por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde
PELO FIM DAS ISENÇÕES
Começa hoje um importante julgamento no STF: o que vai avaliar a inconstitucionalidade de determinados benefícios fiscais para agrotóxicos. Hoje esses produtos têm redução de 60% da base de cálculo do ICMS e, fora isso, alguns deles têm ainda isenção total do IPI. Todo ano o Brasil perde em torno de R$ 8 bilhões por conta de tais regalias. E isso é só os que os governos deixam de arrecadar – tem ainda o que o SUS gasta com intoxicações e adoecimentos decorrentes do uso desses produtos.
O que está em pauta no Supremo é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5533, ajuizada pelo PSOL em 2016. Ao lado do partido, a Procuradoria-Geral da República e entidades da saúde e da agricultura familiar pedem a extinção dos benefícios; defendendo a manutenção, estão a União e representantes do agronegócio. O julgamento corre no plenário virtual e está previsto para terminar no dia 10 de novembro, mas, se houver pedidos de vista ou destaques – o que é bem provável –, tem que ser reiniciado no plenário presencial, com data a ser marcada pelo presidente Luiz Fux. Nesse caso, é difícil prever um fim para essa história: a ADI já entrou duas vezes na pauta do plenário presencial, e em ambas o julgamento foi adiado por falta de tempo.
Quem defende a manutenção do ‘bolsa-veneno’ argumenta que ela é necessária para manter baixo o preço dos alimentos no Brasil. Só que não é bem assim, já que o grosso dos agrotóxicos vai para culturas voltadas à exportação. E esses preços não são ditados pelos produtores, mas pelo mercado internacional. As pequenas propriedades são as que mais produzem alimentos para consumo interno e, ao mesmo tempo, as que menos usam venenos. Seriam, portanto, pouco afetadas.
Para oferecer os benefícios fiscais, o Estado se vale do princípio da seletividade tributária, que permite isenções a produtos essenciais à vida. O PSOL argumenta que este não é o caso dos agrotóxicos; se as isenções fossem voltadas aos produtos alimentícios propriamente, aí sim, a população estaria mais protegida… Mas isso não está sequer no horizonte. “O critério da essencialidade aplicado para os agrotóxicos é mais uma das injustiças fiscais com as quais a gente convive. (…) Em contrapartida, o que é essencial para a vida do povo é o alimento, que não se encaixa neste mesmo critério”, nota Juliana Acosta, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
UMA OLHADA NO CONTRATO
A Fiocruz divulgou ontem o contrato de Encomenda Tecgnológica para a produção da vacina de Oxford/AstraZeneca contra a covid-19. Esse é o acordo que garante acesso a cerca de 100,4 milhões de doses do ingrediente farmacêutico ativo do imunizante, para que a Fiocruz envase e disponibilize a vacina pronta para o SUS. Embora inicialmente houvesse uma previsão de começar a entrega das doses agora em dezembro, no acordo o prazo para o primeiro lote acabou sendo adiado para janeiro do ano que vem.
Uma parte fundamental do conteúdo do contrato foi vazada há pouco tempo pelo Financial Times, como dissemos aqui: a farmacêutica só fica obrigada a se abster do lucro na venda de insumos até o dia 1º de julho. Há possibilidade de extensão desse prazo, mas só mediante nova negociação.
O que ainda está bem nebuloso é como vai ficar a transferência total de tecnologia – o que é importante porque somente isso permitirá à fundação autonomia para produzir tudo aqui, sem necessidade de comprar o ingrediente ativo. O texto prevê que deve haver um contrato específico sobre isso, a ser assinado até dezembro, mas não se sabe qual o estado atual dessa negociação.
Há duas semanas, quando Eduardo Pazuello anunciou a intenção (depois naufragada) de adquirir a CoronaVac, disse também que a partir de abril a Fiocruz começaria a produção própria dessa vacina e disponibilizaria mais 165 milhões de doses durante o segundo semestre. A informação divulgada pela Fiocruz ontem é diferente: o cronograma prevê que a produção “100% nacional” tenha início em agosto do ano que vem, com a entrega de 110 milhões de doses até dezembro. Mas uma fonte que, segundo o Estadão, está a par das negociações, acredita que isso só deve começar a partir do fim de 2021.
Especialistas têm levantado dúvidas sobre a viabilidade de uma transferência total de tecnologia tão rápida, o que foi bastante discutido numa matéria da Repórter Brasil que já mencionamos por aqui. Tanto na Fiocruz como no Instituto Butantan, este é um processo que leva em média 10 anos para se completar.
MENOS DE 50%?
