Organizações se unem pelo arquivamento de projeto que ameaça terras indígenas em Mato Grosso

Mais de 20 organizações assinaram nota de repúdio ao Projeto de Lei Complementar que ameaça terras indígenas

Por Beatriz Ramos/OPAN e Júlia de Freitas/ICV, no Cimi

Entidades indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos decidiram se unir em um movimento de repúdio ao avanço do Projeto de Lei Complementar nº17/2020, de autoria do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM). O PL viola direitos constitucionais dos povos indígenas e coloca em risco a proteção do meio ambiente. Mais de 20 organizações sociais já assinaram o documento, que deve pressionar a decisão dos parlamentares.

O PLC autoriza o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de propriedades em sobreposição a terras indígenas no estado e deve ir a plenário na Assembleia Legislativa do estado, nesta quarta-feira (17). Se aprovado o PL poderá ameaçar diretamente 27 áreas delimitadas, declaradas ou em estudo pela Fundação Nacional do Índio (Funai), provocando aumento de conflitos, violências e invasões de Terras Indígenas (TIs).

Articulado com a já suspensa Instrução Normativa nº9/2020 da Funai, o PLC 17/2020 deverá impactar 116 territórios indígenas em todas as fases de regularização, uma vez que abre brechas, inclusive, para a validação de CAR em territórios já regularizados e homologados.

Uma nota técnica elaborada em conjunto pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Instituto Centro de Vida (ICV), Operação Amazônia Nativa (OPAN) e International Rivers apontou que os beneficiados pela medida, em sua maioria, serão grandes imóveis rurais. A nota pode ser acessada aqui.

Na visão de Herman Oliveira, secretário do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), uma das entidades signatárias do manifesto de repúdio, a discussão do Projeto de Lei abre precedência para o agravamento de conflitos.

“As situações de conflitos são pré-existentes e elas já vinham em uma tendência de agravamento e agora a violência está se legitimando. O mero fato de você colocar isso em discussão faz com que a violência seja legitimada e tenha respaldo. É uma lei de interesse politiqueiro, não tem benefício econômico, social nem ecológico, vai nos levar para insegurança jurídica, aumento dos conflitos e dos passivos ambientais”, avalia Oliveira.

O projeto tramita desde abril deste ano e já traz impactos negativos para os povos indígenas de Mato Grosso, que vêm convivendo com ameaças e invasões de terras em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Esse é o caso do povo Chiquitano da Terra Indígena (TI) Portal do Encantado. Em função disso, os caciques da aldeia enviaram uma denúncia ao Ministério Público no início do mês de junho. Uma liderança que preferiu não se identificar diz que a falta de segurança é crescente.

“Aqui é área de fronteira, as ameaças não são de hoje, já tem muito tempo e com o governo que nós temos hoje é mais complicado. O governo vai dando poder para quem tem dinheiro, nós como somos indígenas e cuidamos da natureza, mas não temos mais direitos.

A falta de segurança já vêm por causa da pandemia agora do governo de Mato Grosso que não apoia a nossa causa. Eles querem que tudo seja desmatado. Nós não temos mais segurança nenhuma”, lamenta o indígena.

Na fronteira com a Bolívia, a área onde ficam os Chiquitanos está localizada na divisa dos municípios de Pontes e Lacerda, Porto Esperidião e Vila Bela da Santíssima Trindade. São pelo menos 12 imóveis cadastrados sobrepostos a TI Portal Encantado, sendo três deles com 100% de área sobreposta, de acordo com informações do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, de 2019. Essa é uma área declarada dentro do processo de demarcação. Os indígenas reivindicam 43 mil hectares próximo à Fazenda Tarumã. Por conta disso, recebem constantemente ameaças de funcionários da fazenda e de invasores, como relata a liderança em anonimato.

“Nós fechamos nosso território com cadeado no dia seis, comunicamos o Exército e colocamos uma placa de aviso sobre a pandemia na entrada da aldeia. No dia sete de manhã, um invasor que nos ameaça há meses estourou o cadeado. Aí nós fechamos de novo. Por volta das cinco da tarde, o gerente da Fazenda Tarumã veio nos ameaçar. Ele entrou por dentro do mato falando que a gente não podia fechar porque o território não era nosso. Ele disse que era dono e que iria cercar a terra. Também falou que não tinha medo de nós porque a terra era dele e podia colocar máquinas”, denuncia a liderança.

O manifesto explicita que o projeto caminha em sentido contrário ao estabelecido em compromissos internacionais no âmbito da estratégia Produzir Conservar e Incluir (PCI) e do Programa Redd+ for Early Movers (REM). Herman Oliveira afirma que o descumprimento pode ameaçar o fluxo de recursos atuais e diversas metas que o estado de Mato Grosso se comprometeu em respeitar até 2030.

“É uma maneira muito superficial e irresponsável de condução do Estado porque os grupos sociais envolvidos que são os indígenas têm uma quantidade expressiva de ativo ambiental, o que tem proporcionado a manutenção do próprio programa, que também tem recursos destinados ao Estado. Se os níveis de desmatamento e queimada subirem, o contrato é suspenso, isso está previsto e os maiores prejudicados são esses povos que fazem essa proteção territorial, ecossistêmica e climática e outros serviços ambientais”, argumenta Herman.

