A pandemia assola as periferias do mundo

Depois de debelada na China, e de castigar Europa e EUA, covid-19 cresce entre os 4 bilhões sem acesso à riqueza global. América Latina e África estão na trilha. E mais: os deputados que invadem hospitais

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

MAIS PERTO DO TOPO

Entre quarta e quinta-feira, o Brasil registrou 1.473 mortes pelo novo coronavírus (mais um recorde), levando o total de óbitos a 34.021. O número de casos conhecidos subiu para 614.941. Com isso, o país superou a Itália em número absoluto de mortes e ocupa a terceira posição no ranking global. Em segundo lugar está o Reino Unido, que se aproxima dos 40 mil – e a não ser que aconteça algum descontrole rápido e repentino por lá, é uma questão de (pouco) tempo até que o Brasil chegue à segunda posição, abaixo dos Estados Unidos, que hoje têm 108 mil mortes.

O fato de o Brasilter ultrapassado a Itália é simbólico, já que do país europeu vieram algumas das cenas mais chocantes da pandemia. O ranking deve ser visto com ressalvas, é verdade. Afinal, a população brasileira é três vezes maior do que a italiana, que tem cerca de 60 milhões de habitantes. Além disso, as transmissões na Itália estiveram mais restritas à região da Lombardia, o que tornou a situação sanitária ainda mais insustentável lá.

Ainda assim, é importante olhar para trás e fazer comparações. Há cem dias, quando o Brasil tinha pouco menos de 300 casos e registrava sua primeira morte, a Itália era o país mais preocupante do mundo. Na China, então líder no número de óbitos, as coisas estavam sob controle. Mas a Itália tinha duas mil mortes (hoje parece pouco) e os números continuavam subindo rapidamente. Dias antes, o país havia decretado lockdown – primeiro na Lombardia, e logo em depois em todo o território nacional. Sabemos que leva tempo até que infectados manifestem sintomas; às vezes também demora para que os sintomas se agravem, e as internações podem ser muito longas. Então ainda demorou algumas semanas para que os primeiros resultados na diminuição do número de casos diários começassem a aparecer de forma consistente. E apenas em meados de maio, após dois meses de lockdown, o número mortes diárias caiu para menos de 100. Só nesse momento o país começou a flexibilizar as quarentenas.

Já no Brasil, temos situações como a de São Paulo, que tem o maior número de casos e mortes no país: com 44 milhões de habitantes, o estado tem 8,5 mil mortes acumuladas e mais de 200 novos óbitos por dia, mas  já começou a flexibilizar seu isolamento (que nunca foi lockdown). Apesar de São Paulo ser emblemático, há outras reaberturas perigosas e municípios onde nem decretos de lockdown conseguiram fazer os níveis de isolamento ficarem muito acima dos 50%. Esta semana, o Outra Saúde conversou com o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP, para analisar as flexibilizações e entender por que mesmo os municípios brasileiros com os piores números da pandemia nunca tomaram medidas realmente duras contra o coronavírus. A entrevista saiu ontem à noite no podcast Tibungo e pode ser ouvida aqui.

Em tempo: uma das mortes mais tristes registradas ontem não foi por covid-19, embora se relacione diretamente à pandemia e a como ela afeta desigualmente a população. Foi a de Miguel, de cinco anos, filho da empregada doméstica Mirtes Souza. Ambos deveriam ter o direito de ficar em casa, isolados. Em vez disso Mirtes precisava limpar o apartamento luxuoso do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), e de sua esposa, Sari Corte Real, em Recife. Sem escola, o filho foi junto. Para levar os cães de Sari à rua, Mirtes deixou Miguel com a patroa, que deixou o menino sozinho no elevador; sua negligência matou Miguel, que caiu do nono andar. A mulher do prefeito não teve sua identidade divulgada pela Polícia Civil e foi liberada da prisão em flagrante após pagar fiança. “Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na TV. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias”, comparou a mãe de Miguel, devastada.

