Os condenados pela Covid-19: uma análise fanoniana das expressões coloniais do genocídio negro no Brasil contemporâneo

Por Deivison M. Faustino*, no Buala

Escrito no contexto de celebração dos 95 anos de Frantz Fanon (n. 20/7/25), discuto neste artigo as suas contribuições para a compreensão das relações sociais e econômicas nas sociedades que se estruturaram a partir da colonização. Proponho uma análise fanoniana das relações dialéticas entre capitalismo, colonialismo e racismo, subjacentes à conjuntura política e sanitária brasileira. Em um primeiro momento, tomo a noção de violência colonial presente em Os Condenados da terra, como referência para problematizar as respostas brasileiras à pandemia de Covid-19. Posteriormente, retomo alguns aspectos históricos e sociológicos que elucidem a via colonial de entificação do capitalismo no Brasil e as suas influências para a conjuntura atual. Ao final, argumento pela atualidade do pensamento fanoniano para o desvelamento das relações entre  o racismo e o atual estágio de acumulação capitalista na periferia global. 

Introdução 

O mundo colonizado é um mundo cortado em dois. A linha de corte, a fronteira, é indicada pelas casernas e pelos postos policiais. Nos países capitalistas, entre o explorado e o poder interpõe-se uma multidão de professores de moral, de conselheiros, de “desorientadores”. Nas regiões coloniais, em contrapartida, […] o intermediário do poder utiliza uma linguagem de pura violência […] não alivia a opressão, não disfarça a dominação. Ele as expõe, ele as manifesta com a consciência tranquila das forças da ordem […] leva a violência para as casas e para os cérebros dos colonizados […] A originalidade do contexto colonial é que as realidades econômicas, as desigualdades, a enorme diferença dos modos de vida não conseguem nunca mascarar as realidades humanas (Frantz Fanon, Os Condenados da Terra).

O que explica que um país como o Brasil, conhecido internacionalmente por dispor de um sistema universal e gratuito de saúde, tenha chegado ao mês de junho de 2020 como um dos mais afetados pela Pandemia de Covid-19? Por que, entre os quase milhão e meio de casos de infecção e as 70 mil mortes, a quantidade de pessoas negras mortas é muito maior que a de brancos? Quais os fatores sociais e históricos que explicam a magnitude desta crise epidemiológica e o que Frantz Fanon tem a ver com isso?

É sabido que o pensamento de Fanon chegou ao Brasil na década de 1960, a partir de Les damnés de la terre (Faustino, 2020; Guimarães, 2008) e influenciou o pensamento de importantes pensadores brasileiros como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Glauber Rocha, Otavio Ianni, Lélia Gonzáles, Clóvis Moura (Faustino, 2015a). No entanto, a grande visibilidade dada à temática da violência, na ocasião de sua recepção (Faustino, 2020), resultou na invisibilidade de outras temáticas discutidas pelo autor. Neste artigo, lanço mão de suas reflexões sobre a relação entre o capitalismo e o racismo e as particularidades da exploração de classe em países que foram inseridos no modo de produção capitalista a partir da colonização para entender a resposta brasileira diante da pandemia de Covid-19 no ano de 2020. 

Para tal, retomarei a noção de violência, apresentada por Fanon em Les Damnés de la terre, para pensá-la na relação com a ordem social vigente no Brasil e não, necessariamente, com a sua interrupção, como se convencionou fazer (Faustino, 2018a). Inicio o texto apresentando a conjuntura social sob o qual a pandemia se alastra, para em seguida, retomar as contribuições de Fanon para problematizar a função do racismo diante das particularidades históricas e sociais do capitalismo no Brasil.  

Reconheço, no entanto, que a proximidade temporal dos eventos aqui relatados, a pouca disponibilidade de estudos acadêmicos que possam servir de referência teórica e, sobretudo, a minha posicionalidade e interesse nos eventos aqui relatados, podem oferecer alguns limites à análise sociológica empreendida. O processo ainda está em curso e apresenta uma dinâmica complexa e ambígua que muda a cada dia. No entanto, a posição de observador participante no conjunto de eventos apresentados oferece possibilidades singulares de coleta e análise dos dados. Ainda assim, reconheço que algumas posições aqui defendidas  merecerão futuras pesquisas, para que se confirme ou refute a sua validade. 

Os condenados pela Covid-19 no Brasil 

A explosão não vai acontecer hoje. Ainda é demasiadamente cedo… ou tarde demais. (Frantz Fanon)

O ano de 2019 foi terrível para os trabalhadores, pretos, indígenas, mulheres e pobres no Brasil. Foi o início do Governo militarizado de Jair Messias Bolsonaro1: um governo possibilitado por uma combinação nefasta de interesses financeiros nacionais e transnacionais, e a canalização oportunista de ressentimentos populares diversos para a consolidação de uma agenda ultraliberal, pautada pelo anti-esquerdismo, anticientificismo e o neoconservadorismo fundamentalista. Ocorre que a tática de sustentabilidade política adotada desde o início pelo Governo atrapalhou fortemente a implementação da agenda econômica pactuada entre as elites brasileiras, na ocasião da queda ilegítima da Presidenta Dilma Rousseff2. 

