Tocaia da Vale contra posseiros no Pará teve bala de borracha e perseguição com drones

Seguranças da multinacional Prosegur, que presta serviços à mineradora, esperaram o amanhecer, no domingo, para atacar mulheres, crianças e idosos do Acampamento Lagoa Nova Carajás, em Parauapebas (PA); eles tentavam instalar energia elétrica

Por Yago Sales, em De Olho nos Ruralistas

Vivian Oliveira, 39 anos, perdeu a consciência quando caiu ao ouvir os primeiros disparos de balas de borracha na noite de domingo (21) quando seguranças da empresa Prosegur, que presta serviços à mineradora Vale, com rostos encobertos e sem a identificação na farda, atiravam contra um grupo de camponeses do Acampamento Lagoa Nova Carajás, no município de Parauapebas (PA). Na tentativa de fugir, ela se jogou em um matagal, onde bateu a cabeça.  Ela se lembra apenas — “tenho tumor no cérebro” — de gritos de crianças e idosos pedindo socorro enquanto três drones perseguiam quem fugisse. Caídos, agricultores eram chutados e agredidos com o cano das armas.

Debaixo de xingamentos de “vagabundos”, “bandidos” e “ratos”, um agricultor foi atingido dezesseis vezes nas costas, nuca e cabeça. Na ação de terror, ao menos vinte pessoas ficaram feridas. Coordenadora estadual da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Pará (Fetraf-PA), Vivian lida há cinco anos com os conflitos entre as 248 famílias do acampamento e a Vale, que reivindica a área da Fazenda Lagoa.

O grupo de camponeses, com idosos e crianças, tentava fazer uma ligação de energia elétrica para o acampamento durante todo o domingo. Por meio de cartazes, eles pediam também que a empresa de segurança — a Prosegur é uma multinacional espanhola — parasse de espioná-los com drones. “A gente dialogava com a Polícia Militar e os seguranças, que de vez em quando fotografavam a gente”, conta Vivian. “Eu me senti intimidada e me afastava”.

Ela relata que, quando escureceu, os seguranças deixaram as caminhonetes na sede da empresa, que fica bem perto, e apareceram. “Eram uns 80”, acredita ela. “Ou eram 100”, diz outro posseiro.

SEGURANÇAS DESACATARAM POLICIAIS E FORAM BEM TRATADOS

Psicologicamente abalado, um idoso de 68 anos atingido pelas balas de borracha não tem audição desde o ataque. E relata o que viu:

— Agora estamos todos com medo. A gente via no olhar deles. Mas a gente não pensavam que iam esperar ficar de noite para pegar todo mundo de tocaia. E foi o que fizeram. Vieram pelos fundos, cercando, atirando, gritando. E os drones iam atrás de todo mundo que fugia.

Quando retomou a consciência, a gritaria deu lugar a murmúrios e pedido de ajuda. Quem foi atingido nas pernas rastejava, em busca de um lugar seguro. Crianças se perderam dos pais e encontravam abrigo em conhecidos, igualmente atordoados. Acionados por um agricultor que mais distante do ataque, uma equipe de policiais militares chegou ao local.

“Eles foram desacatados pelos seguranças, mas ninguém foi preso”, relata o camponês. “Quando chegamos na delegacia, uma equipe de advogados aguardava os seguranças, que foram bem tratados. Eles mentiram, dizendo que a gente que tinha atirado com arma. No momento, os trabalhadores não tinham nem machado, nem facão Tramontina. Nada”, contesta.

VALE DIZ QUE AGIU POR CAUSA DE ENERGIA CLANDESTINA

Em nota à imprensa, a Vale justifica a ação. Segundo a empresa, “a equipe de segurança foi recebida a a tiros de arma de fogo por um grupo de aproximadamente quarenta pessoas que ocupam irregularmente área de propriedade da empresa denominada Fazenda Lagoa”.

Vivian contesta: “Apenas nós ficamos feridos. Nenhum segurança foi atingido. Nenhum carro danificado”.

Ela confirma que os posseiros foram puxar energia. “A gente está buscando qualidade de vida. Até hoje não foi dado o direito de ter energia. Energia melhora a nossa produtividade também”.

Veja, na íntegra, a nota da Vale:

A Vale informa que no domingo, 21/6/20, a sua equipe de segurança foi recebida a tiros de arma de fogo por um grupo de aproximadamente 40 pessoas que ocupam irregularmente área de propriedade da empresa denominada Fazenda Lagoa, no município de Parauapebas. O registro está no boletim de ocorrência número 0071/2020.103382-8, registrado na Polícia Civil de Parauapebas nesta segunda-feira, 22 de junho. A segurança da empresa foi chamada depois que o grupo invadiu área da empresa e tentou instalar postes para ligação clandestina de energia elétrica no local. Após várias horas de diálogo na tentativa de convencer o grupo a paralisar a ação ilegal, os seguranças iniciaram a operação de desforço imediato utilizando os meios necessários não letais e em legítima defesa. A Polícia Militar e os bombeiros foram imediatamente acionados para controlar a situação e prestar o atendimento médico. A Vale acompanha o caso e aguardará a conclusão das investigações pelas autoridades, a quem compete a apuração dos fatos.

A Vale vem mantendo diálogo com a comunidade l, que desde 2015 ocupa a Fazenda Lagoa l, de propriedade da empresa. A área integra processo de reintegração de posse com decisão judicial favorável à Vale, determinando que os invasores deixem o imóvel. Com a nova ação realizada, o movimento descumpre também acordo firmado com a interveniência do Incra, de não promover invasões.

Desde abril, a empresa se reúne com o grupo de invasores para alertá-los de que invasão de propriedade privada, bem como instalação clandestina de energia são crimes, além de apresentarem alto risco de saúde e segurança para os membros da comunidade, como choque de alta voltagem e risco de incêndio.

Vivian diz que a Vale será processada por danos morais.

Imagem principal (Reprodução/Facebook): idosa atingida pelos seguranças

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