UM PROBLEMA À PARTE

A divulgação dos dados pelo Ministério da Saúde está atrasando. Não é de hoje. Segundo a Folha, acontece desde a entrada do ministro interino (há 21 dias interino, por sinal), general Eduardo Pazuello. Mas, esta semana, a pasta se superou. Tanto na quarta-feira quanto ontem, a divulgação só aconteceu às dez da noite, com três horas de atraso – depois dos principais telejornais e também do fechamento dos jornais diários. A entrevista coletiva que aconteceu ontem no fim da tarde apresentou os números que saíram na noite de quarta-feira, 20 horas antes… Pois é.

Segundo a pasta, o atraso se deve a problemas técnicos e a demora é necessária para publicar dados confiáveis. Nesse caso, não está servindo: as secretarias de saúde divulgam cinco mil casos e 139 mortes a mais no mesmo período.

NOVA GEOGRAFIA

Quando os casos na Europa começaram a se estabilizar e a covid-19 ainda não tinha explodido em outros lugares, os números globais se mantiveram em um crescimento mais lento. Isso já ficou para trás. Agora, os registros de novos casos nunca subiram num ritmo tão alucinante. São mais de 100 mil por dia. E estão concentrados em países de baixa e média renda na América Latina, Oriente Médio, África e no sul da Ásia, em locais onde uma parte grande da população é pobre e vive em condições que desfavorecem qualquer isolamento. De acordo com um levantamento do New York Times, a quantidade de países que registraram aumento de novos casos de covid-19 dobrou nas duas últimas semanas.

No Egito, a taxa de novas infecções confirmadas dobrou na semana passada. Bangladesh já relatou a primeira morte de covid-19 em um campo de refugiados, o que é um sinal mais do que preocupante. O Peru tem a pior situação na América do Sul, depois do Brasil. São mais de 180 mil casos conhecidos e, oficialmente, cinco mil mortes. Mas em maio houve 14 mil óbitos a mais que do a média dos anos anteriores, sugerindo imensa subnotificação. O governo lá começou com medidas duras, decretando um dos primeiros bloqueios nacionais na América do Sul. Porém, em maio, mesmo com casos subindo, algumas atividades econômicas começaram a ser retomadas.

Ainda nas Américas temos o México, que já começou fazendo tudo errado e ontem chegou a 12 mil mortes, após um recorde de 816 registros. O presidente López Obrador tem se comportado desde o princípio como um Bolsonaro à esquerda, negando a necessidade de isolamento e até distribuindo abraços a apoiadores. Ontem, disse aos mexicanos que não devem reagir exageradamente aos dados: “Que não haja psicose, não haja medo, e que, ao mesmo tempo, não prestemos atenção ao sensacionalismo”, pediu.

RUMO AOS RESULTADOS

O Centro de Referência para Imunológicos Especiais da Unifesp, o Crie, está recrutando mil profissionais de saúde que queiram testar a nova vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford. Devem atuar na linha de frente no combate à covid-19, por estarem muito expostos à contaminação. No Rio, outras mil pessoas vão ser testadas e o ensaio vai ficar a cargo do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e da Rede D’Or no Rio.

E a AstraZeneca, farmacêutica que vai fabricar a vacina depois que (ou se) ela for aprovada no Reino Unido, prevê produzir mais de dois bilhões de doses, metade delas para países em desenvolvimento. O anúncio foi feito depois de a empresa fechar acordos com o Instituto do Soro da Índia, maior fabricante mundial de vacinas em larga escala, e duas organizações apoiadas pelo bilionário Bill Gates.

GERADOR DE TUMULTOS

Não era nada de extraordinário: o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica que citava a necessidade de manter, durante a pandemia, o acesso a métodos contraceptivos e aos serviços de aborto previstos em lei. Mas, não se sabe se por falha na leitura ou por mera necessidade de gerar tumultos, as redes bolsonaristas replicaram a notícia como se fosse o fim do mundo.

Então Jair Bolsonaro correu ao Twitter para dizer que o Ministério tentava identificar a autoria da “minuta de portaria apócrifa sobre aborto” e que a pasta “segue fielmente a legislação brasileira, bem como não apoia qualquer proposta de legalização do aborto“. O presidente ainda terminou os tuítes “assinando” o nome do ministro interino, como se fosse ele o autor das frases. Mas o episódio é todo tão ridículo que ele escreveu “Fernando Pazuello”, em vez de Eduardo.

