Esposa de deputado do Paraná é responsável por fiscalizar frigorífico do marido

Jonas Guimarães (PSB) é sócio do prefeito de Cianorte, Claudemir Bongiorno (MDB), na Avenorte Avícola, que registrou surto de Covid-19; ele é casado com a diretora da 13ª Regional de Saúde; em meio ao aumento de casos, governador reforça parceria com o setor

Por Mariana Franco Ramos, em De Olho nos Ruralistas

Um dos principais focos do novo coronavírus no interior do Paraná, o frigorífico Avenorte Avícola, de Cianorte, no Noroeste do estado, tem como proprietários dois políticos influentes na região. Além do prefeito da cidade, Claudemir Bongiorno (MDB), fazem parte do quadro de sócios o deputado estadual Jonas Guimarães (PSB) e alguns dos familiares de ambos.

A planta foi uma das onze que tiveram pedido de interdição do Ministério Público do Trabalho (MPT) em decorrência de surto de Covid-19, como De Olho nos Ruralistas mostrou ontem: “Agronegócio pode ter contaminado 400 mil trabalhadores no Brasil por Covid-19“. De 19 de maio a 9 de junho, o número de casos confirmados no local saltou de 3 para 193, o que representa cerca de 5% da força de trabalho do abatedouro, de mais de 3.300 funcionários.

O parlamentar é casado com a diretora da 13ª Regional de Saúde do Paraná, Adriana Guimarães, responsável por implementar e fiscalizar as políticas de prevenção à Covid-19 no município. De acordo com o presidente da  Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado (FTIA-PR), Ernane Garcia Ferreira, a situação dificultou a tomada de decisões relacionadas ao vírus.

“São aberrações que acontecem por aqui”, critica Ferreira, para quem faltou “intervenção séria e dinâmica do Estado e da União”. “Ficaram protelando, porque é atividade essencial”, completa. Ele diz ainda que protocolou um requerimento ao secretário de Estado da Saúde, Beto Preto, para que tome providências sobre a regional.

— Só em meados de junho conseguimos uma decisão judicial para que o frigorífico fizesse uma testagem. Quando foi fazer, já eram 200 contaminados e mais 600 e poucas suspeitas. Essa gama de 800 (casos de Covid-19) não é só de Cianorte. Todos os municípios da região foram contaminados por culpa de um empresário ganancioso.

POLÍTICO ALEGA QUE ELE E SÓCIO SÃO ‘PERSEGUIDOS’

Cianorte confirmou 786 casos e 11 mortes em 30 de junho. A incidência é de 488 por 100 mil habitantes, acima da média estadual. Na mesma data, o governador Ratinho Júnior (PSD) assinou decreto propondo medidas de isolamento mais restritivas. O documento deixa a fiscalização a cargo “das equipes competentes do Estado e respectivos municípios, além dos demais órgãos federais com atribuição”.

Questionada se o município seguiria as recomendações, Adriana Guimarães afirmou, à rádio CBN, que “cada prefeito tem autonomia para decidir o que fazer”.

Bongiorno deixou o dia a dia da empresa, proprietária da marca Guibon Foods, nas mãos dos filhos Hugo Leonardo e Victor Rodrigo. Ao contrário dele, o deputado segue como diretor institucional. Ele desempenha a função mesmo exercendo seu quarto mandato na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). A sede do Parlamento, em Curitiba, fica a 510 quilômetros de distância de Cianorte.

A reportagem ligou para Jonas Guimarães, que garantiu ter tomado todas as precauções para evitar a propagação da Covid-19 no frigorífico, como distanciamento, aumento na quantidade de ônibus e retirada das catracas. Ele falou que o cargo de sua esposa não influenciou na tomada de decisões e ainda se disse “perseguido” por ocupar uma das cadeiras na Alep:

— Para nós até melhora a fiscalização. O que a empresa quer? É se moldar dentro daquilo que evita problema. E, na verdade, a incumbência (de fiscalizar os abatedouros) é da Vigilância Municipal, junto da Estadual. Isso foi feito. Foram tomadas todas as medidas e realmente funcionou. Agora, é lógico que, em virtude de a gente ser deputado e o outro sócio meu ser perfeito, existe uma perseguição muito maior. O político é perseguido – alguns por certas razões e outros não. Mas o povo nivela tudo igual, como se nenhum valesse nada.

