Como segue o caso de Berta Cáceres quatro anos e meio após seu assassinato

Apenas os executores do assassinato da líder indígena foram condenados; autores intelectuais seguem sem julgamento

Zoe PC, no Brasil de Fato*

Quatro anos e meio após o assassinato da líder indígena Berta Cáceres, o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH)  – a organização que Berta encabeçava  – continua exigindo verdade e justiça contra a impunidade no país centro-americano.

Apesar da importante visibilidade internacional que teve o assassinato da líder do povo Lenca, a luta para alcançar a verdadeira justiça continua sendo árdua, marcada por muitas irregularidades, campanhas de difamação e acobertamentos. Dentro deste quadro, o COPINH assegura que os obstáculos para alcançar a verdadeira justiça no caso de Berta só aumentaram devido ao contexto da pandemia, já que este cenário permitiu um ambiente com menos transparência e maior protelação.

Em novembro de 2018, sete homens foram condenados como executores do crime que tirou a vida de Cáceres e quase matou o ambientalista mexicano Gustavo Castro. No entanto, como os membros da família Cáceres e os integrantes do COPINH declararam naquele momento, “as sentenças para o menor escalão da estrutura criminosa, através das quais o Estado hondurenho pretende silenciar a exigência de justiça, não colocam fim à luta pela justiça para Berta Cáceres e para o povo Lenca, pelo contrário, aprofundam nossos esforços”.

Isto porque o assassinato de Berta Cáceres, realizado em 2 de março de 2016, não foi um crime eventual, muito menos um crime “passional”, como a mídia tentou disfarçar na época. Ao contrário, ela reflete o aspecto mais violento de uma campanha de vigilância, assédio, ameaças, intimidação e criminalização que Berta e seus colegas do COPINH enfrentaram, assim como toda a comunidade do Rio Blanco, que se dedicaram a resistir à imposição ilegal do projeto hidrelétrico Agua Zarca.  Esta violenta campanha faz parte de um esforço conjunto entre as forças de segurança do Estado hondurenho e a empresa privada Desarrollos Energéticos S.A. (DESA), responsável pelo projeto hidrelétrico, e terceiros, os assassinos contratados e paramilitares.

Dentro deste quadro, para o COPINH, a justiça não se limita à condenação apenas daqueles que atiraram, mas que é preciso julgar e punir os responsáveis “por trás de toda a trama de perseguição, assédio, ataques e ameaças que levaram ao assassinato de Berta Cáceres”. 

Neste sentido, nos últimos meses, o COPINH entrou numa etapa fundamental da busca por justiça integral, que tem a ver com dois casos dos 13 que conformam o caso Berta Cáceres: o caso contra David Castillo, presidente do Conselho de Administração e representante legal da DESA, e o caso Fraude no projeto Gualcarque.

David Castillo: a primeira peça da rede de autores intelectuais

Castillo, presidente da empresa DESA, foi capturado em 2 de março de 2018 enquanto tentava fugir do país. Ele é acusado de participar do assassinato de Berta Cáceres como autor intelectual, o que implica desde a vigilância de Berta em seu território, o planejamento do assassinato e a coordenação entre os acionistas mais importantes da empresa e o grupo de assassinos que realizaram o crime. Castillo é um militar graduado na escola militar americana “West Point” e serviu como segundo tenente na inteligência militar das Forças Armadas em Honduras.

A prisão de Castillo é de grande importância não apenas por sua participação no vil assassinato de Berta Cáceres, mas também por seu papel na imposição ilegal do projeto “Agua Zarca”, que é a base do caso a ser discutido a seguir, de fraude no projeto Gualcarque.

A coordenadora geral do COPINH e filha de Cáceres, Bertha Zúñiga, explica que Castillo “é a pessoa capturada com perfil mais alto até o momento e tem vínculos muito importantes com os acionistas majoritários da empresa que são membros da família Atala Zablah, uma família que faz parte da oligarquia e, portanto, permanece em total impunidade”. Para ela e para o COPINH, “a convicção de Castillo deve levar a investigações sobre essas outras pessoas que, após mais de quatro anos, quase cinco, permanecem impunes”.

Embora a equipe jurídica do COPINH afirme que há muitas provas contra Castillo, o processo judicial contra ele está em perigo devido ao prazo final de sua prisão preventiva. A coordenadora geral do COPINH explica que “há uma ação reiterada da defesa de Castillo para impossibilitar o desenvolvimento do processo com uma série de recursos legais para impedi-lo”.

Tanto Zúñiga quanto a organização que ela representa entendem esta ação de duas maneiras: “[A primeira] Para submeter-se ao limite da prisão preventiva e buscar a liberdade do Sr. Castillo. Mas também a entendemos como uma ação maliciosa que tenta obstruir o processo de busca por justiça, para continuar acobertando as ações que o vinculam como parte deste crime e, portanto, encobrir os vínculos com os demais responsáveis”.

