Biden e a Amazônia: manutenção da agenda antiambiental ou nova forma de intervenção?

Bolsonaro ainda não saudou o novo presidente dos EUA, mas deve fazê-lo “na hora certa”, segundo as palavras de Mourão

Daniel Giovanaz, Brasil de Fato

A derrota de Donald Trump, do Partido Republicano, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos impacta nas políticas externa e ambiental do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sequer cumprimentou o eleito Joe Biden, do Partido Democrata, pela vitória nas urnas, e parece não admitir a perda daquele que considerava seu principal aliado internacional.

Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, Bolsonaro enviará as felicitações a Biden “na hora certa”.

Além do enfraquecimento da ultradireita, no plano simbólico, e do fortalecimento de conquistas históricas da democracia liberal, o resultado das urnas representa a ascensão de um novo discurso sobre a Amazônia e sobre as mudanças climáticas. Biden chegou a afirmar na campanha que a continuidade das relações com o Brasil dependeria de mudanças na gestão ambiental para impedir a devastação do bioma.

A destruição dos últimos quatro meses na Amazônia supera a registrada nos anos de 2011 e 2012. Em outubro de 2020, o desmatamento foi 37% maior que o registrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no mesmo mês do ano passado.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, acredita que as políticas “antiambientais” de Bolsonaro serão mantidas.

“Não vejo o menor esforço do governo Bolsonaro em promover uma agenda positiva na área ambiental. Muito pelo contrário. Dia após dia, as ações do governo só diminuem o controle sobre crimes ambientais, reduzem a proteção das florestas”, lamenta.

“O plano apresentado pelo general Mourão não é acabar com o desmatamento. É acabar com as ONGs que denunciam o desmatamento, e isso vai isolar o Brasil cada vez mais do mundo.”

Para Astrini, a derrota de Trump tornará os Estados Unidos uma “nova fonte de pressão” ao governo Bolsonaro, o que não deve significar mudanças concretas na gestão do Ministério do Meio Ambiente.

“Se o presidente quisesse estabelecer um bom relacionamento, poderia pegar no telefone agora e dar os parabéns ao presidente eleito dos EUA. Pelo contrário, ele está questionando a decisão da população e duvidando da eleição. Então, a agenda de destruição não é só do [ministro] Ricardo Salles. Ele cumpre ordens de Bolsonaro”, finaliza.

Larissa Packer, advogada socioambiental e integrante da equipe da organização Grain para a América Latina, também não vislumbra um aprimoramento da gestão ambiental no Brasil, mas analisa de forma diferente a situação do ministro.

“A política dos Estados Unidos é, historicamente e estruturalmente, imperialista, extrativa e belicista, seja no governo democrata ou no governo republicano. É preciso cautela em relação a todas as comemorações que a gente possa fazer”, avalia.

“Com a vitória do Biden, acho muito difícil o Salles se manter. Quem ganha espaço é o Mourão, que é quem está falando a língua da geopolítica internacional em torno do clima: segurança hemisférica, bioeconomia, proteção da Amazônia”, completa a advogada.

Metas ambientais

A derrota de Trump abre caminho para o reposicionamento da política estadunidense em uma ideia de multilateralismo, ao estilo do Partido Democrata. Ou seja, a tendência é de fortalecimento do papel da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de espaços como a Convenção do Clima.

Em setembro, a China apresentou pela primeira vez metas voluntárias no âmbito do Acordo de Paris, visando a redução das emissões de gases que provocam efeito estufa até 2060. A expectativa é de que os EUA, em breve, também apresentem suas metas.

“A adesão de Biden a algumas metas internacionais não significa a proteção do clima, da Amazônia e de outros países”, pondera Packer, ressaltando que a eleição se dá em um contexto de “ajuste colonial de dependência tecnológica”, em que “o capital é chamado a investir na Amazônia.”

Cerca de 37% das metas do Acordo de Paris podem ser atingidas por meio de soluções baseadas na natureza, com a captura dos gases emitidos através dos oceanos, dos solos e da vegetação nativa. Ou seja, “a base natural seria um estoque de carbono, o que também implica em pressões sobre as terras e recursos do sul global”, explica a advogada.

Exportação de danos

Ao tornarem mais rígidas e ousadas suas metas climáticas, Estados Unidos e União Europeia “exportam e compram o direito de poluir”, aumentando a demanda por biocombustíveis, tanto de cana de açúcar quanto de oleaginosas, para cumprir com metas de redução de emissão de carbono.

Por exemplo, o Green New Deal [“Novo Acordo Verde”] europeu prevê diminuir em 20% o uso de fertilizantes e em 50% o uso de pesticidas. Porém, um quinto das oleaginosas da União Europeia são importadas, principalmente do Brasil, onde mais de 80% da soja é transgênica.

“Embora tenha incorporado no discurso o Green New Deal norte-americano, da ala radical democrata, Biden não aderiu a ele e não vai exigir metas que ele próprio não possa cumprir”, lembra Packer. “Até porque tem pela frente os desafios da retomada econômica e a guerra comercial com a China.”

A advogada interpreta que os EUA de Biden e a China travarão uma “nova Guerra Fria”, econômica e tecnológica, em um processo que “pode ser desastroso para o sul global no sentido da especulação imobiliária, aumento do uso de transgênicos e agrotóxicos, ampliação das terras para honrar com os ‘compromissos verdes’ de China, EUA e União Europeia.”

“Romper com isso depende de uma articulação dos países e dos trabalhadores do sul global, para limitar a sanha dessa nova etapa de acumulação do capitalismo”, finaliza Packer.

Edição: Rodrigo Chagas

Imagem: Amazônia teve novo recorde de destruição em outubro – Bruno Kelly/Amazônia Real

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