Os ataques constantes à “inimigos externos” reais ou imaginados, bem como, o deliberado desmonte das condições governamentais para a produção científica de ponta e a criminalização fundamentalista dos costumes3 apresentou-se como empecilho à legitimação e aprovação das políticas de austeridade por ele defendidas e, para piorar, o sectarismo ideológico de extrema direita, que lhe era implícito, chegou a ameaçar a exportação de commodities brasileiras para alguns dos maiores parceiros comerciais do país. Em decorrência, mas também diante de uma visível insegurança de alguns setores burgueses diante das habilidades questionáveis do presidente para o cargo, assistiu-se, em seguida, à fragmentação do bloco do poder instituído e a eclosão de disputas fratricidas em torno do seu rumo.

Esse conjunto de acontecimentos políticos e ideológicos foi acompanhado, na prática, pela intensificação, sem oposição à altura, da precarização das relações do trabalho no país4, mas também, pela ampliação do sucateamento dos serviços públicos de saúde, educação e pesquisa científica e pela perda na qualidade de vida da população em geral. As reformas previdenciárias e trabalhistas jogaram, de um ano para o outro, milhões de trabalhadores na informalidade ou os empurraram para um nano-empreendedorismo subordinado que os desprotegeram social e economicamente5. Jogados à própria sorte, mas, subordinados à um ritmo produtivo sob o qual não têm nenhum controle, esses trabalhadores intermitentes deixaram de contar com qualquer proteção social, caso precisem interromper seu exaustivo trabalho em razão de força maior. 

Foi nesta conjuntura de intensificação dos efeitos da crise estrutural do capitalismo6, mas também de instabilidade política, que o Brasil registrou, em 27 de fevereiro de 2020, os primeiros casos de Covid19. O primeiro paciente foi um homem branco e rico de São Paulo, que havia viajado à Itália e, após a confirmação da sorologia, deu entrada no Hospital Albert Einstein, um dos hospitais mais caros e bem equipados do país.  A partir daí, o país começou a se preparar para a pandemia sem se perguntar sobre como dar conta das históricas condições desiguais de prevenção e tratamento7. No entanto, os acontecimentos que será assistido a seguir, atualizam mortalmente a descrição de Fanon sobre a violência implícita às diferenças entre a cidade do colonizado e a cidade do colono (Fanon, 2010). 

Em um primeiro momento, o Presidente Jair Messias Bolsonaro emitiu diversos pronunciamentos subestimando a gravidade da epidemia e se contrapondo às pesquisas científicas que apontavam a necessidade de medidas de contenção da circulação populacional. Em uma viagem aos EUA, com uma grande comitiva de ministros e técnicos federais, afirmou em coro com o Presidente estadunidense Donald Trump, que a pandemia era uma “fantasia” superestimada8. Curioso é que, semanas após retornar – no momento em que o Brasil já registrava as primeiras mortes pela Covid19 – a maioria (23) dos membros da comitiva, dentre os quais alguns Ministros, foram infectados pelo SarsCov29.  

Em um segundo momento, quando a pandemia já se apresentava como uma realidade assustadora no país e, sobretudo, após o anúncio de que uma das primeiras vítimas foi uma empregada doméstica negra que fora infectada enquanto cuidava dos seus patrões10, a postura do Governo Federal Brasileiro foi marcada por ambiguidades: enquanto o Ministro da Saúde recomendava a reclusão da população em suas casas, as suspeitas públicas e especulação sobre a eventual infecção do Presidente, durante a referida viagem, foi respondida  por ele com a sua participação presencial em atos públicos de crítica às medidas de contensão social, recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ataques ao poder judiciário e defesa do retorno da ditadura. Estes atos políticos foram marcados pela rotineira imagem do presidente na rua abraçando os seus correligionários, sem máscaras. Fato que contrariava a legislação local. 

Foi nesse mesmo período que o Governo Federal lançou uma peça publicitária chamada “O Brasil não pode parar”.

A campanha visava responder positivamente às pressões de empresários contrários às medidas de contenção da circulação e se apresentou como apenas um dos sucessivos esforços presidenciais de boicotar as medidas sanitárias recomendadas pela OMS. Chamou à atenção, no entanto, em primeiro lugar, a cor das pessoas relatadas na campanha publicitária. As pessoas negras, embora componham a maioria do país, sempre foram invizibilizados pela publicidade governamentais no Brasil, mas agora, no momento em que a convocação ao trabalho equivale a um chamado para a morte, a população negra é, enfim, retratada com exclusividade. Em segundo lugar, chamou a atenção que uma campanha dessas tenha ocorrido no momento em que o Ministério da Saúde, havia reconhecido que a chance das pessoas negras morrerem por COVID-19, na cidade mais rica do país era de 62%. Eram, portanto, essas as pessoas convocadas a arriscarem a vida em nome da economia, ao invés de se discutir medidas políticas que as protegessem, com prioridade.