Em uma declaração pública realizada no último dia 22 de outubro, o COPINH anunciou que, após sete suspensões, foi realizada uma das audiências preparatórias para o julgamento de David Castillo. Entretanto, como em outras ocasiões, a defesa do gerente da empresa hidrelétrica apresentou mais recursos, “a fim de atrasar o processo em busca de impunidade”, como expressa a nota. 

Além disso, a organização indígena denuncia que continua sendo excluída do processo e que o Poder Judiciário se recusou a transmitir a audiência publicamente. No caso contra Castillo, ainda há grandes desafios e apenas seis meses para completar o julgamento contra ele, já que sua prisão preventiva expira em 25 de maio de 2021.

Uma das filhas de Berta Cáceres, Berta Zuñiga, tem denunciado internacionalmente as irregularidades na investigação do caso / Aida Américas

Fraude no projeto Gualcarque

O caso Fraude no projeto Gualcarque teve início em 4 de março de 2019, quando a Missão de Apoio contra a Corrupção e a Impunidade em Honduras (MACCIH) e a Unidade Especial do Ministério Público contra a Corrupção e a Impunidade apresentaram “uma injunção fiscal contra 16 funcionários públicos por crimes de fraude, abuso de autoridade, violação de deveres, bem como negociações incompatíveis com o exercício de funções públicas e falsificação de documentos, com o objetivo de favorecer a família Atala Zablah através de contratos do Estado de Honduras com a empresa DESA para o desenvolvimento do projeto hidroelétrico no sagrado rio Gualcarque”, como explica o COPINH.

O projeto Gualcarque é um dos 51 projetos concedidos pelo Estado de Honduras no território da comunidade Lenca, denunciados por Cáceres e pelo COPINH. Segundo a organização indígena e ambiental, muitas dessas concessões foram feitas após o golpe de Estado de 2009 e “envolveram crimes de corrupção relacionados com a concessão de licenças para operar projetos extrativistas”. Neste caso, o projeto Agua Zarca “foi aprovado sem o consentimento livre, prévio e informado das comunidades Lenca afetadas por ele”.

O próprio David Castillo e a família Atala Zablah estão fortemente envolvidos neste caso. Segundo a investigação, a empresa DESA, que também promove o projeto Agua Zarca, foi criada ilegalmente por dois “fantoches”, funcionários de outra empresa de propriedade de Castillo. Ele havia participado de reuniões em 2009, nas quais houve a “aprovação dos contratos de produção de energia elétrica concedidos à DESA” e, posteriormente, Castillo tornou-se oficialmente parte do conselho de administração da empresa junto com a família Atala Zablah.

A investigação do caso revela que Castillo e a família Atala Zablah tinham construído “uma estrutura criminosa com o objetivo de impor o projeto hidrelétrico e assim se beneficiaram economicamente” que, neste contexto, cometeram “uma série de crimes e violações dos direitos humanos contra a comunidade de Río Blanco devido à oposição ao projeto, desde fraude e corrupção em uma suposta produção de ‘energia limpa’ para o Estado de Honduras, até o assassinato de pelo menos 6 pessoas da comunidade de Río Blanco em defesa da água e da vida, incluindo Berta Cáceres”.

O COPINH participou da fase inicial deste processo como vítima, mas foi excluído em agosto de 2019 após um recurso interposto pela defesa dos funcionários da DESA, semelhante ao que aconteceu durante o julgamento contra os autores intelectuais do assassinato de Berta, no qual a equipe jurídica do COPINH também foi excluída. Após esta decisão, a equipe jurídica da organização comunitária tentou apresentar vários recursos jurídicos para garantir a participação das vítimas, da comunidade afetada do Rio Blanco e da organização da qual faz parte, porém o caso segue avançando sem sua participação.

Sobre isso, a coordenadora da organização, Bertha Zúñiga, comenta que “a exclusão da COPINH e da comunidade do Rio Blanco do processo ‘Fraude no Gualcarque’ explicita que o sistema de justiça não foi construído em Honduras para responder às reparações ou para remediar os danos causados às vítimas, mas corresponde a um sistema de justiça instrumental que tenta mascarar os resultados, como na causa de justiça para Berta Cáceres”. 

Neste sentido, ela considera que “apesar de todo o sofrimento causado por esta barragem, os povos indígenas ainda não são reconhecidos como vítimas diretas e isto também responde à intermediação de muitos interesses poderosos que tentam dificultar a presença do COPINH já que poderia contribuir com as informações que possui, enquanto uma organização que disputa com a justiça a verdade sobre este crime, que não é apenas o assassinato [de Berta], mas a instalação ilegal dos projetos que afetam os direitos territoriais, a dignidade do povo Lenca, desencadeando as ações de violência que culminaram no assassinato”.

A Justiça de Honduras já estabeleceu uma data para o julgamento do caso de Fraude no projeto Gualcarque, que acontecerá em 18 de janeiro do próximo ano. O COPINH segue denunciando que, se o caso continuar sem a participação direta das vítimas, configurará “uma violação flagrante do direito de acesso à justiça”.

Edição: Peoples Dispatch

*Tradução: Luiza Mançano

Imagem: Reprodução Goldman Prize

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