Sociedade civil e parlamentares querem exoneração de Sérgio Camargo e votação de PLs de combate ao genocídio negro

Representantes de organizações da sociedade civil e parlamentares estiveram reunidos na última sexta-feira (5) para debater as recentes afirmações do presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, bem como ações para o enfrentamento do racismo e o genocídio da juventude negra. Camargo chamou o movimento negro de “escória maldita, que abriga vagabundos”. Ele ainda falou contra Zumbi dos Palmares e a agenda da consciência negra.

por Pedro Calvi / CDHM

O presidente da Fundação já tem três processos na Justiça pedindo a exoneração dele. O grupo também debateu projetos de lei que combatem o assassinato de jovens pobres e negros. De acordo com a Organização Não Governamental Rio de Paz, por exemplo, entre 2007 e 2020, 68 crianças de zero a 14 anos foram mortas por bala perdida no Rio de Janeiro.

Érika Kokay (PT/DF), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, afirmou que “estamos vivenciando a lógica fascista promovida pelo governo federal e as balas que hoje estão nos corpos dos jovens negros são os grilhões do tempo da escravatura. Temos que denunciar Sergio Camargo ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos”, concluiu.

Cristina Almeida (PSB/AP), deputada estadual e presidente da Frente Parlamentar da Igualdade Racial da Assembleia Legislativa do Amapá, explica que a sociedade precisa compreender que as consequências do racismo são danosas tanto para os negros como para os não negros. “Só a educação pode combater essa situação. As diferenças precisam ser discutidas na sala de aula. Um presidente anacrônico na Fundação Palmares, fora do contexto, fora do senso comum. Ele tem que sair, ser exonerado. Enquanto negro, age como um Judas, um capitão do mato”.

“Entendemos que as declarações já extrapolaram a figura de Sergio Camargo. Essa é a postura do governo, já que não houve retratação. Devemos questionar diretamente o governo federal pelas declarações dele”, pede Leonardo Santana, da Rede Justiça Criminal.

“Infelizmente este ódio parece não ter cura. É lamentável que este tipo de fala parta de uma pessoa que está à frente de um órgão público que deveria estar a serviço da luta por representatividade para o Movimento Negro. Esta luta condenada pelo presidente da Fundação Palmares deveria ser prioridade entre as pautas desta organização. As declarações de Sérgio Camargo revelam bem o projeto do atual governo: negacionista, fascista, genocida, racista e anti-humanitário”, afirmou Padre João (PT/MG), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Para Iêda Leal de Souza, membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos e do Movimento Negro Unificado, “há muito tempo não temos nem justiça e nem paz. Denunciamos, entregamos evidências e depoimentos e a Justiça não consegue agir. Não dá pra viver num país em que somos a maioria da população, mas não vemos isso refletido no Congresso, por exemplo”. Quanto a Sergio Camargo, ela o acusa de improbidade. “Ele é a tradução do que o racismo pode fazer com a mente das pessoas. É vergonhoso, um filho que desonra seus ancestrais, a Justiça deve acatar imediatamente o pedido da Defensoria Pública da União para afastá-lo do cargo”.

“A atuação desse presidente da Fundação conflita com a atuação da instituição. Ele não se dá conta que está na posição que está, por causa da luta do movimento negro. E nosso farol deve ser o Estatuto da Igualdade Racial em vigor desde 2010”, disse Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos. Ela sugeriu uma campanha para derrubar a Emenda Constitucional 95 que reduziu recursos para o combate à pobreza e para outras ações sociais.

Já Bira do Pindaré (PSB/MA), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, afirma que “o presidente da Fundação Palmares é a tradução de um sentimento mesquinho, da perpetuação da relação entre a casa grande e a senzala, ele é o maior representante disso no Brasil. Um capitão do mato que ataca a memória de toda luta dos negros brasileiros. A Justiça precisa de uma posição definitiva, ele é uma afronta, um atentado a todos os negros e negras”.

Projetos de lei prontos para votação

O Projeto de Lei 4471/2012, de Paulo Teixeira (PT/SP), Fábio Trad (PSD/MS) e do ex-deputado Delegado Protógenes (PcdoB/SP), trata do fim dos “autos de resistência”. O projeto estabelece os procedimentos de perícia, exame de corpo de delito e outras ações nos casos em que o emprego da força resultar em morte ou lesão corporal. Hoje os “autos de resistência” funcionam em casos como quando um policial mata um suposto “suspeito”, alega legítima defesa e que houve resistência à prisão. A ocorrência é registrada como “auto de resistência” e as testemunhas são os próprios policiais que participavam da ação. Um exemplo, é a letalidade policial no estado do Rio de Janeiro. De acordo com reportagem do site de notícias G1, com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP), a Polícia Militar fluminense matou 434 pessoas em confronto no primeiro trimestre de 2019, uma média de sete óbitos por dia. Hoje, no estado, os “autos de resistência” são chamados de mortes por intervenção policial.

Paulo Teixeira (PT/SP) pondera que “o projeto 4471 consiste num mecanismo de punição para o policial que matar uma pessoa. São verdadeiras execuções, tiros pelas costas e na nuca. Foram 6 mil vítimas da violência policial no Brasil em 2019. Uma violência que vem embrulhada pelos autos de resistência”. Ele afirmou também que “derrubar o presidente da Fundação Palmares é uma prioridade, ele desonra o lugar onde está”.

