MPF e MP/PA pedem suspensão de licenças e obras de projeto de porto em Santarém (PA) que fraudou licenciamento

Também foi pedido à Justiça que a Atem’s Distribuidora seja obrigada a pagar indenização por danos morais coletivos e a demolir construções em desconformidade com licença

Ministério Público Federal no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) ajuizaram ação na Justiça Federal nesta quarta-feira (22) com pedido para que sejam suspensas com urgência as licenças, o licenciamento ambiental e as obras do terminal portuário de uso privado da empresa Atem’s Distribuidora de Petróleo no Lago do Maicá, em Santarém, no oeste do Pará.

Segundo o MPF e o MP/PA, o licenciamento ambiental foi fraudado: a empresa omitiu que a carga transportada seria do tipo perigosa (petróleo e derivados), e submeteu o projeto a licenciamento para cargas não perigosas, com exigências ambientais menos rigorosas.

Além de decisão urgente para suspender o licenciamento e as obras, os membros do Ministério Público pediram à Justiça Federal que, ao final do processo, a empresa seja condenada a demolir as construções não autorizadas pela licença de instalação, e a pagar indenização por danos morais coletivos, por causa da fraude praticada.

Também devido à fraude, no início de março o MP/PA ajuizou denúncia criminal contra os responsáveis. Foram denunciados a empresa, o sócio administrador Miqueias de Oliveira Atem, e o engenheiro ambiental Breno de Almeida Marques, por crimes previstos nos artigos 60 e 69-A, da Lei de Crimes Ambientais, 9.605/1998.

Entenda as ilegalidades – A Atem’s, que tem como objeto e razão sociais a distribuição de combustíveis, adquiriu terreno em Santarém para a instalação de porto de armazenamento e distribuição de combustíveis, conforme reconheceu a própria empresa em nota divulgada à imprensa após o ajuizamento da ação penal, em março, sendo o transporte de cargas não perigosas uma atividade implantada em contraprestação ao vendedor da área, por força contratual.

Ou seja: desde o princípio, a empresa adquiriu a área para desenvolver como atividade principal o armazenamento e transporte de combustíveis. Apesar disso, a Atem’s não deu entrada em ambos os licenciamentos ambientais de forma concomitante: requereu licença prévia e licença de instalação para cargas não perigosas em 6 de dezembro de 2018, e para cargas perigosas somente em 2 de maio do ano passado. A empresa deu entrada no licenciamento para cargas perigosas somente após ter recebido as licenças ambientais para o porto de cargas não perigosas e dado início às obras.

A empresa omitiu, no licenciamento para cargas não perigosas, que pretende desenvolver, no mesmo local, a atividade de armazenamento e distribuição de combustíveis, mesmo que essa fosse sua pretensão desde o início, violando a legislação ambiental e o próprio termo de referência dos estudos do licenciamento.

Em 30 de maio do ano passado, apenas 28 dias após a empresa ter dado entrada no licenciamento para cargas perigosas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi informado pelo engenheiro responsável que a “obra iniciou em fevereiro de 2019 e que no momento estavam aterrando a área onde será construído o porto para transporte de petróleo”.

Em memorando, representante da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) afirma que “tendo em vista o curto espaço de tempo entre os pedidos de licença, entende-se que o mesmo, ao pedir a licença para instalação portuária para cargas não perigosas, tentou acelerar o procedimento de licenciamento ambiental, uma vez que a atividade é de menor impacto ambiental, sendo assim, de menor complexidade o licenciamento e menor apreensão popular”.

A Atem’s construiu tanques aéreos destinados especificamente ao armazenamento de combustível, obra não autorizada pela única licença de instalação obtida pela empresa, que acobertava exclusivamente a instalação de infraestrutura para cargas não perigosas. A ilicitude foi flagrada pela própria Semas, registram o MPF e o MP/PA na ação.

Investigações – Após o MPF abrir investigações para apurar a regularidade do licenciamento do terminal portuário, em junho de 2019, a empresa foi questionada e apresentou informações ao MPF sobre a existência, no projeto, de dispositivos para prevenir e conter vazamentos de petróleo e derivados, e alegou que a obra era de utilidade pública por servir para atividade de armazenagem, estocagem e distribuição de combustível.