Além de não ser portaria, a nota técnica também não era apócrifa, mas assinada por três coordenadores e uma diretora da Coordenação de Saúde da Mulher. Aṕós a pressão de Bolsonaro, o documento foi retirado do ar.

VOCÊ PODE SUBSTITUIR RESPIRADORES POR…

Carlos Wizard, empresário que acaba de assumir a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, detalhou seus planos em entrevista à Folha. Ele já tinha anunciado a suspensão da compra de respiradores estrangeiros devido ao preço alto. Está tão confiante na produção nacional que, de acordo com ele, em agosto poderemos até exportar esses equipamentos…

Wizard quer economizar na compra de aparelhos que ajudam doentes graves a sobreviver, mas ao mesmo tempo vai abrir a mão para importar outro insumo: promete comprar da Índia 10 toneladas de matéria prima para fabricação de cloroquina, mesmo que não haja nenhuma evidência de que o remédio sirva para alguma coisa. “Se criou a questão ideológica contrária. Se o presidente disser: ‘gente, se vocês tomarem Coca-Cola, vocês vão ficar imunizados’, meu receio é que, no dia seguinte, metade da população deixe de tomar Coca- Cola”, argumenta. Nessa hipótese ele é a figura que, pelo sim, pelo não, prefere distribuir Coca-Cola em massa, contribuindo, nesse caso, com a epidemia de obesidade.

CENAS DE BOLSONARISMO EXPLÍCITO

Era tarde em São Paulo quando os deputados estaduais Adriana Borgo (Pros), Marcio Nakashima (PDT), Leticia Aguiar (PSL), Coronel Telhada (PP) e Sargento Neri (Avante) invadiram o hospital de campanha no Anhembi. Toda a ação – chamada de “vistoria” – foi devidamente divulgada nas redes sociais. Os pacientes foram gravados sem autorização. A unidade de saúde tem, segundo a Prefeitura, 397 pessoas internadas, mas uma capacidade para 1,8 mil doentes. Mirando os leitos vazios, o grupo andou pelas dependências do hospital sem equipamentos de proteção. “Isso é frescura. A gente não tem medo disso”, respondeu Adriana Borgo ao ouvir o pedido de um funcionário para que os parlamentares e seus assessores colocassem EPIs. 

Os parlamentares usaram a ação para se promover junto a sua base, com críticas ao isolamento social e disseminação de boatos de que número de casos e mortes por coronavírus seriam mentiras da gestão João Doria (PSDB). Não é a primeira vez que o ambiente hospitalar é desrespeitado em São Paulo. Algumas carreatas de apoio a Bolsonaro e contra a quarentena já tiveram hospitais como alvo de buzinaços. A atitude das autoridades foi condenada pela Prefeitura.

Também da Assembleia Legislativa de SP vem outra notícia chocante. O deputado estadual Douglas Garcia (PSL) pediu a seus seguidores nas redes sociais que enviassem perfis de quem apoiou a causa antifascista recentemente. O resultado é um dossiê com nome, fotos e endereços de perfis nas redes sociais, às vezes endereços residenciais, profissionais, telefones e até números de documentos das pessoas listadas. O documento já se espalhou na internet e teve intensa circulação em grupos da extrema direita. Segundo o parlamentar, o dossiê foi entregue à polícia, à Procuradoria-Geral da República e… à embaixada dos Estados Unidos. A intenção de Garcia é enquadrar as pessoas na Lei de Segurança Nacional como terroristas. As vítimas do parlamentar irão recorrer à polícia e à Justiça para tentar evitar ataques advindos dessa exposição e punir responsáveis pelos vazamentos. Na Alesp, o PSOL vai pedir a cassação do deputado.

Aliado de Jair Bolsonaro, Garcia é investigado no inquérito das fake news conduzido pelo Supremo e foi alvo do ataque hacker do Anonymous Brasil feito essa semana, quando teve seus dados pessoais vazados. 

