Governo federal também citou no documento secretaria que foi extinta no primeiro mês da presidência de Bolsonaro
Por Igor Carvalho, no Brasil de Fato
O governo brasileiro enviou um documento ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 16 de julho deste ano, elogiando a atuação da Fundação Cultural Palmares no combate ao racismo no país.
“As ações da Fundação Cultural dos Palmares merecem menção. Essa instituição, criada em 1988, que teve suas competências expandidas em 2009, com a implementação do Decreto No. 6.853. Essas novas responsabilidades incluem promover e preservar valores sociais, culturais e econômicos de influência afro-brasileira que moldam a sociedade brasileira”, explica o governo brasileiro.
Ainda no documento, o governo ressalta o apoio da fundação a atividades culturais relacionados à cultura afro-brasileira “promovendo campanhas, oficinas, eventos e seminários direcionados às comunidades de origem africana, como quilombolas e grupos culturais afro-brasileiros, através de pesquisas, formulação e disseminação de livros e kits educacionais relacionados à história e cultura afro-brasileira.”
Reação
Citando Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, Biko Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirma que o governo brasileiro é “contraditório” quando elogia a entidade por sua atuação contra o racismo.
“Quem está na Fundação Cultural Palmares não nos representa. A Palmares é importante, um instrumento que conseguimos com muita luta, que tem a responsabilidade de proteger a história do povo negro brasileiro. Mas no atual governo, ela é dirigida por um cara que é contra o patrimônio negro brasileiro, é uma contradição”, explica Biko.
Douglas Belchior, fundador da Uneafro e membro da Coalizão Negra por Direitos, afirma que o documento é “mentiroso” e que o movimento negro irá até o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU para protestar e “reestabelecer a verdade.”
“O Brasil nega o racismo como elemento importante e gravíssimo da sociedade brasileira e rejeita a prática de políticas de enfrentamento ao racismo. O governo brasileiro mente nesse documento e por mentir, ou por fazer uma interpretação fora da realidade, com certeza abre espaço para que a Coalizão e todo o movimento negro se posicionem, mas com certeza iremos nos posicionar e vamos levar nosso protesto ao comitê”, finaliza.
Controverso
Presidente da Fundação Palmares no governo de Jair Bolsonaro, Sérgio Camargo tem marcado sua gestão pelos ataques ao movimento negro e à memória de personalidades negras.
“Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que, para mim, era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar Dia da Consciência Negra. Aqui não vai ter zero. Aqui vai ser zero da consciência negra”, afirmou Camargo em reunião com servidores da Fundação Palmares, no dia 30 de abril.
O conteúdo da reunião se tornou público depois que um áudio foi publicado pelo jornal O Estado de São Paulo. Para os servidores, Camargo atacou o movimento negro.
“Os vagabundos do movimento negro. Esta escória maldita. (…) Tem gente vazando informações aqui para a mídia, vazando para um mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo. Não vai ter nada para terreiro na Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Macumbeiro não vai ter nem um centavo.”
Sérgio Camargo, que é jornalista, já afirmou que a escravidão foi “benéfica para os negros” e atacou as cotas raciais. Em 3 de junho deste ano, disse que “negros são livres, não propriedade da esquerda.”
Camargo foi alvo de uma representação do Ministério Público Federal (MPF), que o acusa de improbidade administrativa por publicações feitas institucionalmente pela Fundação Palmares na internet.
Em 13 de maio, dia em que se comemora a promulgação da Lei Áurea no Brasil, a autarquia publicou conteúdo que promove um revisionismo sobre a figura de Zumbi dos Palmares. As postagens em questão colocam em xeque informações relativas à história do líder de Palmares. Em um desses conteúdos, o autor de um texto afirma, por exemplo, que há “endeusamento de Zumbi”, numa manifestação que gerou reações em cadeia de diferentes grupos no país.
Governo cita no documento secretaria extinta por Bolsonaro
O governo brasileiro cita, também, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), que era vinculada ao Ministério da Educação (MEC), mas que foi extinta em janeiro de 2019, primeiro mês da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) à frente do país.
“Outras iniciativas que contribuíram em aumentar a eficácia da lei (No. 10,639/2003 ”Diversidade nas Universidades”), foram por exemplo, oficinas e cursos de formação para educadores da rede pública nos estados com a maior porcentagem de Afro-Brasileiros, e a inclusão da temática em cursos técnicos e vocacionais, entre outras iniciativas coordenadas pela Secretaria de Educ. Continuada, Alfabetiz, Diversidade e Inclusão (SECADI), do Ministério da Educação.”
A Lei 10.639 foi aprovada em 2003, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas do país.
Traduções e colaboração de Italo Piva
Edição: Leandro Melito
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Bolsonaro presente no Carnaval da Alemanha, em 2020. Suástica desenhada no interior da bandeira do Brasil foi removida após recomendação de promotores públicos de Düsseldorf. Foto: DW