Em um terceiro momento, quando mais de 40 mil pessoas, a maioria negras e pobres, já haviam perdido a vida pela COVID-19 e a incidência diária de óbitos era maior que mil, a luta pela manutenção ou não do governo se deslocou do campo biomédico-epidemiológico – resultando na queda de dois ministros da Saúde11 – para o campo jurídico-criminalista, uma vez que membros importantes do Governo e de sua família, passaram a ser investigados por atentado contra a Democracia, difusão de notícias falsas e relação com as milícias cariocas – grupos violentos paramilitares compostos por policiais e ex-policiais12. Desde então, em plena maior crise epidemiológica da história do país, o Ministério da Saúde segue sem um Ministro, gerido interinamente, apenas, pelo General Eduardo Pazuello, que não tem experiência alguma com a área da saúde pública. 

O mês de junho, no entanto, foi o mais preocupante de todos. O período anterior foi marcado por uma disputa entre governadores e prefeitos, de um lado, buscando  implementar medidas de contensão da circulação populacional e, do outro lado, a Presidência da República, amparada por certos setores econômicos,  buscando boicotar as mesmas medidas. Agora em junho,  os governadores e prefeitos cederam às pressões empresariais e passaram a afrouxar as medidas, reabrindo o comércio, igrejas e outras atividades não essenciais, no momento em que a curva epidemiológica de COVID-19 ainda estava em ascensão13. Como se não bastasse,  o Presidente respondeu à 14.019/2020, que disciplina o uso de máscara facial em espaços públicos em todo o território nacional, amenizando a sua eficiência ao vetar a obrigatoriedade de seu uso em estabelecimentos comerciais, escolas,  templos religiosos e em locais fechados onde haja reunião de pessoas, deixando o uso ao  bem entender de cada pessoa. Também vetou a obrigação do poder público distribuir máscara para pessoas pobres e a obrigação das pessoas usarem máscaras14. 

O ponto que quero destacar neste relato é que essa conjuntura política e econômica resultou, em primeiro lugar, na sabotagem das condições reais de proteção epidemiológica das pessoas mais vulneráveis no contexto da pandemia de COVOD19 no Brasil e, em segundo lugar, na curiosa conveniência dessas mortes ao projeto de austeridade defendido pelo governo.  Segundo dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, a proporção de negros mortos no Brasil é 40% maior que a de brancos. Ao mesmo tempo, a análise da faixa etária, gênero e a classe social dos mortos indicam que o vírus pode até ser democrático, mas a sociedade brasileira, não15.  As condições sociais históricas de desigualdade e discriminação têm permitido uma distribuição desigual das oportunidades de acesso à prevenção, tratamento e morte. 

O que chama a atenção, e merece problematização, é a postura do Estado brasileiro diante da ameaça eminente da integridade da maior parte de sua população, bem como, a conivência das classes dominantes diante do genocídio em curso. Em geral, espera-se que o Estado – mesmo historicamente subordinado às necessidades de acumulação capitalista – busque proteger minimamente a saúde dos seus cidadãos de forma que a própria reprodução ampliada do capital seja indefinidamente possível. O que tem se assistido no Brasil contraria essa expectativa e levanta o questionamento a respeito do que está se passando, e como, e em função de quais interesses, as classes dominantes brasileiras permitem e continuam apoiando uma gestão pública com essas características.  

O que sugiro, a seguir, especialmente após a análise da atual conjuntura à luz da estrutura social e econômica brasileira, é que essa postura se apresenta mais como projeto de segregação neocolonial e extermínio, útil aos atuais interesses de acumulação de capital na periferia global, do que como crise de gestão a partir da eleição de um governo pretensamente incompetente. Mais do que isso, a postura atual do governo brasileiro não é mais que o reflexo e a continuidade  de um projeto  de genocídio que remete à fundação colonial do Brasil. 

Como chegamos a este ponto? O colonialismo e condenados do Brasil

A consolidação do capitalismo brasileiro guarda características econômicas e sociais particulares que o difere tanto do caminho adotado pelos países  capitalistas clássicos, como é o caso da França e da Inglaterra, quanto dos casos como o da Alemanha, Itália, Portugal e Japão, considerados como via prussiana. No primeiro caso, a relativa universalização dos direitos civis, políticos e sociais foi pensada, mesmo que abstratamente, como pressuposto para a consolidação da sociedade burguesa sob a antiga ordem social estamental. Por isso, como lembra Fanon, 

“Os estados europeus fizeram a sua unidade nacional num momento em que as burguesias nacionais tinham concentrado em suas mãos a maior parte das riquezas. Comerciantes e artesãos, funcionários e banqueiros monopolizavam, no quaro nacional, as finanças, o comércio e as ciências. A burguesia representava a classe mais dinâmica, mais próspera. Sua ascensão ao poder lhe permitia lançar-se em operações decisivas: industrialização, desenvolvimento das comunicações e, logo, procura de mercados para “além-mar””. (FANON, 2010:116).