‘POVO NÃO PARA DE FESTAR E LEVA O VÍRUS’

O parlamentar contou que a Avenorte gastou R$ 1 milhão para testar todos os seus empregados, em duas etapas. Após uma paralisação de catorze dias, as atividades voltaram ao normal. “A despesa não foi pequena, mas valeu a pena, porque isso dá uma limpada, né? Uma ajeitada nos trabalhadores”, afirma, acrescentando que não houve casos de internação mais grave ou de morte. “A empresa agiu até com antecedência. Acontece que as pessoas se contaminam fora do abatedouro. O povo não para de festar — é churrasco, é festa daqui e de lá. Não é a empresa que causa o vírus; as pessoas trazem ele para dentro da empresa”.

Guimarães ressaltou o fato de a indústria gerar mais de 3 mil empregos diretos e de ser responsável por 25% da arrecadação do município, de 82 mil habitantes. “Cumprimos com a nossa obrigação, dentro daquilo que a Justiça determinou. Estamos acostumados também com os ‘observatórios’. Estamos na política há muito tempo. Nós que conseguimos levantar a cidade de Cianorte e fazer dela a capital do vestuário”.

Edno Guimarães, irmão de Jonas morto em 2014, já foi prefeito do município em três oportunidades, e consta como diretor proprietário in memorian da Guibon. Em entrevista concedida quando do fechamento da fábrica, seu sucessor, Claudemir Bongiorno, disse que a prefeitura tomou todas as medidas possíveis para combater a pandemia e que a cidade está bem estruturada para atender as vítimas da doença.

RATINHO JR VÊ EXECUTIVOS DO AGRONEGÓCIO COMO PARCEIROS

Enquanto crescem os casos de novo coronavírus envolvendo frigoríficos em todo o Brasil, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), trata os empresários do setor como “parceiros comerciais”. Na última quinta-feira (09), ele se reuniu com executivos da JBS, em Curitiba, para discutir investimentos na ordem de R$ 800 milhões. Nesta segunda-feira, conheceu as instalações da Levo Alimentos, inaugurada na semana passada em Umuarama, a 90 quilômetros de Cianorte, e destacou a geração de empregos. As informações são da Agência Estadual de Notícias (AEN), órgão oficial de comunicação.

Ratinho comemorou o crescimento de 6,9% da indústria alimentícia no estado nos primeiros cinco meses de 2020 e disse que o setor é fundamental para manter empregos e o consumo no comércio. A produção avícola paranaense atingiu a marca de 1,87 bilhão de frangos abatidos em 2019, crescimento de 6,43% em relação a 2018:

— Anunciamos R$ 23 bilhões no ano passado e estamos conversando com nossos parceiros comerciais para alcançar bom patamar também em 2020, mesmo diante de cenário ainda incerto na economia.

O governador também destacou a “doação de cerca de R$ 17 milhões” feita pela JBS para “ajudar o Paraná a enfrentar a pandemia”. A gigante do agronegócio já teve fábricas interditadas em Santa Catarina, Rondônia e Rio Grande do Sul por descumprir as recomendações de prevenção ao coronavírus.

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que estabeleceu desde o começo da pandemia protocolos específicos para os abatedouros. A orientação é que as empresas realizem um mapeamento epidemiológico completo, incluindo a logística de funcionários, familiares, produtos e insumos, de forma a seguir com a atividade sem restrições. Segundo a pasta, o Centro Estadual de Saúde do Trabalhador (Cest/Sesa) monitora diariamente os 300 frigoríficos de diversos tamanhos e que empregam mais de 100 mil pessoas no Paraná.

Imagem principal (Divulgação/Facebook): deputado Jonas Guimarães, político e empresário

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