Justiça barrou processo no Conselho Ambiental; autorização colocaria em risco o abastecimento de água da RMBH
Marcelo Gomes, Brasil de Fato
Na última terça-feira (27), o Tribunal de Justiça de Minas (TJMG) barrou um processo no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), que iria autorizar ou não a mineração na Serra do Rola Moça (região metropolitana de Belo Horizonte). A decisão monocrática é da juíza Cláudia Costa Cruz Teixeira Fontes, da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, em primeira instância.
Ela decidiu em resposta a uma provocação de cidadãos contrários à instalação de atividades minerárias na Unidade de Conservação que podem acarretar no desabastecimento de água da capital. A decisão da magistrada pode ser revista em instâncias superiores da justiça estadual. Com isso, não há uma data no Copam para o processo ser novamente pautado.
Movimentações da MGB
As atuais altas no preço da tonelada de minério e do dólar frente ao real estimulam o ímpeto de minerar a qualquer custo. Essa pode ser uma das explicações para a empresa Mineração Geral do Brasil (MGB) ter se empenhado fortemente nos últimos meses para extrair minérios na Serra do Rola Moça. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a empresa pelos telefones encontrados na internet. Também não conseguimos encontrar e-mails.
Em março deste ano, a MGB atestou à Agência Nacional de Mineração (ANM) a não estabilidade de uma de suas barragens na Mina de Casa Branca, em Brumadinho. Paralelamente, a mineradora entrou com uma ação na Justiça Federal solicitando autorização para descaracterizar seu barramento. Ou seja, desmontar a estrutura de rejeitos. A Justiça concedeu o pedido.
Parque do Rola Moça é o terceiro maior parque em zona urbana do país
De acordo com informações do Blog Lei.A, na solicitação da MGB a empresa argumenta que não poderia esperar a morosidade da análise dos órgãos ambientais mineiros para a autorização da descaracterização.
Na Secretaria de Meio Ambiente de Minas (Semad),o licenciamento em tramitação refere-se a atividades minerárias, não à descaracterização de barragens. A MGB utilizou a decisão da Justiça Federal no Copam, autorizando a descaracterização da barragem, pretendendo conseguir a licença para minerar. Do ponto de vista jurídico isso não poderia ter ocorrido porqueo desmonte das barragens não tem pertinência legal com o licenciamento.
Requerimento para minerar no Rola Moça
No Copam, o requerimento para minerar no Rola Moça chegou em 25 de setembro. A decisão foi adiada para esta terça em razão de um pedido de vistas de Julio Grilo, um dos membros da autarquia e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Além de ter se movimentado na Justiça Federal, também este ano, a MGB promove um lobby na Assembleia Legislativa de Minas (ALMG).
Uma fonte do parlamento contou à reportagem que representantes da empresa estiveram em gabinetes dos deputados a fim de os sensibilizarem a ajudar a empresa. “Teve deputado que nem ligou para isso, como teve outros que estão dispostos a ajudar”, disse o interlocutor, que preferiu o anonimato e não soube precisar em quantos e quais gabinetes parlamentares funcionários da MGB estiveram.
Pretensões antigas
Embora este ano tenha se intensificado, a pretensão da mineradora na Serra do Rola Moça é antiga. Tudo começou quando a empresa Extrativa Paraopeba abandonou a Mina de Casa Branca em 2001. Os direitos de exploração minerário foram para a MGB. O Ministério Público Estadual (MPMG) desde então se esforça no judiciário para barrar a mineração na serra.
Atualmente tramita no Tribunal de Justiça de Minas uma ação movida em 2018, em que Ongs, como a Ecoavis, pedem o impedimento de qualquer atividade sobre o parque do Rola Moça. Essa ação não tem relação com a que foi deferida na terça-feira. A petição dessas organizações foi gerada após a MGB naquele ano ter conseguido a permissão do Copam para minerar, o que não ocorreu.
A região do Barreiro é toda abastecida graças às nascentes do Rola Moça. Por decisão monocrática, em fevereiro de 2019 a juíza Renata Bomfim Pacheco decidiu anular a anuência do órgão estadual. A magistrada argumentou que sua decisão preveniria o Rola Moça de qualquer dano.
