Carta aberta da Associação de servidores ambientais à sociedade

Na ASCEMA Nacional

A Associação Nacional da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA), comprometida com os servidores, com o meio ambiente e com a sociedade brasileira, vem expor ao público o momento dramático que passa a gestão ambiental federal no país, pelo contexto que será apresentado, trazendo preocupações da mais alta relevância à sustentabilidade, à saúde humana e ao futuro da gestão ambiental pública:

Os servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente há muito vêm demonstrando grande preocupação com os rumos dados à instituição, a exemplo das “Propostas dos Servidores da área ambiental (IBAMA, ICMBio, MMA e SFB) para a solução da crise”1.

As manifestações revelam deficiências e riscos nos caminhos administrativos seguidos pelo Governo Federal com prejuízos e consequências danosas ao meio ambiente, apontando as condições para evitar o enfraquecimento progressivo da instituição, e garantir condições mínimas de trabalho para o bom cumprimento dos programas de proteção ambiental. Não obstante, as manifestações foram ignoradas.

Temos assistido seguidas interferências na condução dos trabalhos realizados pelos órgãos ambientais federais e seus servidores, resultando no aumento do desmatamento ilegal da Amazônia, atingindo patamares superiores aos de 10 anos atrás e redução drástica dos processos de punição por essas infrações2, para ficarmos somente em um dos temas sensíveis ao equilíbrio ambiental assegurado aos brasileiros em nossa Constituição Federal. Os poucos resultados alcançados se devem aos imensos esforços dos servidores públicos, superando as reduções orçamentárias, de pessoal e perseguições impostas pela atual gestão ao corpo técnico do IBAMA, ICMBio e Ministério do Meio Ambiente

O Ministério do Meio Ambiente tem promovido a exonerações de diversos gestores do IBAMA e do ICMBio, substituindo-os por pessoas externas, sem conhecimento e experiência em meio ambiente. Quando esses gestores não conseguem implantar a linha de trabalho que conduza ao enfraquecimento da fiscalização ambiental, também são substituídos, como no caso do Diretor de Proteção Ambiental do IBAMA, exonerado em 14 de abril, após o excelente resultado de combate ao garimpo e desmatamento ilegal nas Terras Indígenas do Pará realizado pelos servidores do Instituto.

A exoneração do diretor de proteção ambiental do IBAMA, logo após as operações de fiscalização bem sucedidas, evidenciou uma clara insatisfação dos atuais dirigentes do Ministério do Meio Ambiente com a atuação da fiscalização ambiental.

A operação de fiscalização do IBAMA na região da Terra Indígena Ituna-Itatá, iniciada em 2019, revelou uma quadrilha envolvendo políticos e lideranças locais, especializada na grilagem de terras públicas. O desmatamento naquela área foi drasticamente reduzido, graças a atuação dos fiscais do IBAMA. Por outro lado, a certeza da impunidade e eventuais dificuldades impostas aos servidores para a continuidade de seu trabalho podem tornar sem efeito todo o esforço dispendido até o momento.

As ameaças de novas exonerações na cadeia de comando da fiscalização do IBAMA no atual momento, tem o objetivo claro de interromper a aplicação da legislação ambiental.

Os discursos políticos que desautorizam o IBAMA e o ICMBio, vêm dos mesmos que defendem a Medida Provisória 910/2019, que pretende legalizar a invasão e a grilagem de terras públicas no Brasil e impulsionar o desmatamento e garimpo nas Terras Indígenas de Trincheira Bacajá, Apyterewa e Arawete, levando ao alerta máximo.

Assim como a MP da Grilagem de Terras (MP 910/2019), a IN n.o 09 de 16 e abril de 2020, do Ministério da Justiça, faz parte do conjunto de medidas de promoção da invasão de Terras Indígenas de forma “organizada” pelo governo, desvirtuando a finalidade a FUNAI que, de guardiã dos direitos indígenas, passará a certificar grileiros em busca de “regularização de invasões”3.

Os desmatamentos nas terras indígenas da Amazônia ocorrem em meio a um contexto maior, de ingerências indevidas na aplicação da legislação ambiental que vêm ocorrendo dentro do Ministério do Meio Ambiente, como: “legalização” de madeira contrabandeada para o exterior4, cancelamentos discricionários de autos de infração e embargos5 e anistia a desmatadores da Mata Atlântica6. São exemplos de conduta da atual gestão que impedem o atingimento dos melhores resultados ambientais, assim esperados pela sociedade, vindos de um órgão tão importante, que deveria se pautar pelo respeito à legislação, pela ética e transparência.

