Candidato a prefeito na Chapada dos Guimarães compra terreno da reforma agrária por R$ 10 mil

Apoiado pelo Japonês da Federal, Ricardo Sarmento (DEM) adquiriu a terra de um analfabeto surdo-mudo por meio de procuração, em 2001; propriedade fica em área que atraiu mansões e resorts e teve valorização de 3.900% em quase vinte anos

Por Priscilla Arroyo, no De Olho nos Ruralistas

A 67 quilômetros de Cuiabá, no lote 6 do assentamento PA Quilombo, legumes e hortaliças orgânicas poderiam ter sido produzidos por José de Lima Gregório, homem simples e analfabeto. Mas a agricultura camponesa não existe no local. A propriedade de seu José, de 15 hectares, foi vendida há dezenove anos para Ricardo Sarmento (DEM) – candidato à prefeitura da Chapada dos Guimarães (MT) – por R$ 10 mil, por meio de procuração.

A terra faz parte do terreno de 6,4 mil hectares registrado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).  Parte do terreno – o que inclui o lote 6 – está  localizado às margens do Lago do Manso, local de extrema beleza natural e um importante ponto turístico da Chapada dos Guimarães. O lago foi formado de maneira artificial na década de 90 pela Furnas Centrais Elétricas, que inundou a área para a construção da Usina Hidrelétrica de Manso.

A paisagem paradisíaca de suas margens atraiu milionários, que construíram mansões e resorts em áreas de assentamentos ou de proteção ambiental. Um dos vizinhos “de veraneio” de Sarmento é o ex-ministro da Agricultura e empresário agrícola Blairo Maggi, que tem uma das maiores mansões do local, com valor estimado em R$ 10 milhões.

A chegada da nova vizinhança contribuiu para que o terreno adquirido de maneira irregular pelo prefeiturável se valorizasse quase 4.000% desde a compra. Na sua lista de bens apresentada à Justiça Eleitoral, Sarmento descreve o local como “sítio”, com valor de R$ 400 mil.

Em nota à imprensa local, o candidato diz ter as autorizações necessárias para a ocupação da área e nega ter cometido qualquer irregularidade.

Seu José, o assentado que lhe vendeu a terra, é surdo, mudo e hoje tem cerca de 70 anos. Ainda vive no local em um pedaço de terra cedido pelo político, de acordo com um morador da região que prefere não se identificar. “O procurador de seu José na assinatura do contrato de venda — Adarcino Rodrigues Lima, outro morador do PA Quilombo – é cego”, contou à reportagem.

Para Sarmento, que se declara empresário de sucesso, esse foi mais um negócio. Sua principal atividade é administrar empresa própria que fabrica uniformes, a RM Confecções Ltda, cujo capital social é de R$ 400 mil. A empresa tem como principais clientes prefeituras no Mato Grosso, como Alto Araguaia e Diamantino.

A declaração de terras da reforma agrária foi objeto de uma das reportagens do De Olho nos Ruralistas publicadas nesta quinta-feira (12) no jornal El País: “Terras da reforma agrária vão parar na mão de políticos“.

EM APOIO, JAPONÊS DA FEDERAL DESTACA COMBATE À CORRUPÇÃO

A chapa de Sarmento é complementada pelo vice, Benedito da Costa Ribeiro Filho, o “Didi da Pousada”. Fiscal aposentado do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Idea), ele declara patrimônio avaliado em R$ 7,5 milhões. Entre os bens, consta um apartamento no bairro de Copacabana (RJ) no valor de R$ 1,4 milhão. Didi também é dono de uma pousada na região do Manso que vale R$ 2,5 milhões.

Sarmento e Didi aparecem em um vídeo oficial da campanha recebendo apoio de Newton Ishii, conhecido como “Japonês da Federal”. Em sua fala, Ishii destaca ter ficado conhecido “por ter trabalhado quatro anos na Lava Jato combatendo a corrupção”. Ex-agente da Polícia Federal (PF), sua imagem viralizou por ter escoltado até o cárcere de Curitiba (PR) importantes investigados da operação, como o empresário Marcelo Odebrecht e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, entre outros.

Em julho, Ishii foi condenado por um juiz da da 1ª Vara da Justiça Federal de Foz do Iguaçu (PR) por facilitação de contrabando pela fronteira Brasil-Paraguai. Sua pena foi a perda oficial do cargo — mesmo estando aposentado. Ele também terá de pagar multa de R$ 200 mil. O ex-agente da PF tinha outras pendências judiciais. Em 2009 foi condenado por corrupção e descaminho por supostamente facilitar a entrada de produtos contrabandeados do Paraguai.

RESORT DO FILHO DE BLAIRO MAGGI ESTÁ EM ÁREA IRREGULAR

Com parte da construção na beira do Largo do Manso em área de preservação permanente, o Malai Manso Hotel Resort tem como um dos sócios André Souza Maggi, filho do ex-ministro da Agricultura, que ocupa o cargo de diretor. O empreendimento na margem do Lago do Manso é um dos quarenta alocados na região que são objetos de pedidos de reintegração de posse feitos pela Furnas Centrais Elétricas S/A. A empresa solicita que o resort retire benfeitorias construídas em 290 metros ao redor do lago, sob alegações de que as construções “comprometem a segurança da operação das barragens e dos próprios invasores, além de causar danos ambientais”.

Apresentado em seu site como “um dos mais completos resorts do Brasil”, o lugar tem três piscinas, praia privada, estacionamento para 400 carros, heliponto e pista para pouso de jatos executivos. O custo de uma noite de hospedagem varia entre R$ 2,1 mil até R$ 4,6 mil. A empresa tem faturamento anual aproximado de R$ 3,5 milhões.

Priscilla Arroyo é jornalista. |

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