Cineasta é condenado a pagar R$ 100 mil por propagar discurso de ódio contra comunidade indígena em curta-metragem

Ação do MPF pedia pagamento de multa por danos morais coletivos, a ser recolhida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados

Procuradoria Regional da República da 3ª Região

Na última terça-feira (12/5), o Tribunal Regional Federal (TRF3) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e condenou um cineasta ao pagamento de R$ 100 mil, por danos morais coletivos, por causa da produção e veiculação de um curta-metragem de conteúdo caracterizado como discurso de ódio contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá. A multa deverá ser destinada ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados. A decisão também determinou que seja revertido ao fundo os valores de ingressos eventualmente vendidos para apresentações do filme.

A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal em face de Reynaldo Paes de Barros, que realizou o filme “Matem… Os Outros” com uso de R$ 40 mil obtidos por meio da Fundação de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul, o que, como aponta o MPF, torna ainda mais grave e reprovável a difusão de discurso de ódio e intolerância feita pelo filme, financiado com dinheiro público. O curta retrata basicamente um diálogo travado entre quatro personagens, dois fazendeiros que pegam carona com um casal rumo a Sidrolândia (MS). 

Durante o trajeto, expõem os sentimentos dos produtores rurais em relação aos índios, oportunidade em que são veiculados ideais preconceituosos, repletos de ódio étnico. Nos minutos finais, a incitação à violência é escancarada. Um dos personagens, que diz ao longo do filme ter estudado o tema em sua tese de doutorado, afirma que o quadro dos conflitos relacionados às terras indígenas – quadro chamado pelo personagem de “invasão dos índios” – vai durar até ser mudado por um “banho de sangue” .

 Liberdade de expressão x dignidade da pessoa humana – A Justiça Federal de Mato Grosso do Sul julgou improcedente a ação do MPF sob o fundamento de que a obra produzida pelo réu não excedeu os limites do regular exercício do direito à liberdade de expressão. Diante disso, o MPF recorreu ao Tribunal, pedindo reforma da sentença.

Em seu parecer, o procurador regional da República Paulo Thadeu Gomes da Silva lembrou que, embora seja um direito fundamental, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que o próprio ordenamento jurídico impõe alguns limites e restrições a ele. “Os diálogos e cenas construídas pelo diretor acionado violam garantias que vedam qualquer modalidade de preconceito e discriminação”, afirma o procurador.

Sendo assim, quando a liberdade de expressão entra em conflito com outros direitos fundamentais “deve-se equacioná-lo mediante ponderação de interesses, balizada pelo princípio da proporcionalidade.” O procurador aponta, no entanto, que a dignidade é um bem intocável, o que significa dizer que ela não pode ser objeto de ponderação com outros direitos fundamentais, devendo prevalecer o princípio da dignidade.

Acolhendo tais argumentos, a 1ª turma do TRF3, por maioria de votos, condenou o réu ao pagamento de multa por dano moral coletivo às comunidades indígenas, por propagação de discurso de ódio em seu filme.

Processo nº 5000435-70.2018.4.03.6002
Parecer do MPF na 3ª Região

Imagem: Indígenas de Laranjeira Ñanderu, em Mato Grosso do Sul (Foto: Ascom MPF/MS)

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