Em entrevista à Reuters, o diretor da Anvisa levantou a possibilidade de a agência aprovar um imunizante contra a covid-19 com menos de 50% de eficácia. Antonio Barra Torres não afirmou categoricamente que isso vai acontecer (de acordo com ele, a Anvisa ainda não decidiu qual será o percentual mínimo exigido), mas lembrou que já foram aprovados imunizantes contra influenza com eficácia abaixo de 50%.
A fala se segue à notícia de que a agência reguladora da União Europeia estaria inclinada a fornecer esse tipo de aprovação, desde que as vacinas se mostrem seguras. Existe uma baita discussão em torno disso: não há muitas dúvidas de que mesmo uma vacina mediana ajudaria a reduzir a propagação do vírus, mas, por outro lado, vários especialistas apontam os possíveis reveses. Um deles é que, num primeiro momento, a população ache que todos os problemas serão resolvidos com o começo das espetadas, abrindo mão de cuidados como o uso de máscaras – se as vacinas não forem muito eficazes, isso poderia facilmente levar a um aumento das infecções. E outro é o risco de que, depois, a confiança do público na vacinação saia abalada. Afinal, ver que várias pessoas foram vacinadas e continuam ficando doentes pode não ser muito animador. São problemas realmente graves – que poderiam ser minimizado se os prováveis limites dos imunizantes fossem mais enfatizados e comunicados à população. Em vez disso, autoridades e farmacêuticas (e, muitas vezes, a imprensa também) oferecem a expectativa de uma panaceia.
AS ESCOLAS FICAM
Depois de novos picos de casos e mortes por covid-19 na Europa, hospitais em várias grandes cidades voltaram a passar por situações críticas e novos ‘lockdowns’ foram decretados. Só que, dessa vez, as prioridades mudaram: no geral, bares, restaurantes e comércio não-essencial vão fechar, mas as escolas permanecem abertas até que todas as outras opções sejam esgotadas.
A decisão (que não inclui as universidades) se baseia nos inúmeros estudos apontando que, embora a contaminação entre crianças seja possível, as escolas não se mostraram locais de grande disseminação (aqui, uma matéria na Nature publicada ontem resume o que se sabe sobre isso). No UOL, o colunista Jamil Chade escreve que, na avaliação das autoridades europeias, o impacto negativo do fechamento das escolas foi desproporcional. “Mesmo nos países ricos, foi evidenciado que nem todas as famílias tiveram como garantir o ensino virtual aos filhos, diante de uma conexão de internet abaixo do esperado ou simplesmente da falta de computadores suficientes em casa”, escreve ele. O efeito em países de baixa e média renda, claro, é infinitamente pior.
Ontem a ONU e o Banco Mundial publicaram um informe defendendo que esses estabelecimentos permaneçam abertos; para a OMS, fechá-los deve ser uma medida de “última instância”: “Sociedades precisam decidir se querem bares abertos ou escolas abertas”, disse Mike Ryan, diretor de operações da OMS – e essa é uma reflexão que temos apontado por aqui há meses.
“NA SEMANA QUE VEM”
Ontem chamamos a atenção para o fato de que o governo federal não parecia realmente disposto a desistir de incrementar a privatização no SUS. Em transmissão ao vivo ontem, Jair Bolsonaro confirmou suas intenções: “Tivemos um probleminha ontem, um decreto sobre o SUS, que não tinha nada a ver com privatização. (…). Revoguei o decreto, fiz uma nota explicando o que era o decreto, dizendo que nos próximos dias poderemos reeditar o decreto, o que deve acontecer na semana que vem”. Não acrescentou detalhes.
Já Paulo Guedes deu mil voltas para tentar convencer alguém de que “jamais esteve sob análise privatizar o SUS”, em uma audiência pública no Congresso. “Seria uma insanidade falar nisso”, afirmou. É claro que, em seguida, ele partiu para a defesa de uma ideia que adora: a de vouchers na saúde. “Está cheio de capital privado disponível. Aí eles vêm e se oferecem. ‘Olha, vamos fazer uma parceria público privada, a gente pode terminar as obras, vocês não gastam com obras, com equipamentos, e vocês dão um cheque-consulta, como se fosse um voucher de saúde, aí a pessoa vai ser atendida, é melhor do que não ter'”…
ESTÁ SUSPENSA
A ministra do STF Rosa Weber derrubou ontem a decisão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que permitia a exploração de manguezais e restingas. A decisão veio em liminar, por conta da ação movida pelo partido Rede Sustentabilidade. Agora, a medida agora fica suspensa até que o mérito seja julgado no STF.