A propósito: o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, gravado chamando o movimento negro de “escória maldita”, dentre outros absurdos, é alvo de uma ação da Rede Sustentabilidade. O partido entrou ontem com um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça em que pede seu afastamento do cargo. 

MAIS UM DOMINGO

Torcidas organizadas de futebol marcaram novos atos para o próximo domingo em diferentes cidades. Pelo menos São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília têm manifestações confirmadas. A coluna Painel, da Folha, publicou a manchete “Movimentos pela democracia decidem não convocar para atos”, que dá a entender o oposto. Na realidade, alguns desses movimentos (como o novo Somos 70%) e lideranças de seis partidos de oposição se manifestaram no sentido de indicar que as pessoas fiquem em casa. A justificativa é evitar aglomerações. Mas não é uma orientação geral.

Ao UOLo líder do MTST Guilherme Boulos diz que o PSOL mantém o apoio aos atos e que ele vai comparecer ao da Paulista. “Gostaria muito que o Brasil pudesse dedicar todas as forças para enfrentar a pandemia. Infelizmente, além de enfrentar a pandemia nós estamos sendo obrigados a enfrentar um governo de inclinações fascistas e ditatoriais. Essa não é uma escolha nossa. É um peso que o Bolsonaro impôs ao país. Temos toda a preocupação com saúde pública, não somos irresponsáveis como ele que sai sem máscara, pegando gente, crianças durante a manifestação, mas nós também temos responsabilidade com a democracia e o futuro do Brasil”, disse.

Jair Bolsonaro já se antecipa ao possível crescimento dos protestos, buscando associá-los a métodos violentos. “Esse pessoal não tem nada a oferecer para nós. Bando de marginais. Muitos ali são viciados. Outros ali têm costumes que não condizem com a maioria da sociedade brasileira. Eles querem o tumulto, querem o confronto”, disse ontem, em transmissão ao vivo. Desde o início da semana, ele tem pedido a seus apoiadores que não compareçam às ruas no mesmo dia dos protestos contrários.

Enquanto isso, o artigo 142 da Constituição continua sendo instrumentalizado pelos bolsonaristas para justificar uma intervenção militar. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) solicitou à Casa um parecer sobre isso. O texto, elaborado pela Secretaria-Geral da Mesa, diz que uma intervenção seria inconstitucional. Não que um documento da Câmara signifique muita coisa para quem pretende fechá-la…

O deputado Carlos Zaranttini (PT-SP) apresentou uma PEC para alterar a redação do artigo. Ela acrescenta às Forças Armadas deveres como o de “assegurar a independência e a soberania do país”, “os poderes constitucionais” e “a ordem constitucional”, para não deixar brechas.

E um ex-membro do governo, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse ao Globo que o ambiente no país é prejudicial para a imagem das Forças Armadas. “Essa interpretação de que Forças Armadas são um poder moderador é completamente equivocada. O nosso elemento moderador é a Constituição federal, não são as Forças Armadas”, disse, e comentou a presença de militares no Ministério da Saúde: “Essa situação é temporária, ao menos é o que diz o governo. Mas é uma área muito importante, para especialistas, espero que essa interinidade seja temporária. É uma função que exige muita especialização, contato com a comunidade científica, médica, protocolos de saúde, medicamentos, equipamentos médicos, é uma coisa muito especializada”. O ministro interino, general Pazuello, não tem especialização nenhuma na área, como sabemos. Ele é especializado em outra área, na de logística”, confirmou Santos Cruz.

A CAIXA-PRETA DO BOLSA FAMÍLIA

Não é novidade que o governo Jair Bolsonaro vem promovendo os maiores cortes da história do Bolsa Família. A fila aumentou, especialmente no Nordeste – região que, coincidentemente, não é reduto eleitoral do presidente. Hoje, há 433 mil famílias do país inteiro aguardando o sinal verde para receber o benefício. 

Eis que, atendendo a um pedido do próprio presidente, a Junta de Execução Orçamentária, formada por Paulo Guedes (Economia) e Braga Neto (Casa Civil), aprovou que R$ 83,9 milhões da parcela do programa destinada ao Nordeste fossem remanejados… para fazer propaganda do governo. Sim. Ao invés de diminuir a fila – com esse dinheiro dava para contemplar cerca de 70 mil novas famílias no segundo semestre do ano –, ao invés de investir no combate à pandemia – o montante daria para 1.263 respiradores ou mais de 855 mil testes PCR –, Bolsonaro preferiu reforçar sua imagem pela via do marketing puro. 

