“Podemos ter segunda onda de Covid-19 em três meses”
Por Maria Carolina Santos em Marco Zero
No dia 6 de junho, o Brasil estava com 676.494 casos e 36.044 mortes por Covid-19 em uma curva ascendente que, hoje sabemos, se multiplicaria pelos meses seguintes. Em entrevista publicada naquela data, o estatístico Gauss Moutinho Cordeiro calculava que chegaríamos em dezembro com mais de 160 mil mortos. Essa triste marca foi atingida ainda no primeiro dia de novembro.
Hoje, o Brasil acumula mais de 5,5 milhões de casos confirmados de Covid-19 e 160.785 mortes. Para o professor Gauss Cordeiro, ainda em junho, era impossível prever a irresponsabilidade nas ruas, com pessoas sem máscaras, e as aglomerações registradas cada vez mais sem constrangimento durante os feriadões.
Em junho, o pico de óbitos da pandemia em Pernambuco, que ocorreu durante o mês de maio, já havia passado. Mas as mortes persistiram. Naquela semana, eram 3.305 mortos por Covid-19. Hoje, são 8.667. O Instituto Para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE) calculou que 67,13% das mortes pela doença aconteceram após a reabertura (de 31 de maio até 24 de outubro). Nesta semana, contudo, o governo do estado deu início a 11ª e derradeira fase do Plano de Convivência com o coronavírus.
Isso significa que quase todas as atividades econômicas estão liberadas a funcionar – eventos têm restrições (mas a fiscalização…) e escolas públicas de ensino básico permanecem fechadas. É o chamado “novo normal”: a economia funcionando e as UTIs públicas para Covid-19 registrando 79% de ocupação nesta quarta-feira (04).
Na pequena entrevista abaixo, feita por e-mail, o professor Gauss Cordeiro comenta a situação do Brasil. Ele ainda não refez o mórbido cálculo de quantas vidas ainda podem ser ceifadas até o final de 2020. Mas prevê que ainda iremos conviver com a Covid-19 por anos e faz um alerta: “Podemos voltar sim para um pico muito maior e próximo dos 50 mil casos confirmados/dia”.
Em junho, a previsão era de que o Brasil chegaria em dezembro com mais de 160 mil mortos. No fim de semana passada, chegamos a essa marca. O Brasil está pior do que foi previsto? Houve falha na prevenção?
No começo de junho, quando você me entrevistou, enfatizei que era provável passarmos de 160 mil óbitos em dezembro. Chegamos a essa marca em 1ª de novembro. Os modelos de séries temporais só conseguem fazer previsões pontuais com alguma precisão em uma pandemia num horizonte maximal de duas semanas. Nada além disso. Em períodos longos, os modelos erram muito por conta da grande incerteza associada ao comportamento humano perante à pandemia. Podemos estimar probabilidades em previsões intervalares que, também, poderão ser resultados insatisfatórios.
Como poderíamos prever com dois meses de antecedência aquele comportamento irresponsável dos brasileiros em 7 de setembro com aglomerações imensas em todo o país? No caso da pandemia no Brasil, os erros se tornam grosseiros por conta de grandes aleatoriedades desse tipo. O Brasil é um país continental com comportamento muito heterogêneo entre as regiões e mesmo entre cidades. Uma pesquisa recente publicada no Plos Medicine mostrou que só existe uma forma eficiente de controlar a pandemia da Covid-19: lavar as mãos de forma regular, usar máscaras e manter distanciamento social de 1,5 m. A falha da prevenção ocorreu no Brasil e na maioria dos países por não seguir com rigor essa regra.
O Brasil persiste ainda na 1ª onda, apenas mudamos de patamar que era 45 mil casos confirmados/dia entre a última semana de julho e a primeira de agosto para 20 mil casos confirmados/dia no final de outubro. Podemos voltar sim para um pico muito maior e próximo dos 50 mil casos confirmados/dia. O único ponto ao nosso favor em relação à Europa é a temperatura alta, pois temos uma imensa população de pobres muito vulneráveis. Se analisamos os estados de forma separada, pode ser que em alguns deles, a segunda onda ocorra logo após as férias de janeiro e fevereiro, principalmente, por conta da visita de turistas europeus infectados para cá. Esse é meu temor.
A Europa vive uma segunda onda e vários países já estão com lockdowns e isolamentos mais rígidos. O Brasil apresenta queda, mas não saímos da primeira onda. O senhor acha que poderemos ter um segundo pico nos próximos meses, mesmo ainda na primeira onda?