É verdade que as desigualdades estruturais que compõem o capitalismo, mesmo nesses países, impediam que as anunciadas liberdades e a igualdade fossem alcançadas substancialmente. Ainda assim, como dizia Fanon, foi “o suor e os cadáveres dos negros, dos árabes, dos índios e dos amarelos” em territórios externos à Europa permitiu que a exploração de classes tenha sido acompanhada por estratégias de controle e coesão, o que pressupõe,  no mínimo, o reconhecimento da humanidade e relativo “bem-estar” dos explorados (Fanon, 2010, p.116-7). Por isso Fanon (2010) afirma inequivocamente que a Europa é, “literalmente a criação do Terceiro Mundo. As riquezas que a sufocam são as que foram roubadas aos povos subdesenvolvidos”. (Fanon, 2010, p.122).

O caminho para a consolidação do capitalismo brasileiro difere ainda das experiências de desenvolvimento industrial tardio do capitalismo na Alemanha, Itália, Japão, Portugal, entre outros – a chamada via prussiana –   em que o fechamento político autoritário, em seu apelo ultranacionalista e chauvinista, as restrições sistemáticas de liberdades individuais e a adesão teórica e filosófica ao irracionalismo, levou essas sociedades, sob a competição financeira-monopolista do imperialismo, ao fascismo e ao nazismo, no início do século XX16. Esse processo de agressiva competição externa e autoritarismo interno resultou em uma acumulação de capitais, tal que lhes permitiu disputar de forma mais ou menos bem sucedida, a liderança política e econômica da corrida capitalista na Europa, ou pelo menos, o alcance de elevado desenvolvimento econômico interno que não dissolveu nem mesmo após as derrotas da primeira e segunda grande guerra. 

Em um caminho distinto, a caraterística particular da formação social brasileira é o fato de ter sido engendrada a partir, e em função, do colonialismo (Chasin, 1980) e de suas relações sociais de produção pautadas pela escravidão racializada (Moura, 1994). É a partir da colonização portuguesa – e não de necessidades internas de acumulação – que o Brasil se insere na dinâmica capitalista moderna mas, por conta disso, o faz, primeiramente, de maneira subordinada a interesses exógenos e, sobretudo, pautado por relações de produção, conformação social e dinâmica interna da luta de classes adequadas a esses fins (Moura, 1994).  É notável aqui o quanto que a descrição de Fanon a respeito das burguesias colonizadas se aproxima daquela diagnosticada pelos economistas e historiadores brasileiros (Fernandes, 1979; Moura, 1994 e Prado, 2000): 

A burguesia dos países subdesenvolvidos é uma burguesia sem espírito. Não são nem o seu poder econômico, nem o dinamismo dos seus quadros, nem a envergadura das suas concepções que lhe garantem a qualidade de burguesia. […]. Se o poder lhe deixar o tempo e as possibilidades, essa burguesia conseguirá constituir para si um pequeno “pé-de-meia”, que reforçará a sua dominação. Mas ela se revelará sempre incapaz de dar origem a uma autêntica sociedade burguesa, com todas as consequências e industrias que isso supõe (Fanon, 2010, p. 207).

Embora a experiência colonial, que deu origem ao capitalismo dependente no Brasil tenha sido engendrada a partir da expansão do capital mercantilista nas Américas, enquanto a experiência narrada por Fanon trate do colonialismo imperialista no Continente Africano17, ambas se aproximam pelo caráter retardatário de suas economias, a fragilidade democrática e, sobretudo, a subordinação econômica, política e cultural – mantida em ambas após as independências – às economias centrais  capitalista. 

Este processo, socioeconômico, de matriz econômica colonial, no entanto, foi possibilitado pela existência do racismo antinegro e anti-indígena18. A eugenia, uma das vertentes do chamado racismo científico, vigorou hegemonicamente no Brasil até a década de 1940 (Góes, 2018). Não se trata de afirmar, aqui, que o racismo é uma particularidade das economias capitalistas periféricas mas, sim, de reconhecer a sua gênese e função peculiar em uma sociabilidade onde “o novo paga sempre um alto tributo ao velho”19, isto é, uma modernização que “condiciona e se alimenta da preservação de estruturas e dinamismos coloniais”. (Fernandes, 1977, p. 13)

A conexão umbilical entre a escravidão e o desenvolvimento interno do capitalismo no Brasil resultou, por um lado, quando observamos o período posterior à escravidão, no engendramento de uma burguesia que não foi  “capaz de perspectivar, efetivamente, sua autonomia econômica, ou a fez de um modo demasiado débil, conformando-se, assim, em permanecer nas condições de independência neocolonial ou de subordinação estrutural ao imperialismo” (Chasin, 1980, p. 128) e, por outro lado, na conseguinte culpabilização racial dos “segmentos não-brancos oprimidos e discriminados, e do negro, em particular”, pela “inferioridade social, econômica e cultural” (Moura, 1988, p. 65)20  que essa postura subordinada (colonial) resultou.  A combinação desses dois fatores ainda se faz presente na sociedade brasileira: de um lado, a composição de uma classe dominante frágil, congenitamente dependente do capital externo e pouco aberta às necessidades reais da população em geral, e do outro, a manejo do racismo como possibilidade ideológica de transferir a responsabilidade das consequências dessas escolhas para as próprias vítimas. 