O Ministério da Economia, pasta de onde partiu o ato administrativo que remanejou os recursos, tem uma justificativa. Vejamos: segundo a lei que criou o auxílio emergencial de R$ 600, é ilegal que as pessoas acumulem esse benefício com o Bolsa Família. E como o auxílio paga melhor que o programa (o valor médio do Bolsa em março foi de R$ 191), 95% dos beneficiários preferiram receber os R$ 600. Com isso, houve “sobra” de dinheiro. O que essa linha de argumentação ignora de propósito é a explicação das prioridades do governo para aplicação de recursos públicos.   

Os quase R$ 84 milhões vão para a Secretaria de Comunicação (Secom), a mesma da publicidade embargada “O Brasil não pode parar”, a mesma que propagandeia um “Placar de Vidas” quando as mortes por covid-19 batem recorde após recorde. Com esse tipo de coisa, a Secom já gastou R$ 17,8 milhões durante a pandemia. Segundo a Agência Pública, R$ 14 milhões foram alocados na melhora da imagem do Brasil no exterior em propagandas que afirmam que o país “está no rumo certo”. 

SOBRE A CONTINUIDADE DO AUXÍLIO

O governo bateu o martelo sobre a continuidade do auxílio emergencial e deve defender junto ao Congresso uma extensão por dois meses, pela metade do valor (R$ 300). Por que reduzir? “Porque cada vez que nós pagamos esse auxílio emergencial, dá quase R$ 40 bilhões. É mais do que os 13 meses do Bolsa Família. O Estado não aguenta isso aí”, justificou Jair Bolsonaro ontem, na sua transmissão ao vivo. Segundo o pensamento mágico – ou descaso – do governo, em setembro os milhões de brasileiros já poderão se virar sozinhos. 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que os deputados tendem a mudar o projeto do governo, fazendo com que a prorrogação do auxílio seja no valor atual, de R$ 600, por mais dois ou três meses. “A PEC da guerra abre as condições para que o governo possa realizar esses gastos, mas todos nós sabemos que o nível de endividamento do governo federal é o nosso limite”, ponderou.

Falando em auxílio, uma dica: quem teve sua solicitação contestada por dados inconsistentes deve refazer o pedido de auxílio emergencial no aplicativo da Caixa Econômica. Só assim é possível corrigir informações preenchidas com erro, segundo a vice-presidente do banco, Tatiana Thomé.

HÁ AVANÇOS

O Senado Federal aprovou ontem, por unanimidade, o projeto de lei que destina R$ 3 bilhões para socorrer o setor cultural. O PL, conhecido como ‘Aldir Blanc’, em homenagem ao compositor que morreu de covid-19, prevê um auxílio de R$ 600, em três parcelas, para trabalhadores da arte e da cultura, além de recursos para a manutenção de espaços artísticos e micro e pequenas empresas culturais, cooperativa e instituições afetadas pelo isolamento social. O presidente Jair Bolsonaro precisa sancionar. Na reta final da tramitação na Câmara, o governo tinha sinalizado positivamente. A ver. 

Também ontem, os senadores aprovaram um apoio de R$ 160 milhões para asilos e instituições de idosos. Os recursos devem ser aplicados, preferencialmente, na prevenção e no controlo do coronavírus, na compra de insumos, equipamentos e medicamentos e na adequação da infraestrutura. Podem ser beneficiadas entidades sem fins lucrativos inscritas em conselhos da pessoa idosa ou de assistência social. Os recursos serão distribuídos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de acordo com o número de pessoas atendidas em cada instituição. O PL foi para sanção presidencial.  

FUTURO DO TRABALHO

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu que 20,8 milhões de pessoas podem trabalhar de casa no Brasil. O número corresponde a 22,7% dos postos de trabalho do país. Na comparação com o resto do mundo, ocupamos uma remota 45ª posição no ranking com 86 países onde o teletrabalho tem maior potencial. Já na América Latina, onde foram pesquisados nove países, o Brasil ocupa o segundo lugar, atrás do Chile. 

