Famílias indígenas na TI Vale do Javari saem remando para o meio do mato, em fuga da pandemia

Um líder da comunidade Nova Esperança conta que agentes de saúde do governo, possíveis transmissores da Covid-19, não podem mais entrar; de 23 famílias da etnia Mayoruna, 20 foram se isolar no meio da floresta, sem remédios, somente com macaxeira e banana

Por Maria Fernanda Ribeiro, em De Olho no Genocídio

A comunidade Nova Esperança, na Terra Indígena Vale do Javari, está vazia após a confirmação de quatro agentes de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) contaminados pelo coronavírus dentro do território. Das 23 famílias da etnia Matsés (Mayoruna) que vivem no local, 20 delas foram se isolar no meio da floresta por medo de contágio.

O Vale do Javari, no oeste do Amazonas, é considerado a maior região de indígenas isolados do mundo.

Segundo o líder Edmilson Mayoruna, não há remédios, testes ou profissionais de saúde disponíveis caso a pandemia se alastre. “Estamos muito preocupados porque não temos medicamentos e ainda não conseguimos descobrir nossos próprios remédios para salvar o nosso povo”, diz Edmilson.

Na semana passada, uma nova equipe do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) foi proibida de entrar na comunidade.

Edmilson entrou em contato com a reportagem do De Olho nos Ruralistas por meio de um orelhão na aldeia. Ele afirmou que a saída das famílias para o meio da floresta também é motivo de preocupação:

— Não tem combustível, então eles tiveram que ir remando. Também não tem munição para caçar ou malhadeira para pescar. Também não temos remédios para acidentes com cobras e escorpião. Tem o pão de todo dia, que é macaxeira e banana. Mas não sabemos como eles vão se virar.

ASSOCIAÇÕES REBATEM INFORMAÇÕES DA SESAI

A Nova Esperança está na confluência dos Rios Curuçá e Pardo. A viagem até Atalaia do Norte, cidade mais próxima e porta de entrada do território, pode durar até dez dias de viagem, a depender da potência do motor do barco. Segundo o último boletim epidemiológico da Prefeitura, dos 159 casos confirmados no município, 18 são de indígenas.

Em nota divulgada no dia 4 de junho, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informou que os profissionais que testaram positivo passaram por uma “rígida” quarentena antes de entrarem no território e informou que existe a possibilidade de eles terem sido contaminados após um pescador com sintomas ter acessado a região. E também por ter havido permuta entre indígenas e não-indígenas brasileiros e peruanos, no perímetro do Polo Base na região do Médio Javari.

Em documento enviado ao Ministério Público Federal (MPF), as associações Kanamari Vale do Javari (Akajava) e Matsés do Alto Jaquirana (Amaja) informam que a informação divulgada pela Sesai é inverídica. De acordo com os relatos, o único contato com não-indígenas se deu no porto da aldeia quando o enfermeiro recebeu (sem a presença de indígenas) um cacho de bananas.

“Estão inventando essa história do Peru”, afirma o líder Mayoruna. “Quem trouxe a doença foi a equipe de saúde. A gente já tinha pedido que não trocasse a equipe de profissionais no meio da pandemia porque é muito arriscado, mas ninguém nos ouviu”.

De acordo com a Sesai, um enfermeiro e dois técnicos de enfermagem, que atuavam no Polo Base Médio Javari, acessaram a área indígena no dia 29 de abril e o agente de combate a endemias acessou a área em 22 de maio. Eles foram removidos após a testagem e os indígenas proibiram a entrada de uma nova equipe.

Na região do Médio Javari moram as famílias do povo Kanamari, 370 pessoas divididas em cinco aldeias; do povo Matsés, com 489 pessoas distribuídas em  três aldeias; e do povo Kulina, com 175 indivíduos distribuídos em duas aldeias. Além dessas comunidades, vivem também grupos de indígenas de recente contato como os Korubo, Tsohum Djapá, e dezenas de indígenas isolados sob risco de contaminação.

SISTEMAS DE SAÚDE NO AMAZONAS ESTÃO COLAPSADOS

No documento enviado ao Ministério Público Federal, além de pedirem que os casos de contaminação sejam investigados, as associações alertam ainda para a alta probabilidade de contaminação nas comunidades e pedem testes e equipamentos adequados para evitar a remoção para cidades como Tabatinga e Manaus, que já estão com seus sistema de saúde colapsados.

A recomendação do MPF enviada para a Sesai no domingo (07) é que a quarentena dos profissionais de saúde seja feito já em área apropriada dentro do território indígena para evitar a circulação pela cidade, apontada pelos indígenas como um dos principais problemas:

— Nós questionamos se a quarentena na cidade seja efetiva porque nenhum motorista cumpre. Durante o período de isolamento ficam transitando pelas cidades de Atalaia do Norte e também pelos municípios próximos, onde o fluxo de contágio da pandemia já se tornou comunitário e muitos deles acabam descumprindo os protocolos estabelecidos.

Foto principal (Mário Vilela/Funai): ilustrativa; povo Korubo remando para base do Rio Ituí, no Vale do Javari

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