José Chasin, ao diferenciar a experiência societária germânica, em sua busca por autonomia econômica, da brasileira em sua dependência congênita, afirma: 

“As burguesias que se objetivaram pela Via Colonial não realizam sequer suas tarefas econômicas, ao contrário da verdadeira burguesia prussiana, que deixa apenas, como indica Engels, de realizar suas tarefas políticas. De modo que, se para a perspectiva de ambas, de fato, é completamente estranha a um regime político democrático-liberal, de outro lado, a burguesia prussiana realiza um caminho econômico autônomo, centrado e dinamizado pelos seus próprios interesses, enquanto a burguesia produzida pela Via Colonial tende a não romper sua subordinação, permanecendo atrelada aos polos hegemônicos das economias centrais” (Chasin, 1980, pp. 128-9). 

Essa “via colonial de entificação do capitalismo” é marcada – mesmo nos casos em que o velho colonialismo fora superado pela nova universalização da contradição capital-trabalho como eixo da luta de classes, após a abolição da escravidão –  por uma descolonização  “oscilante e superficial” (Fernandes, 1977, p. 13)  que não é capaz nem de absorver as necessidades e demandas das classes subalternas e nem de se colocar autonomamente na disputa econômica internacional (Chasin, 1982). Nela, a evolução nacional e o progresso social são excludentes (Chasin, 1989) e os privilegiados “não abrem mão de nenhuma partícula de privilégios e brandem, por qualquer coisa, as armas brancas de degola e suas bandeiras ‘sagradas’ que põem a propriedade e a iniciativa privadas acima de sua religião, de sua pátria e de sua família” (Fernandes, 1986, pp. 74-5). 

A burguesia que emerge na via colonial é antidemocrática, como foi a prussiana, mas, diferentemente desta, incapaz, por iniciativa e força própria, de romper com a subordinação ao imperialismo (Rago, 2010).  Essa subserviência, embora tenha adquirido feições próprias em cada momento histórico, foi sempre a marca das classes dominantes e do Estado brasileiro diante do capital internacional, mas encontrou dimensões sem precedentes na postura do atual governo diante dos interesses estadunidenses. O vergonhoso incidente, em Dallas, no Texas, em que o Presidente Bolsonaro bateu continência à bandeira dos Estados Unidos21 foi apenas o prelúdio de uma série de escolhas comerciais, políticas e científicas que chegaram a colocar em risco os interesses de alguns setores econômicos nacionais.

Para além disso, essa subserviência política, econômica e ideológica explica o fato de o governo Bolsonaro ter optado por seguir a retórica de Donald Trump de desprezar a capacidade destrutiva do vírus SarsCov2 ou afirmar que se tratava apenas de uma estratégia chinesa para exportar o comunismo, via Organização Mundial da Saúde. Mas a relação de dependência que lhe fundamenta, embora tenha encontrado relativa restrição na era Lula, é anterior ao Bolsonaro e remete à origem do Estado brasileiro. Como vimos, a história do Brasil é marcada, desde o início por “transições transadas” (Fernandes, 2014, p. 127),  isto é, conciliações pelo alto, entre o moderno e o arcaico: fomos inseridos na economia capitalista –  e o próprio país, passou a existir, enquanto tal – a partir da colonização portuguesa via escravidão e genocídio indígena, e não por necessidades internas de acumulação.

Deixamos de ser colônia para se constituir em império independente, a partir de 1822, sendo que o poder continuou nas mesmas mãos e ainda, sem romper com a escravidão. A ausência de uma revolução, de baixo para cima, que provocasse o fim da escravidão resultou em uma abolição sem reparações e um ano depois, o regime republicano substitui o imperial a partir de um golpe militar. Depois disso, a oscilação burguesa entre os  “diversos graus de bonapartismo e da autocracia burguesa institucionalizada, como toda a nossa história republicana evidencia”. (Chasin, 1982, p. 11). 

Em todos esses períodos, as demandas populares foram sempre negligenciadas ou secundarizada pelas classes dominantes e os seus representantes políticos no Estado. Como lembra Fanon (2010) – mas também, Marine (2000) e Mészaros (2002) -, a democracia e, posteriormente, o Welfare State nos centros capitalistas foram garantidos através da superexploração da força de trabalho na periferia. Esse processo teve, no Brasil, o racismo como grande sustentáculo que representou, a seu termo, tanto a naturalização das relações sociais quando a culpabilização das próprias vítimas pelos resultados de escolhas que lhes eram alheias.  

