SP, Rio e Goiás receberão do governo federal menos cestas básicas para indígenas

Governadores dos três estados têm política de enfrentamento a Bolsonaro durante a pandemia; distribuição também será minúscula em Roraima e Amapá, estados com grande população indígena e cenários de conflitos

Por Ludmilla Balduino e Maria Fernanda Ribeiro, em De Olho nos Ruralistas

A Fundação Nacional do Índio (Funai) anunciou na quinta-feira (23) a distribuição de 308 mil cestas básicas de alimentos para 154 mil famílias indígenas. As cestas devem ser adquiridas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e a Funai será responsável pela logística de distribuição. A ministra Damares Alves divulgou a ação em suas redes, entusiasmada, mas não estranhou os critérios por Unidade da Federação: estados onde os governadores se opõem a Bolsonaro receberão poucas cestas.

Uma nota publicada no site do ministério informa que cada família indígena deve receber duas cestas básicas. Cada uma conterá oito produtos. No total, a pasta deve gastar R$ 40 milhões com a compra das cestas, que também serão destinadas a quilombolas (ainda não foram divulgados mais detalhes sobre a distribuição nos quilombos); a Funai, R$ 5,3 milhões com as entregas.

Apesar da alta concentração populacional indígena, Roraima e Amapá vão receber um número irrelevante de cestas. No estado do Amapá, onde há 21.654 indígenas, segundo dados preliminares do Censo 2020, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), serão entregues 294 cestas para 147 famílias.

Para Roraima, onde vivem 151.098 indígenas, serão encaminhadas setenta cestas básicas para 35 famílias. O estado onde vive a única deputada federal indígena do Brasil, Joênia Wapichana (Rede), é um dos epicentros da violência contra os povos originários no Brasil. Líderes de várias etnias temem o impacto do avanço dos garimpeiros no avanço do coronavírus. Os povos do Amapá também sofrem com as invasões promovidas pelo garimpo.

CAIADO, WITZEL E DORIA ROMPERAM COM PRESIDENTE

Entre os estados que devem receber menos cestas básicas estão Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, todos eles governados por ex-apoiadores de Jair Bolsonaro. O governador paulista, João Doria (PSDB), e o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), já haviam rompido com o presidente. O ruralista Ronaldo Caiado (DEM), que havia indicado o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, rompeu com o antigo aliado durante a pandemia. 

Em Goiás, 171 famílias devem receber o alimento. Ou seja, serão entregues 342 cestas. No entanto, de acordo com dados sobre populações indígenas e quilombolas do Censo 2020, disponibilizados nesta sexta-feira (24) pelo IBGE, há 14.003 indígenas vivendo no estado. No Rio serão distribuídas 282 cestas para 141 famílias. Mas os dados do Censo 2010 do IBGE indicavam a presença de 12.024 indígenas no estado. Os dados de 2020 estão incompletos.

Em São Paulo, 2.694 cestas serão entregues a 1.347 famílias — um número pequeno, comparado com o total de indígenas vivendo no estado: 54.112 pessoas. Além de ter uma população indígena vivendo nas periferias do estado mais urbano do país, São Paulo é o epicentro da pandemia de Covid-19 no Brasil. Na capital, indígenas Guarani-mbyá da TI Jaraguá resistem ao avanço da construtora Tenda, autorizada a construir na região.

Os três governadores têm usado a pandemia como instrumento político para ganhar apoio da população. 

Entre as 154 mil famílias que receberão as cestas, 90 mil (60%) ficam em cinco estados: Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Confira:

‘NÃO ESTAMOS SENDO CONSULTADOS’, DIZ LÍDER INDÍGENA

Em reunião da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, realizada na quinta-feira, servidores da Funai deixaram claro que é possível que o órgão não consiga atender todas as aldeias, apenas aquelas que atendem aos critérios de vulnerabilidade. Os critérios são definidos de acordo com as informações enviadas pelas 32 Coordenações Gerais (CR) no país. O cronograma de distribuição das cestas será definido conforme as solicitações de recursos e os planos de trabalho enviados pelas coordenações.

Famílias indígenas com isolamentos geográficos não precisam das cestas, avaliam os servidores, pois chegar a regiões remotas têm um custo muito alto e haveria exposição desnecessária ao contágio. A Funai não planeja entregar uma cesta básica para todas as famílias indígenas e não informar quantas ficarão desassistidas. Os critérios de vulnerabilidade variam com a região; relacionam-se com a suscetibilidade de exposição ao vírus e a capacidade de acesso a recursos naturais dentro dos territórios.

As Terras Indígenas Jaraguá e, no Mato Grosso do Sul, a Tenondé Porã, foram mencionadas como territórios vulneráveis.

Vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Mário Nicácio criticou a forma como o governo está encaminhando a distribuição: “Nós não estamos sendo consultados de que forma podemos ajudar e nem como as comunidades estão sendo indicadas. Não sabemos dos cronogramas. Tudo está sendo feito de portas fechadas”.

MPF QUESTIONA CRITÉRIOS E VERBAS DO GOVERNO

Ao divulgar, sem detalhes, quantas famílias receberão as cestas de alimentos em cada estado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não especificou o número total de indivíduos e não informou quais serão as etnias, aldeias e territórios indígenas beneficiados. 

Também não foi informado se os indígenas que vivem nas cidades receberão apoio. Não há detalhes sobre quais são os oito itens de cada cesta básica, e se será feita uma nova distribuição de alimentos para outras famílias.

Agrupar os povos indígenas em famílias para qualquer política pública não é algo tão natural, já que não existe um número oficial de integrantes por família indígena no país. As organizações sociais são diferentes de acordo com cada etnia.

O Ministério Público Federal no Pará decidiu requerer à Funai informações sobre a dispensa emergencial para a aquisição de cestas básicas e sobre a compra centralizada das cestas pela sede da fundação. O MPF quer também informações sobre o cronograma e o orçamento da logística necessária para as entregas das cestas nas terras indígenas.

Os procuradores consideram que o número de cestas básicas anunciado pelo governo não será suficiente para o atendimento de todas as famílias. E quer que grandes projetos e empresas que impactam terras indígenas sejam acionados sobre a possibilidade de fornecer ajuda humanitária em cestas básicas, itens de higiene e limpeza e equipamentos de proteção individual.

Fernando Soave, procurador do MPF do Amazonas, participou da reunião da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, na quinta-feira, e questionou o governo:

— A informação recebida, por exemplo, em São Gabriel da Cachoeira, é de que os alimentos apenas chegariam na segunda quinzena de maio. Há mais de 500 indígenas neste momento aglomerados em filas em lotérica, sem saber quando chegarão os alimentos, o que falar a eles? Idêntica situação na maioria do Amazonas. Se isto não for respondido nesta reunião, infelizmente não teremos outra opção senão judicializar. 

Foto: Luca Meola/Mídia Ninja

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