Para que ocorra uma segunda onda numa pandemia, uma vez ultrapassado o seu pico inicial, a curva de casos confirmados deve decrescer acentuadamente para valores bem reduzidos a só depois reaparecer com crescimento acentuado de casos se espalhando novamente. Foi o que ocorreu nesta segunda onda de Covid-19 que está agora varrendo a Europa. Em muitos países, o número diário de casos confirmados excede os picos da primavera. Esta segunda onda ocorreu por conta de muitas pessoas no verão europeu que se aglomeraram e não usaram máscaras seguindo a forma eficiente de combate que mencionei anteriormente. Apenas um exemplo: 72% dos franceses evitavam aglomerações em maio, enquanto em setembro esse percentual caiu para 30%. Queriam que os casos confirmados não aumentassem muito? Enquanto a Europa demorou nove meses para registrar seus 5 primeiros milhões de casos, os 5 milhões seguintes foram relatados em pouco mais de um mês. Com 10% da população mundial, a Europa responde por cerca de 22% dos 46,3 milhões de infecções globais.
O Brasil tem mais de 5 milhões de casos confirmados e calcula-se que há uma subnotificação de 7 a 10 vezes desse número, o que poderia chegar a mais de 50 milhões de infectados. Com esse grande número de pessoas que já estariam, teoricamente, imunizadas, o senhor acredita que uma segunda onda – ou um segundo pico – poderia ser tão letal quanto o primeiro?
Não temos ainda uma estimativa precisa desta subnotificação. Os EUA testaram metade da sua população e o Brasil apenas 11%. Essa é uma diferença gritante. Mesmo que tenhamos 50 milhões de infectados, estaremos longe da chamada imunidade de rebanho que corresponde aproximadamente a cerca de 140 milhões de brasileiros infectados (70% da população). Somente neste caso, a curva logística, bastante usada nesta epidemia, garante que os novos casos irão começar a decrescer. Com uma probabilidade razoável podemos ter segundas ondas em alguns estados e um 2º pico de infectados no país em 3 meses.
É um erro muito grave observar apenas a curva de óbitos. Gostaria de ressaltar que os casos ditos “recuperados” devem ser olhados com cautela. Muitos assintomáticos hoje poderão ter patologias silenciosas que serão graves a médio e longo prazo, principalmente, sequelas nos pulmões (fibrose pulmonar), problemas neurológicos e renais, entre muitos outros. Por ser uma patologia nova, ainda não há muitos estudos sobre todas as consequências que os infectados terão no resto de suas vidas.
Quando o senhor prevê que a pandemia vai terminar no Brasil?
Niels Bohr dizia que a coisa mais difícil na vida é fazer predição principalmente para o futuro. Gostaria de estar errado, mas acho que o vírus vai continuar a circular no Brasil pelos próximos anos e, assim, teremos que conviver com a Covid-19 por muito tempo como convivemos com zika, dengue e chikungunya.
No dia 6 de junho, o Brasil estava com 676.494 casos e 36.044 mortes por Covid-19 em uma curva ascendente que, hoje sabemos, se multiplicaria pelos meses seguintes. Em entrevista publicada naquela data, o estatístico Gauss Moutinho Cordeiro calculava que chegaríamos em dezembro com mais de 160 mil mortos. Essa triste marca foi atingida ainda no primeiro dia de novembro.
Hoje, o Brasil acumula mais de 5,5 milhões de casos confirmados de Covid-19 e 160.785 mortes. Para o professor Gauss Cordeiro, ainda em junho, era impossível prever a irresponsabilidade nas ruas, com pessoas sem máscaras, e as aglomerações registradas cada vez mais sem constrangimento durante os feriadões.
Em junho, o pico de óbitos da pandemia em Pernambuco, que ocorreu durante o mês de maio, já havia passado. Mas as mortes persistiram. Naquela semana, eram 3.305 mortos por Covid-19. Hoje, são 8.667. O Instituto Para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE) calculou que 67,13% das mortes pela doença aconteceram após a reabertura (de 31 de maio até 24 de outubro). Nesta semana, contudo, o governo do estado deu início a 11ª e derradeira fase do Plano de Convivência com o coronavírus.
Isso significa que quase todas as atividades econômicas estão liberadas a funcionar – eventos têm restrições (mas a fiscalização…) e escolas públicas de ensino básico permanecem fechadas. É o chamado “novo normal”: a economia funcionando e as UTIs públicas para Covid-19 registrando 79% de ocupação nesta quarta-feira (04).
Na pequena entrevista abaixo, feita por e-mail, o professor Gauss Cordeiro comenta a situação do Brasil. Ele ainda não refez o mórbido cálculo de quantas vidas ainda podem ser ceifadas até o final de 2020. Mas prevê que ainda iremos conviver com a Covid-19 por anos e faz um alerta: “Podemos voltar sim para um pico muito maior e próximo dos 50 mil casos confirmados/dia”.
Em junho, a previsão era de que o Brasil chegaria em dezembro com mais de 160 mil mortos. No fim de semana passada, chegamos a essa marca. O Brasil está pior do que foi previsto? Houve falha na prevenção?
