Desastres e tragédia. Por Lúcio Flávio Pinto

No Correio da Cidadania

No interior da Paraíba, onde cumpria, no dia 17, mais uma etapa da campanha eleitoral mais antecipada de toda história da República, visando a reeleição dentro de dois anos, o presidente (e ex-capitão do exército) Jair Messias Bolsonaro garantiu:

“O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente e, alguns, não entendem como, é o país que mais sofre ataques vindos de fora, no tocante ao seu meio ambiente. O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio-ambiente”.

Ontem mesmo, as imagens de satélite levaram o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas espaciais) a prever que setembro será o mês com mais focos de incêndios da história registrada do Pantanal, podendo destruir um terço da sua extensão. O recorde também poderá ser batido na Amazônia e em outros pontos do território nacional, como o castigado cerrado goiano ou o interior de São Paulo. A fumaça poderá enegrecer o céu e a chuva da maior cidade do continente. Chegará até o extremo meridional, no Rio Grande do Sul.

Na verdade, o Brasil está de luto. O Brasil está sofrendo uma das maiores destruições do seu patrimônio natural, atingindo boa parte da sua população, mesmo a distante dos focos de fogo, que sequer conhecem ou entendem. Em conjunto, provavelmente, a maior de todos os tempos. Quem dá parabéns à nação neste momento ou é psicopata, ou é esquizofrênico ou é cínico, ou é amoral. Ou é tudo ao mesmo tempo.

Só quem vivenciou a história brasileira neste meio século recente pode medir a gravidade da estultícia de Jair Bolsonaro ou sentir a dor ao se deparar com o contraste entre as cenas reais de devastação do país e as declarações criminosas da maior autoridade pública desse mesmo país.

O fogaréu que crepita como inferno há semanas e se espalha como nunca pelo espaço territorial do quinto maior país do mundo não é produto de acidentes naturais, como relâmpago ou combustão espontânea, ou de um acidente humano fortuito, como na Califórnia, no Oregon ou em Washington, na costa oeste dos Estados Unidos. É incêndio criminoso. A Polícia Federal investiga quatro suspeitos de terem provocado incêndios.

As queimadas de 2019 não foram tão devastadoras quanto neste ano, mas fazendeiros, grileiros, extratores de madeira e especuladores em geral assumiram, no Pará (nos municípios ironicamente denominados Castelo dos Sonhos e Novo Progresso), a autoria do fogo. Achavam-se resguardados pelas declarações do presidente da República, que insuflara as hordas de destruidores de florestas a prosseguir a sua ação “desenvolvimentista”.

Bolsonaro modulou a retórica depois, encenando o suficiente para se permitir fazer afirmativas estúpidas como a de ontem, enquanto age em sentido inverso. Os assassinos da natureza interpretaram essa contradição como um recado implícito: por trás do faz-de-conta há um presidente que despreza a natureza. O que ele quer é estrada, fazenda, mineração, hidrelétrica – “desenvolvimento”. A qualquer custo. Para o maior lucro possível. Como se fora uma versão depravada e selvagem do plano de metas (50 anos em 5) de Juscelino Kubitschek.

No início da década de 1970 circulei por todas as frentes que rasgavam as terras altas da Amazônia para abrir caminho para esse tipo de desenvolvimento. Um modelo de ação de tal obtusidade que fez o Brasil entrar na contramão da busca por uma nova forma de harmonização da atividade humana e a natureza na famosa conferência de Estocolmo, de 1972.

O discurso era: ah, vocês não querem a poluição, então a mandem para cá; com a fumaça vem a fábrica; com ela, o desenvolvimento e o Brasil Grande.
Quem esteve no Pantanal, a região mais idílica do Brasil (que os cientistas nacionais, sob o estímulo dos relatórios da Comissão Rondon, diziam ser capaz de alimentar 500 milhões de pessoas sem colidir com o ambiente), viu o brutal choque ecológico quando o leito da rodovia Transpantaneira, com 150 quilômetros de comprimento, funcionou como verdadeira represa, separando as águas, criando uma nova fisionomia geográfica, que lançou toda vida, sobretudo a animal, num caos inesperado.

Animais morriam, perplexos, imóveis, sem absorver a nova paisagem, perdendo as informações transmitidas por centenas de gerações da espécie. O Pantanal levou quatro décadas para se refazer dessa profunda lesão.
Quanto tempo levará agora para se recuperar de um desastre muitas vezes maior – como o anterior, provocado pelo mais nocivo dos seres vivos do planeta, o homem?

Quanto tempo ainda terá que suportar essa tragédia chamada Jair Messias Bolsonaro?


Imagem: A foto que abre este artigo mostra equipe de resgate e tratamento de animais durante as queimadas no Mato Grosso. Na foto um tuiuiú, ave símbolo do Pantanal, sendo medicado. (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)

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