A mordaça imposta pelo Ministro Ricardo Salles ao IBAMA e ICMBio para divulgação das suas ações, criam dificuldades no combate aos crimes ambientais e corrompe os princípios da publicidade e transparência. Como se não bastasse, foram impostas metas sem pactuação com os servidores além de obstáculos no reconhecimento da jornada de trabalho em campo. Estes são apenas alguns exemplos de entraves administrativos que prejudicam o desempenho das instituições responsáveis pela gestão ambiental.

As ingerências políticas sofridas no IBAMA e no ICMBio agora ameaçam tomar conta da Polícia Federal7. É imprescindível que os Órgãos de Estado disponham de autonomia para exercerem tecnicamente suas missões constitucionais, seja na proteção da sociedade ou na proteção do meio ambiente, garantindo a aplicação da legislação independente do cargo ou interesse político-partidário de qualquer governo.

A relevância estratégica da gestão ambiental para as presentes e futuras gerações transcende a esfera governamental, constituindo missão de bem servir ao Brasil acima de tudo, e não a um Governo acima de todos. Em tempos em que a interferência política na máquina pública estatal está sendo gravemente questionada, a substituição desmotivada de cargos macula a impessoalidade, a autonomia administrativa, a democracia e o Estado de Direito, duramente conquistados.

A continuidade das ações de fiscalização, principalmente nas Terras Indígenas e Unidades de Conservação, é crucial para o cumprimento do dever legal do IBAMA e ICMBio em proteger os povos tradicionais e o patrimônio natural, e dessa maneira, garantir a efetiva proteção do território e interesse nacional, por meio do cumprimento do art. 225 da CF, sob pena de, em não o fazendo, os gestores virem a ser responsabilizados.

O contexto criado no IBAMA pela exoneração do Diretor de Proteção Ambiental em meio a uma grande operação de fiscalização imporá ao novo dirigente o desafio de criar um ambiente de confiança na equipe, por meio de claras demonstrações de que não foi nomeado para cumprir missão política ou ideológica, com risco de enfrentar uma instabilidade constante em sua gestão.

Em função das ameaças de novas exonerações que pairam sobre a cadeia de comando da fiscalização ambiental do IBAMA, recomendamos prudência à administração e respeito ao conhecimento e experiência que os profissionais da Carreira de Especialista em Meio Ambiente possuem.

Tal pleito visa atender a racionalidade, diante da patente impossibilidade de domínio, em tempo hábil, dos muitos conhecimentos e habilidades necessários ao exercício do cargo, dada a complexidade e diversidade das operações.

Diante do exposto, a ASCEMA Nacional, em nome dos servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, vem a público solicitar ao Ministro do Meio Ambiente, além das respostas aos questionamentos já encaminhados, o que se segue:

  1. Adoção das providências já requeridas pelos servidores em documentos (cartas) anteriores, com a urgência que o caso requer;
  • Diálogo com os servidores do IBAMA e ICMBio nos processos de nomeações de cargos diretamente afetos às áreas finalísticas, de modo a aproveitar o conhecimento e a experiência acumulada na instituição;
  • Que as nomeações dos cargos com atribuição de fiscalização ambiental sejam providas por servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, com larga e comprovada experiência no assunto;
  • Que sejam respeitados critérios técnicos quando da nomeação para funções de direção superior e se abstenham de efetuar nomeações de profissionais com currículo e experiência insuficientes e incompatíveis com a grande responsabilidade técnica imposta pelos cargos.

A ASCEMA Nacional estará atenta a qualquer perseguição aos servidores e adotará as medidas judiciais necessárias a proteção de seus direitos.

Diretoria Executiva ASCEMA NACIONAL

Notas:

1-http://www.ascemanacional.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Carta-Crise-Socioambiental-Amazonia-4set2019.pdf

2-https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/01/14/area-com-alerta-de-desmatamento-na-amazonia-sobe-85percent-em-2019-ante-2018-segundo-o-inpe.ghtml e https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/12/14/numero-de-multas-aplicadas-pelo-ibama-em-2019-e-o- menor-em-15-anos-diz-observatorio-do-clima.ghtml

3-Detalhes na Nota Técnica dos Indigenistas Associados – INA https://indigenistasassociadosorg.files.wordpress.com/2020/04/2020-04-27-nota-tc3a9cnica-in09.pdf

4-https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/04/ricardo-salles-demite-analista-que-foi-contra-exportacao-de-madeira-sem-autorizacao.shtml?origin=folha

5-https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/09/ibama-libera-terras-indigenas-embargadas-por-irregularidades-ambientais-no-mt.shtml

6-https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/04/salles-anistia-desmatadores-da-mata-atlantica-em-meio-a-pandemia-de-covid-19.shtml

7-https://exame.abril.com.br/brasil/moro-anuncia-demissao-por-interferencia-politica-na-policia-federal/

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