Givânia Silva, líder quilombola: “MP 910 só se explica pelo racismo institucional”

Para membro-fundadora da Coordenação Nacional da Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq), MP da Grilagem estimula invasores e aumentará número de assassinatos no campo; entidade lança hoje campanha ‘Vidas Quilombolas Importam’

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

Foi adiada ontem (12) a votação no plenário da Câmara da MP 910/2019, a MP da Grilagem, que pretende anistiar a ocupação irregular de terras públicas, sob o pretexto de promover a regularização fundiária. Criticada por ambientalistas, procuradores, juristas e movimentos sociais por incentivar a criminalidade no campo, o projeto é visto com preocupação pelas comunidades quilombolas, representadas pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Para Givânia Silva, coordenadora e membro-fundadora da entidade, a medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro terá impactos devastadores sobre os mais de 6 mil quilombos espalhados pelo país. “Desde o golpe de 2016, se as coisas já não estavam boas para nós, elas pioraram significativamente”, afirma. “No governo Bolsonaro isso se ampliou com uma crueldade que é fruto direto do racismo”. Ela se refere aos cortes no orçamento para ações voltadas às comunidades quilombolas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no Ministério da Cidadania.

— Tanto a MP 910 quanto a resolução que trata do deslocamento de 800 famílias em Alcântara (MA) são ações que estão dentro de uma chave que só se explica pelo racismo institucional.

As duas medidas, tomadas em meio ao avanço da pandemia do novo coronavírus sobre os territórios tradicionais, mostram, na visão de Givânia, um descaso completo com a vida dos quilombolas. Afinal, aumentam o risco de conflitos por terra, que atingiram pico em 2019, com 13.624 famílias quilombolas impactadas e quinze líderes sob ameaça de morte, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

“A efetivação da MP 910 é a instalação da morte em série de trabalhadores e trabalhadoras do campo”, diz ela. “Esse crime chega num momento de muita fragilidade para as comunidades quilombolas. Pra sabermos quem são esses sujeitos e sujeitas que estão morrendo por Covid-19, temos que ligar diretamente para as famílias porque não há um órgão no Estado que faça qualquer tipo de sinalização ou monitoramento”.

De acordo com o último levantamento da Conaq, divulgado na segunda-feira, já são 19 quilombolas mortos pela Covid-19 e 65 casos confirmados.

CONAQ LANÇA CAMPANHA ‘VIDAS QUILOMBOLAS IMPORTAM’

A votação da MP da Grilagem no Congresso ocorre no mesmo dia em que a Conaq completa 24 anos de sua fundação, em 12 de maio de 1996. Para marcar a data, a entidade que congrega dezessete organizações estaduais lançou a campanha nacional Vidas Quilombolas Importam.

No manifesto divulgado ontem, a Conaq celebra as conquistas das últimas duas décadas e define o caminho de luta para os próximos anos, destacando a autonomia, inserção e participação da juventude e das mulheres quilombolas nos espaços de formulação política, o fortalecimento da educação escolar quilombola e a defesa de seus direitos.

O documento ainda condena as manifestações de racismo contra a população negra, povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais e repudia as ações do Parlamento — dentre elas, a MP 910 — que afetam os direitos territoriais dos povos do campo, elemento fundamental de sua cultura e sobrevivência. E complementa: “É dos nossos territórios e com nossos territórios que nossa existência permanece”.

Foto (Agência Senado): Givânia Silva em comissão do Senado

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