Relatório da Defensoria Pública do Estado mostra que 70% dos acusados de forma enganosa eram negros
Um levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) aponta que houve erro em pelo menos 58 casos de reconhecimento fotográfico que resultaram em acusações injustas e mesmo na prisão de pessoas que nada tinham a ver com o crime que lhe era imputado. O levantamento reforça o impacto do racismo estrutural: 70% dos acusados injustamente eram negros.
As informações foram apresentadas por defensores públicos de 19 varas criminais do estado entre junho de 2019 e março de 2020 e fazem parte de um relatório da Coordenadoria de Defesa Criminal e da Diretoria de Estudos e Pesquisa de Acesso à Justiça da DPRJ.
Segundo a Defensoria, todos os casos cumprem três requisitos: o reconhecimento pessoal em sede policial (normalmente, delegacia) ter sido feito por fotografia; o reconhecimento não ter sido confirmado em juízo; e a sentença ter sido a absolvição. Quanto a cor da pele, 40 foram declarados como negro (preto ou pardo) e apenas dez são brancos, considerando apenas os casos com informação (8 não tinham).
Coordenador de defesa criminal da DPRJ, o defensor Emanuel Queiroz afirma que o Ministério Público promove acusações “de forma acrítica” com base em material falho e o Judiciário não só admite a imputação como decreta a prisão processual do acusado.
“MP e Justiça não se dão conta que essas investigações pífias só acontecem porque eles ratificam essa postura policial. Não cumprem com seu dever de controlar a atividade policial, tornando o sistema de justiça injusto, além de reproduzir o racismo espelhado na atividade investigativa das agências de segurança pública”, observa Queiroz.
Casos
Algumas situações chamam atenção. Em um dos casos, a vítima esteve duas vezes na delegacia em momentos diversos e identificou fotos diferentes em cada um deles. Em outro, a vítima disse em depoimento que não tinha certeza sobre o reconhecimento, demonstrando dúvida em relação às várias fotos que foram apresentadas. Apesar disso, a acusação foi mantida.
Também chama a atenção um caso de reconhecimento por foto no celular do policial lotado na UPP do local, procurado pela vítima logo após a ocorrência. O acusado já foi absolvido em três processos anteriores ao relatado, todos pelo mesmo motivo: falta de confirmação do reconhecimento em juízo.
A maioria das absolvições vem inclusive por essa razão. Diante do juiz, a vítima não manteve o reconhecimento. Mas há outras evidências de erros graves quando da utilização desse método de reconhecimento. Em um dos processos, ficou comprovado que os dois acusados estavam presos por outro crime na data dos fatos; em outro, o acusado usava tornozeleira eletrônica e o simples rastreamento do equipamento comprovou que ele estava em outro lugar. Por fim, há o caso de um acusado que comprovou estar trabalhando embarcado na data da ocorrência.
Metade dos acusados tinha anotações anteriores, o que explica constarem nos registros fotográficos das delegacias. Isso mostra ser comum a apresentação de fotos de pessoas acusadas de outros crimes, o que reforça a estigmatização criminal.
“Esse estudo é um pequeno retrato de como o sistema de justiça criminal funciona mal. Temos outros casos que não foram incluídos ainda no levantamento, casos como de um sujeito com 19 acusações fundadas em reconhecimento fotográfico, 3 condenações e 14 absolvições, todos inquéritos da mesma delegacia de polícia. Infelizmente, a investigação se limita ao reconhecimento fotográfico; sequer ouve-se o indiciado – reforça o coordenador de defesa criminal.
O relatório também revelou registro de 50 casos em que houve decretação de prisão preventiva, o que corresponde a 86,2% do total analisado. O tempo mínimo de prisão foi de cinco dias, mas houve casos em que o acusado precisou esperar por cerca de três anos, para ao final, ser absolvido.
–
Edição: Eduardo Miranda
Ações de enfrentamento ao racismo, de reconhecimento de populações quilombolas e de violência contra a mulher foram alvo do corte de verbas – Reprodução