Por que Bolsonaro e Crivella precisam de guardiões?

por Marina Amaral, em Agência Pública

Não se sabe se por lapso ou cálculo o presidente Jair Bolsonaro usou uma curiosa expressão em seu discurso ontem na formatura de aspirantes da Marinha. “Guardiões da democracia”, disse o presidente sobre os militares, o que remete a outros “guardiões” em voga, os de Marcelo Crivella. Revelado pela TV Globo, o esquadrão de funcionários pagos pela prefeitura do Rio, que atuava para intimidar cidadãos que reclamassem dos serviços públicos e atrapalhar o trabalho de jornalistas, quase causou o impeachment do prefeito do Rio. Depois disso, na sexta-feira passada, foi instalada a CPI  dos “Guardiões do Crivella” – na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. 

A coincidência da expressão é ainda maior, porque o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, estava ao lado do presidente quando ele se referiu aos militares como “guardiões da democracia”. Isso pouco depois da casa e do gabinete do prefeito serem alvo de buscas da PF no âmbito da Operação Hades, deflagrada em março, que investiga o “QG da propina”, um suposto esquema de cobrança de propinas de empresas para a liberação de verbas da Prefeitura do Rio, centrado na Riotur. 

Nos dois esquemas suspeitos em que o bispo Crivella se envolveu, paira a sombra de seu tio, Edir Macedo, o dono da Igreja Universal do Reino de Deus, que aderiu à campanha de Bolsonaro e tem um dos maiores grupos de mídia abertamente favoráveis ao governo, a TV Record. Curiosamente, o site da Igreja Universal também leva a palavra “guardiões”, desta vez “da fé”. Mas há outras coincidências. O chefe dos “Guardiões de Crivella”, Marcos Paulo de Oliveira Luciano, contratado como assessor do prefeito por R$ 10.513,00, foi missionário da Igreja Universal na África junto com Crivella. Também coordenou a campanha do amigo bispo para a prefeitura do Rio. 

Nepotista assumido, que foi impedido pelo STF de nomear o filho para a Casa Civil, Crivella tinha como tesoureiro de campanha o primo Mauro Macedo, também parente de Edir, e alvo de investigação na mesma operação Hades. Antes dessa operação, em uma delação do ex-presidente da Federação de Transportes Públicos no Rio de Janeiro (Fetranspor), Mauro Macedo foi acusado de receber 2.5 milhões de doações ilegais dos empresários de ônibus para a campanha de Crivella à prefeitura em 2016. 

Talvez a força do tio explique por que as acusações de corrupção contra Crivella não abalam sua aliança com o clã Bolsonaro, este atingido pelas “rachadinhas”. Bolsonaro apoia a reeleição de Crivella pelo Republicanos, que tem entre seus candidatos a vereador Carlos Bolsonaro e sua mãe, Rogéria Nantes. Prefeito e presidente têm suas afinidades: o amor pela famiglia, o ódio à imprensa, especialmente à Globo, e o bordão “Deus acima de todos”.

Mesmo as relações com o submundo carioca que apareceram no caso envolvendo Crivella não devem chocar o clã presidencial, enrolado com as milícias cariocas. O empresário que comandaria o esquema na Riotur, Rafael Alves, vem do mundo “pecaminoso” do jogo do bicho e das escolas de samba. Crivella colocou o irmão de Rafael na presidência da Riotur, e os dois se tornaram tão próximos que o empresário viajou com Crivella para Jerusalém. 

Bolsonaro já disse que quer armar seus legionários para “se defender” e não hesita em apelar para os “guardiões” das Forças Armadas. Crivella assumiu participar do grupo de whatsapp dos “guardiões”, a quem chamou de “apoiadores” espontâneos, e nem se dignou a explicar por que seu celular foi apreendido pela PF. Acuada pelas hostes, à população só resta se defender de promessas e notícias falsas – da pandemia à corrupção. Se Crivella perder a reeleição no reduto eleitoral de Bolsonaro, o castelo de cartas deve começar a cair. 

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