está ainda mais destruído e de joelhos perante a possível maior crise de nossa história, Mandetta é um dos principais responsáveis.
Mas não é só o passado recente do Ministro que o condena. Seu papel na gestão da crise, ao contrário do que diz a grande mídia, é altamente questionável. Primeiro, porque, já no fim de março, quando a pandemia era mais do que realidade, Mandetta escolhia conceder coletivas de imprensa ainda vacilantes, inclusive com ataques à mídia e críticas a Governadores para agradar a Bolsonaro. Uma vacilação que está prestes a ser cobrada pelo Coronavírus.
Porém, mesmo depois de finalmente firmar o discurso em defesa das medidas de isolamento, a verdade é que Mandetta pouco tem mostrado de efetivo na gestão da crise. A absurda subnotificação de infectados e mortos pela covid-19, por exemplo, é reflexo de uma política pública completamente insuficiente de testagem da doença. Entres os 15 países mais afetados do mundo, o Brasil é, de longe, o que menos faz testes para descobrir infectados, quase dez vezes menos do que o Irã, país imediatamente acima. Também são constantes as reclamações, nos estados, da falta de amparo em relação à distribuição de EPIs, que poderiam ter freado a contaminação em tempo hábil.
Com Mandetta, o governo também tem se mostrado tardio e insuficiente na questão da produção ou importação de ventiladores ou mesmo na expansão dos leitos de UTI, elementos que já se demonstraram vitais para conter a tragédia prestes a ocorrer. Não houveram, tampouco, grandes regulações sobre o setor privado da saúde que, no começo da epidemia, viu hospitais e planos de saúde negligenciarem e até recusarem casos da covid-19.
Mesmo o isolamento social, tão defendido no discurso de Mandetta, acabou flexibilizado sob seu aval em várias cidades nas últimas semanas. Sobrou gogó ao superinflado Mandetta, certamente de olho em pesquisas de opinião, mas faltou atitude. E atitudes não são supridas por frases de efeito em coletivas de imprensa vestindo um colete do SUS.
Claro que Mandetta não é o único cúmplice na tragédia bolsonarista que vive o Brasil. A “notável” equipe de Ministros de Bolsonaro não fica atrás. O que dizer, por exemplo, de Sérgio Moro, na Justiça, anunciando o fechamento de fronteiras que já haviam sido fechadas por nossos vizinhos antes?
Moro chegou, ainda, a preferir um show midiático para o “chefinho” anunciando, isoladamente, o fechamento da fronteira com a Venezuela. À época, o próprio governo Maduro já havia fechado as portas do lado de lá, assim como outros 9 países da América do Sul, além de ter anunciado um grande plano para manutenção do emprego e da renda das pessoas enquanto a economia ficasse paralisada pela quarentena. O show rendeu mais dois dias de atraso, sem motivo algum, para que o Brasil fechasse as demais fronteiras terrestres.
Como cereja do bolo, ao fechar as fronteiras aéreas no dia 20 de março, por pura submissão, o Governo resolveu mantê-las abertas para voos vindos dos EUA. À época, o país norte-americano já caminhava para se tornar o novo epicentro da pandemia no mundo, situação que se concretizou em 26 de março. Apenas no dia 30 de março, Governo e Moro resolveram restringir a entrada de voos vindos dos EUA no Brasil.
No que diz respeito aos riscos sofridos pelo sistema carcerário, o Ministério da Justiça segue praticamente inerte. Todas as ações, ainda insuficientes, realizadas nos presídios têm sido tomadas por iniciativas de órgãos do Judiciário e auxiliares, como o CNJ, os Tribunais de Justiça, o MP e as Defensorias.
Inércia e uma dose cavalar de mau-caratismo parecem ser o tom também no “Super Ministério” da Economia. Há pouco mais de um mês, Paulo Guedes, em mais um arrepio de “genialidade”, cravou que a solução para a covid-19 era apressar as reformas liberais. Para Guedes, o homem do “PIBinho”, sem qualquer explicação lógica, a austeridade que já matava o país em tempos “normais” poderia resolver nossos problemas. Sempre bom de cálculo como todo liberal, Guedes dizia que “com R$ 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus”. Enquanto isso, na contramão, países ao redor do mundo calculavam que seria necessário um investimento entre 10% a 20% de seus PIBs para sobreviverem à crise, algo entre R$ 800 bilhões e R$ 1,6 trilhões na realidade brasileira.
Tratando o dinheiro público como se fosse seu, alinhado com Bolsonaro, Guedes praticamente não mostrou preocupação em apresentar propostas que garantissem a manutenção de empregos e renda durante a paralisação da economia. A agilidade vista em oferecer uma política de auxílio aos bancos, ainda em março, não foi vista para propor uma política que pudesse garantir a comida no prato dos outros 99% dos brasileiros. A demora (ainda em andamento) para implantar o projeto de Renda Emergencial criado pelo Congresso Nacional custou ao país um isolamento social cada vez mais frouxo.
Pra completar, o Governo ainda se aproveitou do caos da pandemia para começar a aprovar a tão sonhada proposta da “carteira de trabalho verde e amarela” que, além de retirar direitos, facilita a demissão de trabalhadores às vésperas do que deve ser a maior crise mundial desde 1929. Menção desonrosa, aqui, ao bando comandado por Rodrigo Maia, aquele que alguns da esquerda consideram ter um papel importante para manter o regime democrático, que acabou mesmo, mais uma vez, tendo papel essencial no desmonte do Estado Social brasileiro.
Enquanto assistimos às trapalhadas e às maldades comandadas pelo Governo Bolsonaro em meio à pandemia, a covid continua se alastrando e deixando corpos pelo país. Os números, aliás, trazem poucas esperanças. Se nos EUA, atual epicentro mundial da doença, correram 26 dias entre a primeira e a milésima morte, no Brasil, com uma população ainda menor, o mesmo caminho foi percorrido em 24 dias. Variados estudos têm sido unânimes ao apontar meses de maio e junho tenebrosos para o povo brasileiro.
Este artigo não tem a pretensão de apontar maiores soluções à crise que o país está prestes a enfrentar. Ainda que as críticas aqui escritas apontem, nas entrelinhas, caminhos que poderiam (talvez ainda possam) ter sido tomados, a verdade é que o Brasil jogou preciosas semanas de antecipação no lixo e, agora, deve agir na redução de danos. Este artigo tem mesmo a real intenção de lembrar a todos que o Brasil possui um imbecil no poder, mas que este imbecil não teria feito tantos estragos ao país em tão pouco tempo se não tivesse uma turba de outros imbecis ao seu lado, como Guedes, Moro, Onyx, Osmar Terra e o próprio Mandetta.