Com o advento da crise estrutural do capital no final do século XX (Mészaros, 2002) e as novas configurações produtivas e sociais dela advinda, o lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho foi reconfigurado sem grandes rupturas com os seus traços constitutivos. Assim, o encerramento da via colonial de entificação do capitalismo representou, justamente, a sua consolidação (Sobrinho, 2019)22. Assistiu-se, embora com nuances e diferenças em cada governo, à consolidação da inserção subordinada do país via interiorização da mundialização (via ampliação do IED), especialização do país na produção de commodities e liberação do sistema financeiro. Tudo isso, a partir da manutenção, sempre intocada, da superexploração da força de trabalho, no plano econômico produtivo, e do racismo anti-negro e anti-indígena, no plano político e ideológico e social. Assim, violência colonial, expressa em Les damnés de la terre, seguiu expressando-se através de uma ordem social extremamente  desigual.

Embora as duas gestões do presidente Lula (2003-2012) tenham representado uma exceção simbólica importante à vaga neoliberal advinda da já mencionada crise estrutural – na medida em que proporcionou um relativo atendimento governamental às demandas assistenciais e populares em geral, em especial, dos movimento negros (Ribeiro, 2014) – a institucionalização de tais demandas veio acompanhada pelo desenraizamento, burocratização e tendente enfraquecimento dos movimentos sociais de base brasileiro.

Com o golpe jurídico-parlamentar à presidenta Dilma – sucessora escolhida de Lula – e a posse ilegítima de Michel Temer (2016-2018), mas sobretudo, devido ao enfraquecimento dos movimentos populares e de esquerda que pudessem lhe fazer oposição, assistiu-se à intensificação dessa agenda de austeridades e ataque a direitos anteriormente conquistados. A ascensão de Bolsonaro à presidência, no entanto,  elevou essas medidas a níveis sem precedentes. As políticas de austeridade foram conduzidas pelo Ministro da Fazenda Paulo Guedes, discípulo extremista da chamada Escola de Chicago e apologista das políticas econômicas implementadas no Chile, durante a ditadura de Pinochet.

A precarização, terceirização, uberização e ampla diminuição de postos de trabalho, impostos pela quarta revolução industrial, mas também, pelas reformas trabalhistas, sindicais e as segregações sociais daí decorrentes, criaram um ambiente de crescente vulnerabilidade social. Acresceu-se a isso o envelhecimento paulatino da população brasileira e a pressão que essa mudança na direção da pirâmide etária passaram a exercer sobre o sistema previdenciário.   Embora tenha sido parcialmente rejeitada pelo Congresso, em 2019, a proposta inicial de reforma apresentada pelo Governo Bolsonaro objetivava desmontar completamente o sistema público previdenciário e substituí-lo por um sistema privado de capitalização onde os aposentados recebessem apenas 74 dólares ao mês23. 

Para além disso, a herança escravista brasileira associada à manutenção e atualização do racismo teve como resultado a marginalização e vulnerabilização social da população negra brasileira. Devido ao racismo, os negros não são apenas os que mais morrem assassinados pela polícia ou por doenças como diabetes, hipertensão, cardiovasculares ou imunodepressoras, mas são, sobretudo, o grupo sobrerepresentado nos trabalhos mais precarizados e desprotegidos de direitos trabalhistas e previdenciários, bem como, entre os desempregados. 

Quando a pandemia chega ao Brasil, encontra uma realidade social de intensas desigualdades estruturais, o que por si representaria um grande desafio à gestão pública interessada no controle epidemiológico da COVID19. No entanto, como procurei demonstrar, o que se assistiu desde então, foi o oposto: os esforços governamentais seguem um padrão de visível sabotagem às medidas de proteção, prevenção e tratamento contra o vírus. Em decorrência disso, o Brasil fechou o mês de junho com quase 70 mil mortos, sendo que destes, os negros sem escolaridade têm a taxa de mortalidade três vezes maior do que a de brancos. No Brasil, seja por incompetência, omissão ou intenção, o resultado de tanta dor e irreparáveis perdas humanas vem, curiosamente, ao encontro dos interesses ultraliberais de enxugamento do Estado e de gastos públicos com saúde e previdência social ao eliminar fisicamente, ao seu turno, parte significativa da própria população. 

Como isso é possível? A violência colonial – própria desse capitalismo que se origina com a colonização e, por isso, engendra uma classe dominante insensível às necessidades e demandas populares – de que falava Fanon em Les damnés de la terre, no Brasil contemporâneo, se amplia para além “casernas e pelos postos policiais” (Fanon, 2010, p. 55) e se expressa pela distribuição desigual das condições de prevenção, tratamento e morte pela Covid-19. 

É válido lembrar, no entanto, que mesmo sob a pandemia, a polícia mais mortal do mundo continua matando homens e mulheres negros no Brasil24, mas o dilema que se coloca atualmente vai além disso, e aponta para uma combinação  seletiva e de larga escala entre o fazer e o deixar morrer. Se haverá alguma responsabilização por esse crime, sem precedentes na história do Brasil, primeiro, teremos que nos haver com a racialização que impede que as pessoas negras sequer sejam consideradas seres humanos e a sua morte provocada ou permitida seja objeto de alguma comoção e luto (Faustino, 2020c). Mas ao que parece, estamos longe disso.