Em agosto do ano passado, o MPF requisitou cópia do processo de licenciamento à Semas. Após diversas reiterações do pedido, seis meses depois a Semas finalmente respondeu, informando que o porto estaria sendo licenciado somente ao transporte de cargas não perigosas, o que, obviamente, não inclui petróleo e derivados.

Enquanto isso, em inspeção ao local, equipe do Ibama foi informada que estava sendo feito o aterramento da área reservada para a construção do porto para transporte de petróleo. E outra inspeção, do MPF, confirmou a existência de estruturas compatíveis com o armazenamento de grande quantidade de combustível.

Semas não tomou providências – Além das diligências realizadas pelo Ibama e MPF, uma equipe da Semas, ao vistoriar a obra para verificar o cumprimento das condicionantes da licença concedida para transporte de cargas não perigosas, também flagrou a realização de obras de tanques aéreos destinados ao armazenamento de combustível, em desacordo com a licença ambiental concedida. No entanto, mesmo após a secretaria tomar ciência da ilegalidade e de a analista ter recomendado fiscalização da obra, não foi lavrado o devido auto de infração e também não foram tomadas providências para impedir a continuidade da instalação irregular.

Pelo contrário: a Semas concedeu a licença prévia para a atividade de armazenamento e transporte de combustíveis (carga perigosa), posteriormente à identificação da ilegalidade. “Com isso, a Semas premiou a atuação fraudulenta da ré Atem’s Distribuidora de Petróleo Ltda que, ao se submeter indevidamente a um processo de licenciamento simplificado (para cargas não perigosas), com exigências ambientais menos rigorosas, garantiu ilegalmente o avanço das obras do porto”, criticam os membros do Ministério Público.

Terceira ação – A ação desta semana é a terceira ajuizada pelo Ministério Público. Além desta ação e da ação criminal, ajuizada pelo MP/PA em março deste ano na Justiça Estadual, em fevereiro o MPF e o MP/PA pediram à Justiça Federal a anulação urgente das licenças prévia e de instalação expedidas pela Semas e a proibição da continuidade das obras até que sejam corrigidas diversas irregularidades do licenciamento do projeto.

Entre as obrigações não atendidas no licenciamento, o MPF e o MP/PA apontaram a necessidade de que, antes de emitir ou não qualquer autorização ao empreendimento, o órgão competente do governo realize consulta prévia, livre e informada aos indígenas, quilombolas e pescadores potencialmente afetados, seguindo o Protocolo de Consulta já elaborado por essas comunidades. A obrigação é estabelecida na legislação ambiental e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Também é preciso, segundo o MP/PA e o MPF, que sejam confeccionados Estudo de Componente Indígena, Estudo de Componente Quilombola e avaliação de impactos sobre os pescadores artesanais. Esses trabalhos, que devem ser realizados por equipe multidisciplinar e ter como integrante antropólogo legalmente habilitado na Associação Brasileira de Antropologia, posteriormente devem ser analisados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Cultural Palmares, nos termos da legislação e garantindo-se participação dos grupos.

O MPF e o MP/PA pediram à Justiça que seja determinado o providenciamento da regularização do licenciamento ambiental junto ao órgão competente, o Ibama. Atualmente o licenciamento está sendo conduzido pela Semas, mas a possibilidade de a obra afetar bens da União (rio federal e terras quilombolas cujo título definitivo ainda não fora concedido) e direitos coletivos de povo indígena, cuja promoção também é competência da União, induz a competência do órgão licenciador federal para conduzir o processo de licenciamento.

A ação incluiu pedidos para que a Justiça Federal obrigue a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, a serem analisados pelo órgão ambiental competente, e para que determine a realização de audiência pública com a sociedade civil, nos termos da legislação ambiental.

A primeira ação pediu, ainda, que a Atem’s Distribuidora de Petróleo seja obrigada a não impedir o acesso de pescadores às adjacências do empreendimento (Praia dos Ossos), e que a empresa tenha que adotar medidas emergenciais para evitar o escoamento de sedimentos para o rio Amazonas.

Por fim, o MPF e o MP/PA pediram que o estado do Pará, por meio da Semas, seja impedido de emitir novas licenças ao empreendimento da ré Atem’s Distribuidora de Petróleo, tendo em vista a competência do Ibama para licenciar, e até que sejam corrigidas as irregularidades citadas na ação.

Processo 1003633-67.2020.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)

Íntegra da ação

Consulta processual

Arte: Secom/PGR

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