“Guardiões da floresta” encontram fazenda de gado dentro de território indígena no MA

Área desmatada tem 136 hectares; indígenas já coletaram provas e comunicaram às autoridades

Mariana Castro, Brasil de Fato

Indígenas que integram o grupo conhecido como “guardiões da floresta” identificaram em agosto uma fazenda de gado dentro da Terra Indígena (TI) Arariboia, no sul do Maranhão. Mais de 136 hectares já foram desmatados na área, que fica ao lado da aldeia Lago Branco.

Os guardiões fazem o monitoramento dos territórios por conta própria, para evitar invasões e desmatamento ilegal. Munidos de barcos, câmeras, GPS e arco e flecha, eles realizam expedições noite adentro nas matas e percorrem atentos os mais de 400 mil hectares da TI, uma das mais extensas e perigosas do país. Lá foi assassinado, em 2019, “o lobo”, como era chamado Paulo Paulino Guajajara.

O atual coordenador dos guardiões é Olímpio Guajajara, conhecido como “o guardião de três São Paulos de floresta”.

Entre uma missão a outra, Olímpio se desculpa pela falta de tempo para atender à reportagem. Compreensível: com tantas queimadas e invasões, a floresta não espera.

A fazenda de gado foi encontrada durante trabalho rotineiro dos guardiões, que faziam a limpeza da linha seca no território. A limpeza foi suspensa e eles deram início à coleta de material que pudesse servir de apoio para ações das autoridades, entre elas Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop).

Olímpio conta que, embora o trabalho seja feito por conta própria, há uma articulação permanente entre os indígenas. Cuidar uns dos outros é um dever de todos. 

“A gente está fazendo por conta própria, mas articulado também entre nós. Enfrentamos risco de morte para tentar proteger milhares de vidas na floresta: a dos animais, a nossa, dos Guajajara, e os Awá Guajá, que também se encontram em alta vulnerabilidade dentro desse contexto”, ressalta o coordenador dos guardiões. Os Awá Guajá são povos isolados ou de recente contato que vivem nas florestas do Maranhão.

“A gente mediu a área. Tem gado lá dentro, rastros de pessoas e tem também as pessoas lá da fazenda, que ficaram acompanhando a gente a distância, mas não se aproximaram”, relata Olímpio

Após o assassinato de Paulo Paulino, em novembro de 2019, alguns guardiões foram retirados do convívio social e alojados em endereços sigilosos. Eles são amparados pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), onde estão inscritos cerca de 20 indígenas maranhenses. 

“A gente recebe as ameaças constantemente, porque estamos defendendo um pedacinho do pulmão do planeta para todos nós. Não só para os guardiões, não só para os povos indígenas, mas em nível mundial. E a importância é essa: dar continuidade à vida dos seres humanos e dos nossos descendentes nesse planeta”, explica o indígena.

Logo que coletaram dados de monitoramento, os guardiões acionaram diversos órgãos federais e estaduais de fiscalização e controle. Após cerca de um mês de diálogo, conseguiram o deslocamento de um conjunto de servidores da Força Tática Local do Grupo de Operações Especiais (GOE) e do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA) até o local.

“A gente está acionando os poderes que têm a responsabilidade de ir lá. Articulamos com o Ibama, articulamos, apesar de toda a dificuldade em conseguir apoio das forças do Estado. A gente cobrou que o próprio estado do Maranhão ofereça condições. Mas, até que enfim, a gente conseguiu”, observa Olímpio.

A pedido dos guardiões, a coordenadora do Sedihpop, Adriana Carvalho, explica que a força policial se somou a um conjunto de ações já previstas no calendário estadual durante o período de queimadas para prevenção de incêndios e avivamento dos limites das terra indígenas, em razão dos riscos de conflito. O apoio dos órgãos dentro da TI aconteceu durante os dias 14 e 20 de setembro.

“Nós disponibilizamos tanto homens do efetivo do GOE, quanto o efetivo do Batalhão do Policiamento Ambiental. Porque, com certeza, com essas agendas de identificação e de limpeza do entorno da terra, são sempre constatados alguns ilícitos e crimes ambientais. Para isso, a gente conta também com a participação de servidores da Funai, da Coordenação Regional em Imperatriz e também de equipes do Ibama”, explica Carvalho.

Sucateamento

Durante a campanha à Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro deixou claro que a Amazônia era um de seus alvos. Criticado por declarações de ódio aos povos indígenas, ele aprofundou o sucateamento da Funai desde as primeiras horas de governo. Logo no primeiro dia, tentou transferir o poder de demarcação de terras indígenas aos ruralistas.

As mudanças estruturais se somam a discursos que são lidos como estímulo para ataques de fazendeiros, madeireiros e grileiros. Durante a pandemia, o presidente vetou pontos estratégicos do “Plano Emergencial de Enfrentamento à COVID-19 nos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas, Pescadores Artesanais e Povos e Comunidades Tradicionais”, como a exigência do direito de fornecimento de água potável e distribuição de materiais de higiene e cestas básicas.

“Eles são omissos à nossa causa e à causa do nosso planeta”, resume Olímpio Guajajara, acrescentando que o contexto de desmonte do Estado e ataques a indígenas só reforça a importância do trabalho dos guardiões.

Edição: Daniel Giovanaz

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