Por quê Fanon, por quê agora? 

Nunca é demais lembrar que o pensamento de Frantz Fanon segue atual e vigoroso. O autor, que faria 95 anos em 20 de julho de 2020, apresenta contribuições sociológicas, antropológicas, filosóficas, políticas, psíquicas, psiquiátricas e psicanalíticas, a partir de um denso repertório escrito e vivido, ainda não foram totalmente exploradas pelas ciências sociais e humanas contemporâneas e oferecem um poderoso arsenal teórico para o entendimento e, sobretudo, a transformação radical da sociedade contemporânea (Faustino, 2018b).

Entre os vários escritos de Fanon, Les damnés de la terre merece destaque por ter sido, inicialmente, o seu trabalho mais conhecido nas décadas de 1960 e 1970, e, posteriormente, por ter desaparecido do horizonte intelectual internacional graças à equivocada associação e redução de seu escopo à temática da violência. Essa redução, em um momento em que a temática da violência revolucionária perdeu forças, resultou no desestímulo à sua investigação exegética. A retomada de Fanon pelos Estudos culturais e pós-coloniais anglófonos, sob a influência da queda do Muro de Berlin e o consequente enfraquecimento das perspectivas revolucionárias – a partir da década de 1980 e 1990 – manteve essa invisibilidade ao eleger o Peau noire, masques blancs, como o seu livro de cabeceira (Faustino, 2015) enquanto o Les damnés de la terre foi considerado um livro datado e  pouco interessante. 

Felizmente esse silêncio tem sido relativamente quebrado e seu pensamento tem encontrado cada vez mais eco em nossos dias. No caso brasileiro, isso se deve às políticas de inserção de estudantes negros nos cursos de graduação e pós-graduação. Os estudantes negros têm cobrado os seus professores por conteúdos e autores que representem a sua experiência, e isso tem transformado qualitativamente a produção intelectual brasileira. De todo modo, apesar dessa significativa conquista, a realidade social brasileira ainda é marcada pela violência estrutural, animalização e assassinatos sistemáticos e naturalizados às populações negras e indígenas.  A Covid-19 apenas agravou aquilo que já era grave.  

