Vitória: justiça restabelece liberdade para indígenas em Paraty (RJ)

Habeas Corpus concedido nesta segunda-feira (20) tirou da prisão dois jovens artesãos Guarani, presos indevidamente desde abril

por Nanda Barreto, em Cimi

Dois jovens artesãos da Aldeia Itatim, em Paraty (RJ), que estavam presos desde 8 de abril – sob a acusação de furto – tiveram a liberdade concedida pela Justiça nesta segunda-feira (20) – após ampla mobilização de organizações sociais. Os Guarani Denis Garcia Benite, 18 anos, e Jeferson Tupã Vae, 21 anos, foram soltos ontem mesmo, a partir da decisão do desembargador Paulo Baldez, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Leia aqui).

O pedido de Habeas Corpus (HC) foi feito pela Defensoria Pública do Estado com base em parecer técnico e antropológico organizado por um grupo de pesquisadores indigenistas. O advogado Marcelo Chalréo participou da elaboração dos subsídios. “Os indígenas estavam presos havia meses, mas nós só ficamos sabendo desta situação faz 15 dias. Imediatamente buscamos apurar o caso, reunir as informações e atuar em parceria com os defensores responsáveis”, destaca.

De acordo com Marcelo, o processo já continha um pedido de liberdade negado. “Embora os defensores públicos envolvidos tivessem realizado um trabalho cuidadoso do ponto de vista técnico, as especificidades da questão indígena não estavam sendo consideradas. O que fizemos foi, basicamente, incluir os procedimentos previstos na Resolução 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça e encaminhar para que a Defensoria solicitasse a reconsideração do pedido de HC”.

Além de Marcelo, os pesquisadores que assinaram o parecer que respaldou a decisão foram José Carlos Levinho, Arilza Nazareth de Almeida, José Ribamar Bessa Freire e Rafael Fernandes Mendes Junior.

Mobilização
O Cimi Regional Sul também se manifestou em nota pública, exigindo a liberdade dos indígenas (leia aqui). O coordenador do regional, Roberto Antônio Liebgott, avalia que a repercussão do fato contribuiu para que houvesse a decisão favorável pelo HC. “Nós caracterizamos estas prisões como ilegais, pois não se levou em conta a situação cultural dos Guarani nem o fato de que o furto não foi consumado. Essa era uma demanda interna, que poderia ter sido resolvida na comunidade”, detalha Roberto, salientando que a mobilização nas redes sociais e imprensa também foi fundamental para ampliar a repercussão da injustiça que estava sendo cometida.

O CASO

No processo, consta que os acusados teriam retirado indevidamente da Unidade de Saúde Indígena e da Escola Bilingue Tavamirim, situada na aldeia em que residem, oito pacotes com gaze, duas garrafas de cloro, cinco unidades de álcool em gel, saboneteira, esparadrapo, tesoura e alguns outros objetos. Porém, conforme Élio Karai Tupã Vae, testemunha que presenciou o fato e foi ouvida pelo delegado de polícia – sem intérprete, o que também constitui violação – a devolução dos objetos subtraídos foi solicitada aos jovens, que os devolveram pronta e pacificamente, no momento do incidente, marcadamente público e não furtivo. Portanto, o ato de subtração não foi consumado.

Fazer a Lei pegar

Na avaliação de Michael Mary Nolan, assessora jurídica do Cimi, é muito positivo o fato de que a decisão de Baldez (que pode ser lida aqui) está fundamentada na Resolução 287/2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, sustenta Michael, o caso ilustra a necessidade de ampliar o alcance desta Resolução no sistema de Justiça como um todo. “Este é um caso –  entre muitos – em que indígenas foram presos indevidamente pelo fato de a Resolução não ter sido considerada. Ainda há muito trabalho a ser feito nesse sentido de formação e informação”, pontua Michael – que participou como representante da sociedade civil da formulação da Resolução junto ao CNJ.

“Este é um caso – entre muitos – em que indígenas foram presos indevidamente pelo fato de a Resolução não ter sido considerada. Ainda há muito trabalho a ser feito nesse sentido de formação e informação”

A Resolução 287/2019 estabelece procedimentos para o tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário. Entre os principais aspectos abordados pela resolução estão a incorporação do critério da autodeclaração da pessoa indígena, a atenção ao direito de a pessoa indígena ser entendida e se fazer entender no processo por meio de intérprete, a adequação de medidas cautelares e penas restritivas de direitos a costumes e tradições indígenas e a possibilidade de o juiz homologar mecanismos tradicionais de responsabilização criminal.

Leia aqui o manual de orientação aos tribunais para a aplicação da Resolução 287/2019.

Justiça com linguagem simples
De olho neste vácuo de informações sobre direitos indígenas, organizações sociais lançaram na semana passada uma cartilha sobre povos indígenas em conflito com a lei. Com linguagem simples e ilustrada, a publicação pode ser baixada aqui.

Ilustração: Otto Mendes

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