Terra Indígena Yanomami é a área protegida mais pressionada da Amazônia

Por: Duda Menegassi, em O Eco / Amazônia Real

O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou nesta segunda-feira (22) o boletim das áreas protegidas mais ameaçadas e pressionadas da Amazônia. O levantamento considera unidades de conservação e Terras Indígenas, territórios que possuem proteção ambiental legal e que, pelo menos na teoria, deveriam ser barreiras contra o desmatamento ilegal. O boletim considera os meses de fevereiro, março e abril de 2020. Neste período, a Terra Indígena Yanomami, na fronteira entre Roraima e Amazonas, foi a mais pressionada, e registrou 72 ocorrências de desmatamento e um total de 4,4 km² de área desmatada, de acordo com o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, o equivalente a 440 campos de futebol e a cerca de 4,5% de todo o território indígena. Entre as mais ameaçadas, a Área de Proteção Ambiental do Tapajós, no Pará, lidera a lista.

A Terra Indígena (TI) Yanomami ocupa uma área de 9.665 hectares (96,65 km²) habitada pelos povos Yanomami e Ye’kwana e os Isolados da Serra da Estrutura, Isolados do Amajari, Isolados do Auaris/Fronteira, Isolados do Baixo Rio Cauaburis, Isolados Parawa u, Isolados Surucucu/Kataroa. O levantamento do Imazon divide o território em células de 10 km x 10 km e a contagem leva em conta o número de células dentro da área protegida que registraram ocorrências de desmatamento, de acordo com os dados de monitoramento do SAD, e não a extensão da área desmatada.

“A TI Yanomami é a mais pressionada entre todas as áreas protegidas do Brasil. E além dessa situação do garimpo e da grilagem, temos visto esse avanço da Covid-19 dentro dessa Terra Indígena, o que gera uma preocupação pela vulnerabilidade dessa população também, porque onde está ocorrendo mais desmatamento significa que está havendo maior contato externo com essas populações e, consequentemente, uma maior transmissão da doença”, alerta um dos autores do estudo e pesquisador do Imazon, Antônio Fonseca.

Para dimensionar o fator ameaça, o boletim leva em conta as ocorrências de desmatamento no entorno – e não dentro – das áreas protegidas. A Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós foi a infeliz líder da categoria, com 24 células com registro de desmatamento em sua vizinhança. A unidade de conservação também aparece em 4º lugar na lista das áreas protegidas mais pressionadas, com 51 ocorrências de desmatamento.

Gráfico com as dez áreas protegidas com mais pressão. Fonte: Imazon

A APA está localizada no sudoeste do Pará, no que pode ser classificado como um dos epicentros do desmatamento na Amazônia de acordo com os dados de sistemas de monitoramento. Próximas estão outras áreas ameaçadas e pressionadas: as Florestas Nacionais do Jamanxim, do Amanã, de Altamira e do Crepori; o Parque Nacional do Jamanxim; a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo; e a Terra Indígena Mundurucu (habitada pelos povos Apiaká, Isolados do Alto Tapajós e Munduruku).

Também no sul Pará, está a Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual Triunfo do Xingu, que ocupa o segundo lugar no ranking das áreas protegidas que sofrem maior pressão. Foram contabilizadas 56 células com ocorrências de desmatamento na APA, que somou 63 km² de área desmatada no trimestre (fevereiro a abril), de acordo com o SAD.

“ O caso é crítico no sudoeste do Pará, onde estão as APAs do Tapajós e do Triunfo do Xingu. O que a gente observa, principalmente na APA Triunfo do Xingu é que saiu do controle mesmo. O SAD identificou 1.200 hectares (12 km²) desmatados de um mês para o outro. O fato de ser uma unidade de conservação com um nível de exigência menor acaba contribuindo, mas a APA do Xingu é o exemplo de uma área protegida em que saiu do controle o desmatamento, ela está nesse ranking dos que mais desmatam há anos e tem pouca ação efetiva de fiscalização e controle”, analisa o pesquisador do Imazon.