A aposta que orientou este trabalho é que o pensamento de Fanon pode ajudar, não apenas ao entendimento desta realidade estruturalmente violenta, mas, sobretudo, às possibilidades de sua transformação radical.  Mais do que isso, a presente análise sugere ser justamente a temática da violência, quando evitada as já mencionadas reduções, uma das maiores contribuições de Fanon à análise da realidade contemporânea. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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  • 1.O adjetivo “militarizado” aqui empregado tem a ver, não apenas com o visível apoio e participação dos setores militares no Governo Bolsonaro, mas com o tom belicista – marcado pela lógica de guerra – e pouco aberto às críticas que sua gestão assumiu, desde o início.
  • 2.A eleição de Bolsonaro foi sucedida pela deposição da Presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016. Algum tempo depois, constatou-se a inexistência de qualquer irregularidade que justificasse juridicamente a perda do seu mandato.
  • 3.Com destaque especial às conquistas recentes obtidas pelos movimentos negros, feministas, lgbtqi+ e ambientalistas.
  • 4.Ver neste sentido o trabalho de Antunes (2020).
  • 5.Foram fartas as notícias de empresas que demitiram os seus funcionários, anteriormente dotados de alguns direitos trabalhistas, para recontratar o seu serviço como se fossem empresas individuais, e, portanto, sem nenhuma responsabilidade jurídica com sua seguridade.
  • 6.Ver Mészaros (2002).
  • 7.Naquele momento já se dispunha de informações sobre o comportamento epidemiológico do Vírus SarsCov2 na China, Coreia do Sul, Irã e alguns países da Europa e elas já indicavam tanto a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde e vigilância epidemiológicas quanto de adoção de medidas governamentais de contensão da circulação humana nos locais de maior prevalência do vírus. A pergunta que surgiu, a partir daí, é: como se proteger da pandemia em um país desigual como o Brasil. Ver: Ver, Faustino (2020).
  • 8.Enquanto isso, o chamado “Gabinete do Ódio”, uma estrutura cibernética ligada ao Presidente e os seus apoiadores, passou a disparar milhares de informações falsas que associavam o vírus e a pesquisa científica epidemiológica a uma estratégia chinesa para o domínio do comunismo no mundo. Sobre o Gabinete do ódio, ver Said (2020).
  • 9.Ver Estadão, 20/03/2020.
  • 10.A pessoa vitimada pela doença, chamava-se… seu nome seguiu ignorado nas grandes imprensas que a referia apenas como “uma empregada doméstica”, como observa a filósofa Djamila Ribeiro (2020).
  • 11.A queda do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (no cargo entre 01/01/2019 à 16/04/2020) se deveu às divergências em torno das ações de sabotagem às medidas de isolamento social propostas pelo Ministério da Saúde, levadas à cabo pela Presidência da República. A queda do Ministro Nelson Teich, um mês depois, teve a mesma motivação, acrescida pelas insistências presidenciais no uso do medicamento Hidroxocloroquina quando esse já havia sido considerado cientificamente ineficiente para o tratamento da COVID-19.
  • 12.Em resposta aos rumores de uma possível apreensão pericial do celular do presidente da república, para fins investigativos, o Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional General Heleno ameaça o Supremo Tribunal Federal falando em consequências imprevisíveis caso o celular fosse realmente apreendido. Em nota, o Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, também militar, endossou a declaração do General. Ver Correio Brasiliense. 23/05/2020.
  • 13.Ver El País, 27/05/2020 e Brasil de Fato, 01/06/2020.
  • 14.Ver G1, 03/07/2020.
  • 15.Dados oficiais do Ministério da Saúde revelam que o perfil dos brasileiros mortos pela pandemia é homem, pobre e negro. Para além disso, a quantidade de jovens (destes grupos) mortos é maior que a média de jovens mortos em países como Espanha e Itália. Ver Época, 03/07/2020.
  • 16.Veio do próprio Karl Marx a busca pela apreensão das particularidades do desenvolvimento do capitalismo em cada país. Em textos como como Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843-4), Sobre A questão judaica (1843-4), A ideologia alemã (1845-6) e alguns artigos da Nova Gazeta Renana (de fins dos anos 1840) buscam apreender as particularidades do capitalismo alemão, visto por ele, como retardatário em relação aos casos clássicos (SILVA, 2020).
  • 17.Enquanto a primeira foi levada a cabo, inicialmente, em um momento em que o capitalismo ainda não estava plenamente desenvolvido (a partir do sec. XVI) a segunda, se deu a partir da expansão imperialista do capital financeiro-monopolista sob o continente africano, no final do século XIX, quando as colônias americanas já haviam levado à cabo os seus processos de independência. O próprio Fanon reconhece essa diferença: “O capitalismo, no seu período de progresso, via nas colônias uma fonte de matérias-primas que manufaturadas, podiam ser despejadas no mercado europeu. Depois de uma fase de acumulação de capital, ela chega hoje a modificar sua concepção da rentabilidade de um negócio. As colônias se tornaram um mercado. A população colonial uma clientela que compra (Fanon, 2010:82-3).
  • 18.Não há espaço aqui para comentar as consequências desse processo para as populações indígenas no Brasil. Cabe observar, no entanto, que a violência contra essas populações segue expressando-se através de uma lógica de genocídio. Esse genocídio tem ganhado dimensões sem precedentes com a chegada da pandemia aos territórios e comunidades indígenas. Ver neste sentido G1. 27/04/2020.
  • 19.Mesmo reconhecendo as diferenças, a referida frase formulada por Marx para descrever a Alemanha, foi retomada pelo filósofo José Chasin (2019) para descrever as particularidades brasileiras.
  • 20.Ver, no mesmo sentido, os trabalhos de (Azevedo, 1987; Seyferthe, 2002; Skidmore, 2012, Mattos, 2016 e Oliveira, 2019).
  • 21.O incidente ocorreu nos primeiros meses de mandato do Presidente, em um momento em que ele recebia o prêmio de personalidade do ano, oferecido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em Dalas. Ver Terra Portal, 16/05/2020.
  • 22.Não se pode ignorar, no entanto, a importância de uma série de conquistas institucionais e absorção de demandas populares por ampliação da democracia formal, após o fim oficial do período ditatorial e instituição da Constituinte, em 1988 (Santos, 2015), assim como, a participação do movimento negro neste processo, bem como, na Reforma Sanitária e antimanicomial. Ainda assim, é a esse período que Florestan Fernandes nomeia como “transição transada”, uma vez que se operou as forças políticas de tal maneira, que o poder político e econômico permaneceu nas mesmas mãos. A Lei n. 6.683, e3 28 de agosto de 1979, que concedeu anistia aos militares torturadores e gestores da ditadura, permitiu que esses continuassem em seus cargos sem nenhuma sansão social ou estigmatização.
  • 23.Em um país onde, devido ao desemprego, os aposentados são os principais arrimos de família e o salário mínimo fixado em lei, atualmente é 193 dólares, segundo uma estimativa feita pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessário para sustentar uma família de quatro pessoas deveria ter sido de 808 dólares, em 2020 (DIEESE, 2020).
  • 24.De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança (ROS), um órgão nacional de monitoramento, as operações policiais do Rio de Janeiro aumentaram 27,9% durante a pandemia (Rio On Watch, abril, 2020).

Deivison M. Faustino – Professor da Universidade Federal de São Paulo,  Integrante do Instituto Amma Psique e Negritude e autor do livro Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro, 2018.

Desigualdade urbana em São Paulo. No Morumbi, a favela de Paraisópolis e o prédio de ‘alto luxo’. Foto de Tuca Vieira

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