No Brasil, segue a procissão dos mortos. Por Elaine Tavares

No Palavras Insurgentes

No quinto mês do ano da peste chegamos aos 100 mil mortos no Brasil, enquanto nos EUA são 155 mil. Pelo visto, já, já, o nosso paisinho ultrapassa a matriz, para alegria dos que governam. Enfim, poderemos estar na frente do “tio” Sam. Seguindo à risca a lógica do sistema capitalista, os mortos que se mantenham em silêncio, pois “há que tocar a vida”. Não há novidade ou assombro diante da declaração presidencial, afinal, assim tem sido desde sempre. Os empobrecidos, os trabalhadores, aqueles que têm de seu apenas o corpo nu, esses não têm a menor importância. Não há sequer que pranteá-los. Desde que a máquina de tear foi inventada e os camponeses ingleses foram expulsos do campo para se venderem na cidade industrial que tem sido assim. Sem qualquer meio para prover a vida, sem nem uma nesguinha de terra, os trabalhadores foram morrer nas fábricas. Ali trabalhavam 20 horas ou mais e acabavam morrendo moços, de tanta miséria. Não passava nada. Os ricos tocavam a vida. 

Para quem quiser saber em detalhes sobre como era a vida no início do capitalismo, basta ler o luminoso livro de Frederich Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, ou para os mais renitentes com a leitura, ver o filme “Germinal”. Os trabalhadores sempre morreram como moscas. E passados séculos, nada mudou. Talvez o cenário, apenas. Se não há pandemia, há exploração, miséria, assassinatos. Basta uma olhada nesses programas imundos do tipo Datena. Os corpos caem sem parar. Isso se naturaliza porque as mortes parecem acontecer devagar e espalhadas, então, aparentemente não guardam relação. E mesmo quando as mães pretas, de crianças pretas, saem em passeata pelas ruas do Rio de Janeiro, ou de São Paulo ou de Florianópolis, pedindo justiça pelo assassinato de seus filhos, a maioria olha insensível: “não é comigo”, ou então, pior: “Alguma coisa deve ter feito pra morrer assim”. 

Agora, quando o novo coronavírus surgiu, já se sabia: os que iam morrer seriam os empobrecidos, os trabalhadores. Sem cuidado com eles, pereceriam. E não deu outra. Para o sistema, a morte de 1% da população significa coisa alguma, nada, logo, não há o que prantear. Toquem a vida, dizem para os que sobrevivem, sigam trabalhando e nos enriquecendo. E os que ficam tocam a vida, de novo, sem guardar relação com a lógica que os domina. É um massacre, não apenas de vidas, mas de consciências, porque os que não são tocados pela ceifadora seguem caminhando sem compreender porque tantos morreram. “Foi o destino”, “deus no comando” ou pior: “malditos comunistas”. 

A verdade é que não foi o destino. Foi o descaso. O governo federal minimizou a doença, sugeriu que ninguém ficasse em casa, tripudiou do uso da máscara, incentivou a aglomeração. Não fosse isso, muito menos gente teria morrido. Cuba, a pequena ilha caribenha, socialista, é um exemplo disso. Com 11 milhões de habitantes teve 88 mortes. O governo cuidou de seu povo. A Bélgica, capitalista, com o mesmo número de habitantes (11 milhões), teve 9.800 mortes. Uma diferença abissal, sendo que a Bélgica é rica e Cuba é um país bloqueado. 

No Brasil, alegando que não era coveiro, o presidente da nação se recusou a dar um trato unificado à doença. Jogou a responsabilidade para cada governador, cada prefeito. E todos eles, pressionados pelos empresários, foram entregando, de bandeja, as cabeças e os corpos dos trabalhadores brasileiros. Que se salve a economia. Danem-se as pessoas. Outras sobrarão para substituir. Vamos tocar a vida. 

Há projeções de que até outubro o país chegue aos 200 mil mortos. Para o sistema, nada. 1%. E para os que sobrarem também parecerá que foi muita gritaria por tão pouco. Afinal, as novelas serão retomadas, as aulas voltarão, o comércio reabrirá todinho, será lançado um novo Ifone, as academias de ginástica voltarão a ser o templo do corpo, a Amazon divulgará seus lucros estratosféricos, os bancos abrirão linhas de empréstimos e tudo ficará no passado. O sistema capitalista segue vigoroso, até fortalecido, afinal, morreram tantos velhos, quantas aposentadorias que já não serão mais necessárias. Será então a hora de criar um novo imposto, aumentar o preço dos produtos, alguma coisa assim que leve as pessoas a trabalharem mais para poderem manter a existência. Marx já dizia isso lá no século XIX: “para o capital, os trabalhadores devem ganhar não tão pouco, para evitar que morram, nem tão muito que os leve à preguiça”. Manter o trabalhador no limite. É e será perfeito. 

Os mortos? Ah, os mortos. Esses estarão bem, na glória de deus, que foi quem quis assim. 

Cemitério de Manaus. Alex Pazuello /Semcom /Fotos Públicas

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

3 + 12 =