O manifesto pede o arquivamento imediato do projeto também por ferir o direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, uma vez que o projeto não foi discutido com populações indígenas, e acrescenta que a medida “viola diretamente os direitos constitucionais dos povos indígenas assegurados no artigo 231 da Constituição Federal, as leis e a jurisprudência consolidada sobre o tema.”

Leia abaixo o manifesto elaborado em conjunto pelas 21 entidades ou acesse o documento em pdf:

NOTA PÚBLICA

PELO ARQUIVAMENTO DO PLC 17/2020 EM MATO GROSSO

O Projeto de Lei Complementar nº17/2020, de autoria do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), segue em tramitação na Assembleia Legislativa do estado e deve voltar à pauta na próxima quarta-feira (17). O PL autoriza o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de propriedades em sobreposição a terras indígenas no estado, ameaçando diretamente 27 áreas delimitadas, declaradas ou em estudo pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Se aprovada, a medida poderá provocar o aumento de conflitos, violências e invasões.

Articulado com a já suspensa Instrução Normativa nº9/2020 da Funai, o PLC 17/2020 deverá impactar 116 territórios indígenas em todas as fases de regularização, uma vez que abre brechas, inclusive, para a validação de CAR em territórios já regularizados e homologados.

Apesar de ainda não aprovado, o projeto que tramita desde abril deste ano já traz impactos negativos para os povos indígenas de Mato Grosso, que vêm convivendo com ameaças de invasões de terras em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Esse é o caso do povo Chiquitano da Terra Indígena (TI) Portal do Encantado. Na fronteira com a Bolívia, a área está localizada na divisa dos municípios de Pontes e Lacerda, Porto Esperidião e Vila Bela da Santíssima Trindade. São pelo menos 12 imóveis cadastrados sobrepostos a TI Portal Encantado, sendo três deles com 100% de área sobreposta, de acordo com informações do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, de 2019. Essa é uma área declara dentro do processo de demarcação. Os indígenas reivindicam 43 mil hectares próximo à Fazenda Tarumã. Por conta disso, recebem constantemente ameaças de funcionários da fazenda e de invasores.

Uma liderança que preferiu não se identificar explica que ameaças ocorreram no início do mês de junho, quando os indígenas resolveram fechar a aldeia com cadeados como uma forma de garantir o isolamento social e se protegerem da Covid-19. Segundo ele, após o fechamento da aldeia, um ex-militar do Exército estourou o cadeado, e, posteriormente, um funcionário da fazenda Tarumã invadiu a aldeia de forma agressiva.

“Nós fechamos nosso território com cadeado no dia seis, comunicamos o Exército e colocamos uma placa de aviso sobre a pandemia na entrada da aldeia. No dia sete de manhã, um invasor que nos ameaça há meses estourou o cadeado. Aí nós fechamos de novo. Por volta das cinco da tarde, o gerente da Fazenda Tarumã veio nos ameaçar. Ele entrou por dentro do mato e chegou falando que a gente não podia fechar porque o território não era nosso. Ele disse que era dono e que iria cercar a terra. Também falou que não tinha medo de nós porque a terra era dele e podia colocar máquinas”, denuncia a liderança.

O PLC 17/2020 tem estimulado outras práticas ilegais como a invasão de garimpeiros, a pesca predatória e o desmatamento nas terras indígenas de Mato Grosso. A região noroeste do estado, no município de Brasnorte, onde ficam áreas Manoki e Menkü, também tem cadastros sobrepostos.

Pelos motivos acima elencados e também por ferir o direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, uma vez que o projeto não foi discutido com populações indígenas, por flexibilizar ainda mais o licenciamento ambiental no estado e por caminhar em sentido contrário ao estabelecido em compromissos internacionais no âmbito da estratégia Produzir Conservar e Incluir (PCI) e do Programa Redd+ for Early Movers (REM), nós, das organizações abaixo assinadas, exigimos o imediato arquivamento do PLC17/2020 na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Ele viola diretamente os direitos constitucionais dos povos indígenas assegurados no artigo 231 da Constituição Federal, as leis e a jurisprudência consolidada sobre o tema.

Acesse a nota técnica elaborada em conjunto pela OPAN, ICV, Fepoimt e International Rivers.

Cuiabá, MT, 15 de junho de 2020

Associação de Pesquisa Xaraiés – Associação Xaraiés
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennes – CDHDMB
Centro de Tecnologia Alternativa – CTA
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE/MT
Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso – Fepoimt
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD
Fórum Nacional da Sociedade Civil para Comitês de Bacia Hidrográfica – FONASC-CBH/MT
Grupo Arareau de Pesquisa e Educação Ambiental
Grupo Semente de Chapada dos Guimarães
Instituto Caracol – ICaracol
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto Gaia de Pesquisa e Educação Ambiental – Instituto Gaia
Movimento de Atingidos por Barragem – MAB/MT
Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra – MST/MT
Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador – NEAST/ISC/UFMT
Operação Amazônia Nativa – OPAN
Pacto das Águas
Prelazia de São Félix do Araguaia

Imagem: ATL 2018. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

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