PGR fixa três teses e defende o uso da ação civil pública para evitar pagamento de indenização a particular por terra pública

Manifestação foi em recurso extraordinário em ação de desapropriação de área, movida pelo Incra

O procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) a fixação de três teses envolvendo o Tema 858 da sistemática de repercussão geral, referente a “aptidão ou não da ação civil pública para afastar a coisa julgada, em particular quando já transcorrido o biênio para ajuizamento da rescisória”. Segundo essa modalidade de julgamento, todos os processos sobre o mesmo assunto ficam suspensos até o julgamento de mérito pelo Plenário. Ao final, o resultado passa a vincular as decisões em todas as instâncias.

A manifestação foi feita no Recurso Extraordinário 1.010.819/PR. O pano de fundo do caso é uma ação de desapropriação movida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra um proprietário rural. Ao final do processo, já transitado em julgado, decidiu-se pelo pagamento de indenização pelo Estado ao expropriado.

Ocorre que as terras estavam em área de fronteira, que por determinação constitucional são da União. Tal fato levou o Ministério Público Federal (MPF) a ajuizar uma ação civil pública, sob a alegação de o expropriado não fazer jus a qualquer verba indenizatória, considerando-se o caráter das terras em questão. Liminarmente foi deferida a suspensão da liberação do valor indenizatório depositado nas ações de desapropriação, inclusive honorários advocatícios, até o trânsito em julgado da ação civil pública.

Em razão da complexidade do tema, Augusto Aras propõe a divisão das teses em três tópicos. O primeiro deles é de que não há formação da coisa julgada – momento a partir do qual a decisão judicial é imutável – na ação de desapropriação, especificamente em relação ao domínio da área desapropriada, quando tal questão [domínio] não tiver sido objeto de discussão na ação de desapropriação.

Isso porque ações de desapropriação se voltam ao debate acerca da indenização, e apenas excepcionalmente admitem discussão com relação ao domínio das terras expropriadas. A ação não implica o reconhecimento da propriedade do particular. E na hipótese de haver dúvida quanto ao domínio da área, a legislação veda a liberação da indenização.

“No caso concreto, o domínio público das terras não foi discutido nos autos da ação de desapropriação, que se deteve na análise do decreto expropriatório e do valor de indenização. A coisa julgada, portanto, é incapaz de impedir a discussão jurídica quanto ao domínio dos bens”, esclarece Augusto Aras, ao enfatizar não haver, nesse caso, ofensa à coisa julgada.

A segunda tese diz respeito à aptidão da ação civil pública como instrumento idôneo para obstar o pagamento de indenização, e das demais verbas dela resultantes, fixadas em ação de desapropriação já encerrada, embasada em fatos falsos em relação ao domínio. Esse entendimento, segundo Augusto Aras, aplica-se mesmo após o transcurso de dois anos, exigido para ajuizamento da ação rescisória.

De acordo com a Constituição, a ação civil pública é o instrumento próprio para o desempenho do poder-dever do Ministério Público de tutelar os interesses sociais e individuais indisponíveis bem como de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. Nesse sentido, é instrumento adequado para declarar nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, evitando-se que sejam pagas indenizações pela desapropriação de áreas que já pertencem à União.

“É possível obstar o levantamento da indenização em ação civil pública, mesmo que transcorrido o prazo decadencial da rescisória, pois não há falar em imutabilidade da decisão, ao considerar a ausência de ‘justa indenização’ em se pagar quantias vultosas embasadas na titularidade de bens dos expropriados que, em verdade, sempre foram da União”.

Por último, a terceira tese é no sentido de que a existência de pendência de ação judicial – em que se discute o valor da indenização, ante o debate acerca da dominialidade da área expropriada – impede a liberação dos valores depositados a título de honorários sucumbenciais.

“No caso, está pendente decisão final em ação civil pública em que se discute o domínio do imóvel litigioso, correta é a suspensão do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais fixados em ação de desapropriação, tendo em vista a impossibilidade de desvinculação do resultado das demandas para fins de determinação dos ônus sucumbenciais”, afirma. Isso porque se ao final se concluir, após o trânsito em julgado da ação civil pública, que é indevida a indenização fixada em ação de desapropriação, também seria afetada a sucumbência.

Parecer e teses – Ao final, o procurador-geral da República opina pelo desprovimento do recurso extraordinário e sugere a fixação das seguintes teses:

I – Inexiste formação de coisa julgada na ação de desapropriação em relação ao domínio da gleba desapropriada quando tal questão não foi objeto de efetiva discussão na ação de desapropriação, em especial em relação à alegação de ser pública a propriedade, pois dotado o bem público do atributo da imprescritibilidade.

II – A ação civil pública é instrumento idôneo para obstar o levantamento da indenização, e das demais verbas dela resultantes, fixadas em ação de desapropriação já encerrada e cuja sentença está embasada em premissa fática falsa em relação ao domínio, com efeitos lesivos ao patrimônio público, mesmo após decorrido o biênio da rescisória.

III – A pendência de ação judicial em que se discute a totalidade do valor da indenização, ante o debate acerca da dominialidade da área expropriada, impede o levantamento dos valores depositados a título de honorários advocatícios sucumbenciais, tendo em conta que a aferição da sucumbência é impactada pelo resultado da nova ação.

Íntegra da manifestação RE 1.010.819/PR

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República

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