“O princípio da prevenção é balizador no direito ambiental, enfatizando a prioridade que deve ser dada às medidas que previnam e, não simplesmente, reparem a degradação ambiental. A finalidade é evitar que o dano chegue a ser produzido”, disse. O pedido da MGB pode retornar à pauta do Copam este ano porque o veredito de Renata Bomfim não foi em caráter definitivo. De modo geral, a decisão de terça se assemelha à concedida anteriormente.
Risco ao meio ambiente e ao abastecimento de água
A atividade minerária requer outras operações. E isso é o que a torna altamente danosa ao meio ambiente. O maior risco que as atividades minerárias representam na serra seriam os impactos sobre as nascentes de água, lá localizadas.
Naquela região, considerada o terceiro maior parque em zona urbana do país, encontra-se a maior parte das nascentes de rios e ribeirões abastecedores de Belo Horizonte. A região do Barreiro, por exemplo, segundo o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), é toda abastecida graças às nascentes do Rola Moça.
A empresa Mineração Geral do Brasil tem se empenhado fortemente nos últimos meses para extrair minérios no parque. Assim como as demais cadeias de serras circundantes em Minas Gerais, o parque estadual do Rola Moça atua como uma “caixa de água”. E das grandes. Em razão de suas condições físicas, a área do Rola Moça ao longo da formação terrestre teve maior capacidade de absorver água. Isso possibilitou um acúmulo de bilhões de litros de água, as quais poderiam secar ou não aflorar no terreno mediante os impactos da mineração.
“Em área de preservação a mineração não pode existir. A gente não pode começar a abrir precedente para isso”, opinou Julio Grilho.
Copam: maioria pró mineração
Os movimentos sociais estavam apreensivos com a reunião do Copam da tarde de terça. Havia uma grande chance de a solicitação da MGB sair exitosa. Isso porque na Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do órgão, onde são decididos processos similares ao do Rola Moça, existem 14 conselheiros, sendo que oito são do governo e representantes do setor econômico. Portanto, a palavra final lhes pertence. A sociedade tem apenas 1 representante.
Foi essa Câmara que autorizou em 2018 o aumento da barragem que mais tarde se rompeu matando pelo menos 270 pessoas em Brumadinho, em janeiro de 2019. Foi também esse colegiado do Copam que praticamente “rasgou” o novo marco da mineração no Estado, aprovado depois da tragédia-crime no município. Na região encontra-se a maior parte das nascentes de rios e ribeirões abastecedores de Belo Horizonte.
Pedido de alteamento ilegal foi autorizado
No apagar das luzes do ano passado, o Copam promoveu uma reunião para decidir sobre o pedido da mineradora Anglo American em altear (em outros termos, aumentar) sua barragem em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, cidades da região Central mineira. Esse pedido não deveria sequer constar na pauta do colegiado uma vez que fere o novo Marco da Mineração. Mas com apoio do governo a empresa poderá seguir com seus planos.
O pedido da Anglo American fere o Artigo 12 da Lei Estadual 23.291, que institui o novo marco. Entre os pontos mais duros da norma está o mencionado artigo. Ele proíbe a concessão de alteamento para barramentos próximos de comunidades. No pé da barragem da Anglo American existem centenas de famílias.
Parecer técnico da Advocacia-Geral do Estado aponta que o pedido da Anglo American não se enquadra no novo marco da mineração. No entendimento do órgão, a solicitação foi protocolada antes da edição da legislação. E que se trata do alteamento de uma barragem antiga, enquanto que a lei refere-se a barragens novas. Alteamento, porém, serve apenas para barramentos já existentes. Não existe a possibilita de se aumentar ainda mais algo que não existe. Logo, a lei abarca estruturas antigas.
Edição: Elis Almeida
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Imagem: O Parque Estadual da Serra do Rola Moça está situado entre as cidades de Belo Horizonte, Nova Lima, Ibirité e Brumadinho / Reprodução