Dentro do nosso território, há grandes desigualdades – como era de se esperar. No Piauí, apenas 15,6% dos postos de trabalho podem ser submetidos a esse regime de home office. Já no Distrito Federal, o número chega a 31,6%. 

O grupo de profissionais das ciências e intelectuais possui o maior potencial de teletrabalho (65%), seguido por diretores e gerentes (61%), trabalhadores de apoio administrativo (41%) e técnicos e profissionais de nível médio (30%).

ENQUANTO ISSO…

O Instituto for Policy Studies afirma que a riqueza dos bilionários dos EUA aumentou quase 20% durante a pandemia – o equivalente a meio trilhão de dólares. Naquele país, a crise sanitária já desempregou 42,6 milhões de pessoas. Haja desigualdade.

Por aqui, saíram dados sobre os lucros dos bancos brasileiros em 2019. Com rentabilidade de 16,5%, essas instituições só lucraram menos do que seus equivalentes na Argentina, no México, no Canadá e na Rússia. No caso dos bancos de grande e médio porte, a média ficou em 18,8%.

GIRO NOS ESTADOS

A primeira parcela do pacote de ajuda do governo federal a estados e municípios deve cair só no dia 9 de junho. Ontem, Jair Bolsonaro editou uma medida provisória abrindo crédito de R$ 60 bilhões com esse objetivo. Na data, já terão se passado uns 80 dias desde que o presidente prometeu esse auxílio aos prefeitos e governadores.

E o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados vai fazer barulho em torno do veto presidencial que travou a destinação de R$ 8,6 bilhões para o combate à pandemia. Como falamos por aqui, esse dinheiro vem de um fundo do Banco Central, que foi extinto. O governo quer pagar dívida pública com ele. Mas o Congresso pode derrubar o veto. É o que pede o Conselho, num ofício enviado a Maia e Davi Alcolumbre (DEM-AP) ontem. O presidente da Câmara comentou o assunto. Se disse surpreendido com a decisão, já que havia um acordo entre governo e parlamentares em torno do tema. 

Na frente sanitária propriamente, há notícias preocupantes vindas de vários estados. No Rio Grande do Norte, que sofre com um dos maiores índices de ocupação de leitos de UTI do país, a governadora Fátima Bezerra renovou ontem o decreto de quarentena até o dia 16 de junho. Por lá, apenas 40% da população está respeitando as medidas de isolamento social. 

Circula na internet a notícia de uma médica plantonista que negou a entrada da idosa Iraci Fonseca Salviano, de 84 anos, em um hospital no município de São Gonçalo do Amarante, na grande Natal. Ela fala à família e aos profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu): “Não tenho onde colocar. Leve para o Giselda (Hospital Giselda Trigueiro), leve para uma UPA. O que eu vou fazer, pelo amor de Deus? A senhora quer subir para ver? Ela vai entrar aqui para morrer. Não tenho o que fazer. Eu não posso receber“. A médica levou a filha da idosa para um tour pelo hospital superlotado, repetindo que não era má vontade o veto à internação. A situação trágica não se resolveu a contento: a família disse que chamaria a polícia e o Conselho Regional de Medicina. Depois de seis horas, a idosa – intubada – foi colocada numa ala destinada a casos suspeitos de covid-19. 

Em Santarém,no Pará, as cenas também são tristes. Uma UPA chegou a acumular oito cadáveres à espera de remoção para cemitérios da cidade. Por falta de funcionários, o prefeito Nélio Aguiar (DEM) passou a dar plantão como médico na unidade no início da semana. O município está com todos os 48 leitos públicos de UTI ocupados e há 60 pacientes na fila por uma vaga. Apesar de tudo isso, o comércio reabriu na segunda-feira, num esquema de rodízio de moradores que podem circular baseado no número final do CPF ser par ou ímpar.  

