Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprova, por unanimidade, moção de repúdio à declaração do parlamentar do PSL; político já foi acusado de incentivar invasão de território Xavante; revelações do De Olho nos Ruralistas sobre o bispo repercutem no exterior
Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas
O deputado federal bolsonarista Nelson Barbudo (PSL-MT) atacou a memória do bispo emérito de São Félix do Xingu, dom Pedro Casaldáliga, morto no último dia 08, aos 92 anos. “Ele desencarnou e o capeta que o tenha em um bom lugar”, afirmou o político, durante uma live do site O Bom da Notícia. Ele justificou o ataque ao tachar o religioso católico como comunista: “Um lugar bom para comunista, para mim, é no inferno”.
A causa do ódio de Barbudo, segundo ele, é a atuação do religioso em defesa da demarcação da Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante. “Ele conseguiu acabar com a vida de 400 e poucas famílias”, disse Barbudo. “Eu não estou contra os índios. Mas eu não respeito comunista”.
A defesa dos direitos dos indígenas a terra obrigou Casáldaliga a sair por um tempo do Mato Grosso, sob proteção da Polícia Federal, por causa de ameaças de morte feitas por fazendeiros de Alto Araguaia, onde houve a desintrusão — ou seja, a expulsão dos invasores. Foi apenas uma das vezes que o bispo foi ameaçado de morte por latifundiários da região.
Em contrapartida, o deputado estadual petista Valdir Barranco (PT) encaminhou à Assembleia mato-grossense um Projeto de Resolução para criação da Comenda Dom Pedro Casaldáliga.
DEPUTADO FOI ACUSADO DE INCENTIVAR INVASÕES A TERRA INDÍGENA
Por mais que queira negar, Nelson Barbudo se destaca por sua atuação anti-indígena. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), Barbudo prometeu invadir a demarcação e devolver o espaço a agropecuaristas retirados da reserva, em 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O Ministério Público Federal afirmou, em nota, que vai responsabilizar civil e criminalmente quem tentar invadir a área indígena. A história é contada por De Olho nos Ruralistas na reportagem “Ruralista sem terras, Nelson Barbudo é acusado de incentivar invasões de terra dos Xavante”.
A fala de Barbudo provocou a reação da Assembleia Legislativa do Estado, que aprovou, por unanimidade, uma moção de repúdio à declaração ofensiva. A moção oi apresentada pelo deputado estadual Dr. Eugênio (PSB), que representa a região do Alyo Araguaia. O texto aprovado destaca a covardia das afirmações e o desrespeito ao povo:
O que nos deixou perplexos e na obrigação de produzir esta Moção de Repúdio, foi a citação feita a seguir, em que, gratuitamente, faz referências inaceitáveis à memória do Bispo Dom Pedro Casaldáliga, chegando ao extremo de comemorar a morte do bispo, isto mesmo, comemorar a morte, atribuindo para o destino da alma do bispo o “caminho do inferno”, e que o “capeta que o tenha num bom lugar”. Ora, isto é uma ofensa não só à memória do bispo Dom Pedro Casaldáliga, mas também ao povo da região Araguaia, ao povo mato-grossense e ao povo brasileiro. É de indignar a qualquer pessoa, ouvir o que o Deputado Federal Nelson Barbudo disse, envergonha-nos como parlamentares profundamente. Foi uma verdadeira agressão a toda a população de Mato Grosso, pois a maneira de um homem público de dirigir-se aos ausentes não pode ser como foi, de maneira desrespeitosa, uma atitude covarde.
O PDT mato-grossense também divulgou uma nota em que repudia o discurso e o comportamento de ódio de Barbudo:
O deputado não respeita a liderança mundial que é Dom Pedro Casaldáliga. Não respeita diversos mato-grossenses que aprenderam e tiveram orientações para uma vida melhor com as lições e práticas reconhecidas do religioso. O parlamentar não sabe o seu devido lugar no cenário político brasileiro. Ele é adepto ao discurso e comportamento de ódio, da divisão e da destruição das lutas populares. O deputado se esquece que é uma liderança que deve respeitar as bases populares, com suas crenças, devoções, religiosidade e costumes.
REPORTAGEM SOBRE O BISPO REPERCUTE NA ESPANHA
De Olho nos Ruralistas divulgou na segunda-feira documentos que mostram como a ditadura instaurada em 1964 e até mesmo o governo de José Sarney, em 1989, perseguiram o bispo espanhol. A ditadura, por motivos similares aos do deputado Barbudo. A embaixada brasileira comandada pelo governo “democrático” de José Sarney trabalhou para que ele não fosse indicado a um prêmio literário na Espanha, promovido por um membro da família real: “EXCLUSIVO — Ditadura investigou até poemas escritos por Dom Pedro Casaldáliga“.
Dois importantes veículos europeus especializados em religião repercutiram a reportagem, assinada pelo jornalista Lázaro Thor Borges. Um deles, o principal em língua espanhola, o Religión Digital, que publicou o seguinte título: “Ditadura brasileira espionou Dom Pedro Casaldáliga durante anos”. Outro, em língua inglesa, o Novena News, com a seguinte chamada: “Comunista espanhol indesejável: ditadura brasileira espionou o bispo ‘subversivo’ Casaldáliga”.
A notícia repercutiu também na América Latina, como no site argentino Ciberfogón. O primeiro jornalista estrangeiro a divulgar a informação, no Twitter, foi o nicaraguense Israel González Espinosa, especializado em informações sociais e religiosas.
Nesta quarta-feira foi a vez de um veículo catalão (região de origem de Casaldáliga) divulgar as informações sobre a perseguição contra o bispo, o Regió7.
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Foto principal (Reprodução): Nelson Barbudo, o deputado estadual que comemorou a morte do bispo