Uma Área de Proteção Ambiental pertence ao grupo de unidades de conservação (UCs) de uso sustentável e pode ser considerada a categoria mais permissiva entre elas. “Você tem a opção de ter usos de forma sustentável, mas o padrão dentro dessas áreas protegidas não está dentro desse uso sustentável, de subsistência. A gente cruza os dados desse monitoramento com o CAR [Cadastro Ambiental Rural] e percebe que são propriedades que não respeitam a Reserva Legal, e não há ações efetivas de multas ou embargos dessa propriedades”, pondera.

A fragilidade do grupo das unidades de conservação de uso sustentável fica ainda mais evidente ao analisar a lista das 10 unidades de conservação mais pressionadas. No ranking das Ucs federais, aparecem apenas duas de proteção integral: o Parque Nacional Jamanxim, vizinha à Floresta Nacional de mesmo nome, e a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no extremo sul do Pará, próximo com a fronteira com Mato Grosso. No ranking das Ucs com maior pressão em âmbito estadual, todas são de uso sustentável, entre APAs, Florestas e Reservas Extrativistas.

Antônio explica que a iniciativa de produzir um relatório sobre o status de ameaça e pressão das áreas protegidas começou em 2018, quando os pesquisadores do Imazon começaram a perceber o avanço – ainda que pequeno – do desmatamento nestas áreas, em tese protegidas por lei. “Nós decidimos ter esse olhar mais específico para mostrar que o desmatamento está ocorrendo mesmo dentro dessas áreas legalmente protegidas que tem como objetivo a conservação ambiental e que são territórios importantes para conservar a biodiversidade da região. Com esse estudo, queremos chamar atenção tanto da sociedade quanto dos órgãos fiscalizadores e responsáveis para fazer esse acompanhamento contínuo de como esses territórios estão sendo preservados ou, nesse caso, sendo atacados, principalmente pelas ações de quadrilhas e grileiros que estão tentando garantir uma posse dentro dessas áreas protegidas”, conta.

“Há essa expectativa de quem está no campo, que promove esse desmatamento ilegal, de que essas áreas protegidas possam sofrer flexibilização: ou a alteração nos limites ou a recategorização que permita algum tipo de uso. Essa expectativa tem levado a esse movimento crescente, que não é de agora, e a ocupação desse território a partir do desmatamento”, completa o pesquisador.

De acordo com os dados de monitoramento do SAD, sobre o mês de maio de 2020, apenas 1% de todo desmatamento registrado havia ocorrido em Terras Indígenas. Dentro de Unidades de Conservação esse número foi maior e correspondeu a 22% do total desmatado no mês, o equivalente a 142,8 km².

Apesar do aumento do desmatamento dentro de Terras Indígenas e Unidades de Conservação, elas ainda correspondem à categoria fundiária com os menores índices de desmatamento. “Mesmo com esse movimento de intensificação do desmatamento dentro das áreas protegidas, elas continuam sendo o tipo de área fundiária onde o desmatamento é menor, comparado com assentamentos e áreas privadas. Então elas ainda funcionam, mas estão sob uma pressão cada vez maior nos últimos anos”, alerta Antônio.

Gráfico das 10 áreas protegidas mais ameaçadas. Fonte: Imazon

Segundo ele, o que precisa ser feito é puramente fiscalização. “Nós já temos o monitoramento, tanto o SAD quanto o DETER [feito pelo Inpe], que informam e fazem esse mapeamento do desmatamento. Os órgãos responsáveis pela conservação ambiental estão cientes dos desmatamentos o que falta é ação para atacar nessas áreas. É preciso ter uma ação de fiscalização efetiva e permanente, o Estado precisa estar presente e mostrar que não há impunidade, e crimes ambientais como o desmatamento ilegal serão punidos”.

“O cenário está se intensificando e o diagnóstico não tem sido suficiente, nós temos uma visão clara das áreas protegidas que mais sofrem com desmatamento e das que mais ameaçadas, onde pode haver desmatamento em breve, mas essas informações não estão sendo utilizadas de forma a conter o desmatamento nessas áreas protegidas”, conclui o pesquisador do Imazon.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Apyterewa, uma das Terras Indígenas mais pressionadas segundo boletim do Imazon. Foto: Polícia Federal/Divulgação

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