O Acre é um dos estados com pior índice de ocupação de UTIs, com 96%. Mas os deputados estaduais não parecem preocupados e aprovaram, na última quarta-feira, um PL que libera a realização de cultos, missas e encontros religiosos. Não podem participar idosos e pessoas com comorbidades, numa versão local do “isolamento vertical” defendido por Jair Bolsonaro. A farra vai de encontro ao decreto de isolamento social do governo estadual, vigente até 15 de junho. “Os cultos e encontros estão sendo realizados pela internet, mas o povo está sofrendo muito precisando de orientação, oração. Muitas pessoas estão com depressão, com medo da doença e a igreja é um alento nesse momento”, justificou a autora do projeto, Juliana Rodrigues (PRB) – que é médica e chegou a ser presa no ano passado numa operação da PF que investigava desvio de recursos públicos.

No Sudeste, Minas e Rio estão batendo recordes consecutivos. O primeiro registrou mais de mil casos de covid-19 dois dias seguidos; o segundo registrou mais de 300 mortes. O Rio também registrou um novo marco da epidemia, ao ultrapassar 60 mil casos notificados.

Em São Paulo, dois marcos horríveis estão bem próximos: o dos 130 mil casos e o das nove mil mortes. Ontem, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e o Sindicato dos Advogados de SP entraram na Justiça com ação contra o estado e a capital paulistas pedindo a suspensão do decreto que flexibiliza a quarentena.

No Paraná, um abatedouro registrou mais casos entre funcionários do que o total da cidade onde está localizado, Cianorte. A planta da Avenorte tem 93 casos. A cidade tem 90 confirmados (desses, 40 são funcionários do abatedouro). Mesmo assim, a prefeitura não fechou o frigorífico e foi um dos primeiros municípios paranaenses a reabrir o comércio. Segundo o governo municipal, apenas 30% da capacidade hospitalar está comprometida. 

No Mato Grosso, o governador Mauro Mendes (DEM) recebeu o diagnóstico de covid-19. O anúncio foi feito ontem pelas redes sociais.

DIA DE RETRATAÇÕES

Duas das mais renomadas revistas científicas do mundo publicaram ontem retratações retirando a validade de artigos publicados em meio à pandemia. O primeiro, publicado em The Lancet, era o grande estudo que mostrava risco aumentado de morte e arritimia para pacientes internados com covid-19 que usavam hidroxicloroquina ou cloroquina. O segundo, que saiu no New England Journal of Medicine, concluía que tomar determinados medicamentos para pressão arterial não aumentava o risco de morte para pacienetes com covid-19, contrariando pesquisas anteriores. Ambos foram escritos pelos mesmos autores.

Explicamos aqui por que os estudos foram contestado por centenas de cientistas. Havia problemas graves com o banco de dados usado, adminsitrado pela empresa Surgisphere. Após as críticas, seu proprietário (e co-autor dos artigos) havia anunciado que concordava com uma auditoria independente dos dados, mas depois não aceitou transferir a base usada.

“Não podemos nos esquecer nunca da responsabilidade que temos como pesquisadores de assegurar escrupulosamente que nos baseamos em fontes de dados que respeitam os mais elevados padrões de qualidade. Nós não podemos atestar a veracidade das fontes primárias dos dados em questão”, escrevem os demais autores na retratação publicada no Lancet. No NEJM eles foram no mesmo sentido: “Como todos os autores não tiveram acesso aos dados brutos e os dados brutos não puderam ser disponibilizados para um auditor externo, não podemos validar as fontes de dados principais subjacentes ao artigo”, escreveram. Mas a nota é assinada inclusive por Sapan Desai, dono da Surgisphere. É estranhíssimo porque, como nota o site da Science, sugere que que ele não tem acesso aos dados brutos gerados por sua própria empresa.

Só gostaríamos de ressaltar, mais uma vez, que as retratações não significam que hidroxicloroquina e cloroquina sejam eficazes no combate à covid-19. Outros estudos observacionais mostraram ineficácia e clínicos randomizados estão sendo feitos. Ontem mesmo divulgamos os resultados do primeiro deles, demonstrando que a hidroxicloroquina não funciona como prevenção em pessoas expostas ao vírus. Outros virão.

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