O Projeto de Lei 9796 de 2018, oriundo de CPI do Assassinato de Jovens do Senado Federal, cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, com duração de dez anos. As metas são a redução dos homicídios, da letalidade e vitimização policial, o aumento da elucidação dos homicídios e a implementação de políticas em áreas de alta vulnerabilidade. Esse Projeto traz apensado o Projeto de Lei 2438 de 2015, da CPI da Câmara que apurou as causas, razões, consequências, custos sociais e econômicos da violência, morte e desaparecimento de jovens negros e pobres no Brasil. Segundo o Monitor da Violência, Anuário Brasileiro de Segurança Pública e Atlas da Violência, em 2017, ocorreram em todo país mais de 63 mil mortes violentas intencionais, das quais 75,5% das vítimas eram pessoas negras.

Silvia Souza, do Educafro e da Coalizão Negra por Direitos lembra que, no ano passado, a sociedade civil teve êxito na tramitação do “pacote” do então ministro da Justiça, Sérgio Moro, e conseguiram mudanças na proposta original. “Mas hoje o cenário é de restrição por causa da pandemia e isso nos preocupa, como vamos nos articular. Sabemos o perfil conservador da maior parte da Câmara”.

“Temos que reforçar a participação da sociedade no parlamento. Hoje vivemos uma limitação muito grande. Existe ainda o Projeto de Lei 7479 de 2014, que torna compulsórias a notificação de tortura e perícias sempre que houver crime ou contravenção penal. O projeto também configura como crime a alteração da cena do crime e prevê peritos em todo o Brasil e não mais uma polícia com poder absoluto”. Maria do Rosário sugeriu também a revogação das portarias chamadas de “autorização para matar”.

Para a representante do Movimento de Mães de Maio e Familiares das Vítimas do Terrorismo do Estado, é preciso “reforçar a importância de recuperar a memória das atrocidades que já vivemos. Esses projetos de lei são fundamentais, mas não podemos negligenciar o que já aconteceu, como nos massacres de 2006 em São Paulo, onde meu irmão morreu. Na periferia de São Paulo, isso acontece a toda hora. Não suportamos mais esse genocídio. Vivemos uma ditadura inconclusa e um Estado escravocrata que permanece”. No dia 12 de maio de 2006, presídios de São Paulo registraram dezenas de rebeliões. Um dia antes, a Secretaria de Administração Penitenciária havia decidido transferir 765 presos para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau, unidade de segurança máxima no interior paulista. A onda de ataques, promovida por agentes do Estado e integrantes do PCC, deixou 564 mortos e 110 feridos entre os dias 12 e 21 de maio.

Carlos Veras (PT/PE), destaca que “precisamos dialogar na Câmara para que esses projetos sejam aprovados. Temos que parar com esses ataques racistas, que são também ataques à democracia. Vivemos um governo que incentiva o ódio e a intolerância contra os povos tradicionais”.

“A violência contra os negros é histórica no Brasil. Sem justiça não haverá paz, um lema muito citado nos Estados Unidos e que também vale para nós. No Rio de Janeiro, só este ano, morreram mais de 160 pessoas em operações policiais. A democracia do Brasil está em jogo”, afirma David Miranda (PSOL/RJ).

Para Frei Anastácio (PT/PB) “precisamos ter instrumentos concretos para o enfrentamento dessa realidade, os projetos de lei são importantes e devemos nos organizar no Congresso para aprová-los”.

Maria Clara D´Avila, da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e da Coalizão Negra por Direitos, ressalta que a maioria das prisões de jovens e negros está ligada às drogas. “E isso é uma política do Estado, inserida na naturalização das mortes e nas expressões como marginais, criminosos, que ficou no imaginário da população e isso legitima essa violência. As propostas de aumentar o encarceramento, o tempo das penas, e a redução da maioridade penal, por exemplo, fortalecem o genocídio negro”.

“Precisamos do engajamento dos parlamentares para aprovar pautas que ajudem a causa do combate ao racismo. Isso significa a preservação de diversas vidas”, alerta Lula Rocha, coordenador do Círculo Palmarino, de Vitória (ES).

Camilo Capiberibe (PSB/AP), 3º Vice-Presidente da CDHM, lembra que também está em tramitação na Câmara um projeto de lei que prevê um percentual dos fundos partidários para a população afrodescendente. “Os olhos do mundo inteiro estão voltados para a violência contra a população negra”, destaca.

“Há 132 anos não éramos considerados humanos no Brasil e hoje somos considerados de uma humanidade menor, daí a violência policial, obstétrica, uma violência sistêmica”, considera Gustavo Forde, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador de relações étnico-raciais.

Caso do menino Miguel

O menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morreu depois de cair do 9º andar de um prédio no Centro de Recife, na última terça-feira (2). Ele tinha sido deixado pela mãe, que era doméstica, aos cuidados da patroa, Sari Corte Real, para passear com o cachorro da patroa na parte de baixo do prédio. A patroa, que havia deixado o menino sozinho no elevador, foi presa por homicídio culposo e solta após pagar fiança de 20 mil reais.

Túlio Gadêlha (PDT/PE) e também vice-presidente da CDHM, avaliou que “o caso do menino Miguel reflete a desigualdade social que existe no Brasil há séculos. A empregada esperava que a patroa cuidasse do filho dela assim como ela cuidou dos filhos da patroa. A falta de respeito e de paciência, o desprezo com os outros, principalmente com os de raça e classe social diferente fica evidente”.

Resistência

Helder Salomão (PT/ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara do Deputados (CDHM), que chamou a reunião, concluiu afirmando que “já conversamos com deputados da oposição sobre esses projetos de lei e proponho a criação de uma força tarefa para discuti-los. Temos um governo misógino, racista e homofóbico. Também vamos lutar pela revogação da Emenda 95. O ambiente político é difícil, mas continuamos na resistência”.

O grupo encaminhará um pedido de reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), para apresentar as sugestões levantadas no encontro.

Foto: Fernando Bola

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