Câmara de Populações Indígenas do MPF aponta inconstitucionalidade em norma da Funai que permite ocupação de terras não homologadas

Segundo o órgão superior, a Instrução Normativa 9/2020 extrapola competência e subverte missão legal da autarquia indígena

A Instrução Normativa 9/2020, publicada em 22 de abril pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de disciplinar o requerimento, análise e emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados, é inconstitucional e ilegal. A avaliação é da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF). Para o coordenador do órgão, subprocurador-geral da República Antônio Bigonha, a norma subverte a missão legal da Funai e transforma a autarquia num “cartório de certificação de grilagem de terra indígena”.

A IN 9/2020 revogou normativo anterior, modificando, em especial, os critérios para a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites pela Funai. Antes, a DRL fornecia aos proprietários de imóveis rurais a certificação de que os limites de suas terras não coincidiam com imóveis da União destinados a posse permanente de indígenas. Estavam incluídos nesse grupo áreas reivindicadas por grupos indígenas, em processos administrativos de demarcação ou em estudo de identificação e delimitação, por exemplo.

De acordo com a nova instrução, a DRL deve ser concedida aos proprietários ou possuidores privados cujos imóveis rurais respeitem os limites de terras indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas. Ainda segundo a norma, não cabe à Funai produzir documentos que restrinjam a posse de imóveis privados em face de estudos de identificação e delimitação de terras indígenas ou constituição de reservas indígenas.

Para a 6CCR, a IN 9/2020 exime a Funai do seu dever constitucional, legal e regulamentar de promover o reconhecimento e defender a posse tradicional indígena, assim como de zelar pela propriedade imobiliária da União. Além disso, afronta, entre outros dispositivos legais, o Provimento 70/2018, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que disciplina a atividade cartorária de registro de terras indígenas com demarcação já homologada, bem como a averbação da existência de processos demarcatórios de terras indígenas em áreas de domínio privado.

Inconstitucionalidade 

Na avaliação da Câmara do MPF, os vícios e ilegalidades apontados na Instrução Normativa 9/2020 devem ser analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em representação enviada ao procurador-geral da República nesta quinta-feira (30), o órgão pontua que a regulamentação do CNJ  “teve por escopo, a um só tempo, promover a regularização fundiária e conferir segurança jurídica ao exercício da propriedade e às transações imobiliárias”. Destaca ainda que o provimento conferiu à Funai o dever de diligenciar junto ao respectivo cartório imobiliário em defesa dos interesses possessórios indígenas.

Assim, a 6CCR entende que a Funai extrapolou sua competência normativa interna ao disciplinar matéria notarial submetida à regulamentação e controle do Conselho Nacional de Justiça. Além disso, instituiu “uma modalidade extravagante de certificação cartorária que limita o pleno exercício da posse tradicional indígena, restringe o patrimônio imobiliário da União em benefício do particular possuidor e promove a insegurança jurídica em relação a todos os atores da sociedade”.

Íntegra da representação

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República

Foto: Marcello Casal Jr /ABr

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