No começo de junho, quando você me entrevistou, enfatizei que era provável passarmos de 160 mil óbitos em dezembro. Chegamos a essa marca em 1ª de novembro. Os modelos de séries temporais só conseguem fazer previsões pontuais com alguma precisão em uma pandemia num horizonte maximal de duas semanas. Nada além disso. Em períodos longos, os modelos erram muito por conta da grande incerteza associada ao comportamento humano perante à pandemia. Podemos estimar probabilidades em previsões intervalares que, também, poderão ser resultados insatisfatórios.
Como poderíamos prever com dois meses de antecedência aquele comportamento irresponsável dos brasileiros em 7 de setembro com aglomerações imensas em todo o país? No caso da pandemia no Brasil, os erros se tornam grosseiros por conta de grandes aleatoriedades desse tipo. O Brasil é um país continental com comportamento muito heterogêneo entre as regiões e mesmo entre cidades. Uma pesquisa recente publicada no Plos Medicine mostrou que só existe uma forma eficiente de controlar a pandemia da Covid-19: lavar as mãos de forma regular, usar máscaras e manter distanciamento social de 1,5 m. A falha da prevenção ocorreu no Brasil e na maioria dos países por não seguir com rigor essa regra.
O Brasil persiste ainda na 1ª onda, apenas mudamos de patamar que era 45 mil casos confirmados/dia entre a última semana de julho e a primeira de agosto para 20 mil casos confirmados/dia no final de outubro. Podemos voltar sim para um pico muito maior e próximo dos 50 mil casos confirmados/dia. O único ponto ao nosso favor em relação à Europa é a temperatura alta, pois temos uma imensa população de pobres muito vulneráveis. Se analisamos os estados de forma separada, pode ser que em alguns deles, a segunda onda ocorra logo após as férias de janeiro e fevereiro, principalmente, por conta da visita de turistas europeus infectados para cá. Esse é meu temor.
A Europa vive uma segunda onda e vários países já estão com lockdowns e isolamentos mais rígidos. O Brasil apresenta queda, mas não saímos da primeira onda. O senhor acha que poderemos ter um segundo pico nos próximos meses, mesmo ainda na primeira onda?
Para que ocorra uma segunda onda numa pandemia, uma vez ultrapassado o seu pico inicial, a curva de casos confirmados deve decrescer acentuadamente para valores bem reduzidos a só depois reaparecer com crescimento acentuado de casos se espalhando novamente. Foi o que ocorreu nesta segunda onda de Covid-19 que está agora varrendo a Europa. Em muitos países, o número diário de casos confirmados excede os picos da primavera. Esta segunda onda ocorreu por conta de muitas pessoas no verão europeu que se aglomeraram e não usaram máscaras seguindo a forma eficiente de combate que mencionei anteriormente. Apenas um exemplo: 72% dos franceses evitavam aglomerações em maio, enquanto em setembro esse percentual caiu para 30%. Queriam que os casos confirmados não aumentassem muito? Enquanto a Europa demorou nove meses para registrar seus 5 primeiros milhões de casos, os 5 milhões seguintes foram relatados em pouco mais de um mês. Com 10% da população mundial, a Europa responde por cerca de 22% dos 46,3 milhões de infecções globais.
O Brasil tem mais de 5 milhões de casos confirmados e calcula-se que há uma subnotificação de 7 a 10 vezes desse número, o que poderia chegar a mais de 50 milhões de infectados. Com esse grande número de pessoas que já estariam, teoricamente, imunizadas, o senhor acredita que uma segunda onda – ou um segundo pico – poderia ser tão letal quanto o primeiro?
Não temos ainda uma estimativa precisa desta subnotificação. Os EUA testaram metade da sua população e o Brasil apenas 11%. Essa é uma diferença gritante. Mesmo que tenhamos 50 milhões de infectados, estaremos longe da chamada imunidade de rebanho que corresponde aproximadamente a cerca de 140 milhões de brasileiros infectados (70% da população). Somente neste caso, a curva logística, bastante usada nesta epidemia, garante que os novos casos irão começar a decrescer. Com uma probabilidade razoável podemos ter segundas ondas em alguns estados e um 2º pico de infectados no país em 3 meses.
É um erro muito grave observar apenas a curva de óbitos. Gostaria de ressaltar que os casos ditos “recuperados” devem ser olhados com cautela. Muitos assintomáticos hoje poderão ter patologias silenciosas que serão graves a médio e longo prazo, principalmente, sequelas nos pulmões (fibrose pulmonar), problemas neurológicos e renais, entre muitos outros. Por ser uma patologia nova, ainda não há muitos estudos sobre todas as consequências que os infectados terão no resto de suas vidas.
Quando o senhor prevê que a pandemia vai terminar no Brasil?
Niels Bohr dizia que a coisa mais difícil na vida é fazer predição principalmente para o futuro. Gostaria de estar errado, mas acho que o vírus vai continuar a circular no Brasil pelos próximos anos e, assim, teremos que conviver com a Covid-19 por muito tempo como convivemos com zika, dengue e chikungunya.
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