Direitos humanos e empresas: Argentina aprova lei que devolve condição de empregados a desaparecidos durante a ditadura militar, Uruguai defende atenção nas compras públicas, no Brasil vítimas dos desastres de Brumadinho e Mariana seguem desamparadas

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), Helder Salomão (PT/ES), participou, nesta segunda-feira (16) do painel “A Construção de Políticas Públicas em Direitos Humanos e Negócios: diálogos entre Parlamento e Sociedade Civil”, ao lado dos presidentes das comissões de direitos humanos das casas de representantes do Uruguai e da Argentina. O debate fez parte do VII Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas

Por Pedro Calvi / CDHM​

O Seminário desta segunda-feira (16) foi promovido pelo Homa (Centro de Empresas e DH), Universidade Federal de Juiz de Fora e Fundação Ford. O objetivo do encontro, realizado todos os anos, é fortalecer a participação da sociedade civil e divulgar conhecimento sobre Direitos Humanos e Empresas.

Para Gonzalo Berron, diretor de Projetos da Fundação Friedrich Brasil, está na hora de “abrir as fronteiras das políticas públicas para direitos humanos e empresas, há muitos desafios e novas experiências devem ser compartilhadas nessa área”.

Hugo Yasky, deputado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados da Argentina, informa que há nove dias foi aprovada uma lei que que devolve a condição, de empregados em empresas privadas, de trabalhadores desaparecidos entre 1976 e 1983, período da ditadura militar no país. “Isso dá, agora, todos os direitos devidos aos familiares, cerca de 30 mil pessoas devem ser beneficiadas. A iniciativa também vai ajudar nos processos judiciais em marcha contra empresas que costumavam colaborar com a ditadura, algumas até com centros clandestinos de detenção”. Yasky ressalta que a criação dessa lei é “resultado da articulação entre as centrais sindicais, governo e sociedade civil”.

O responsável por iniciativas na área de direitos humanos e empresas de Barcelona, na Espanha, David Lhistar, apresenta outra experiência. “Um instrumento estratégico pode estar nas compras públicas, as administrações têm capacidade de influir no mercado quando direcionam os contratos, por exemplo. Agora, durante a pandemia, por exemplo, compramos material de proteção com uma cláusula de contratação sobre de responsabilidade em termos de direitos humanos e dignidade”.

Lhistar esclarece que, dessa forma, as empresas são obrigadas a seguir o que foi acordado, Caso contrário, vão para uma lista feita pela ONU e ficam canceladas para compras internacionais. Cento e doze transnacionais já estão nessa lista.

“Como consumidor, o Estado deve ter essa percepção e as pessoas nas suas pequenas compras também, saber de quem está comprando. Um comportamento permanente, independente de quem está no poder”, endossa Verónica Mato, deputada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Representantes do Uruguai.

Marco nacional

Andressa Soares, pesquisadora do Homa (Centro de Direitos Humanos e Empresas), defende a criação de um arco nacional no Brasil “construído de baixo para cima, com ampla participação popular, para que tenha respaldo de opinião pública e da sociedade, regulado por leis específicas. Um marco trazendo coisas que já estão previstas em tratados internacionais e também na Constituição, mas formando uma legislação combinada que facilitaria, por exemplo, as reparações e abordar o judiciário”. Soares ressalta que uma pesquisa mostrou que 80% dos juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nunca estudaram direitos humanos.

Um case brasileiro: Vale S.A.

A representante do Movimento por Atingidos por Barragens (MAB), Tchenna Maso, também apoia a criação de um marco legal. “Temos um judiciário incorporado pelo corporativismo e não há uma legislação forte. Sofremos muitas derrotas nos casos de Brumadinho e Mariana, quase 300 mortes provocadas pela falta de políticas de segurança nas barragens, coma a prevenção. A Vale sabia que o acidente de Brumadinho poderia ocorrer, já havia feito os cálculos comparando indenizações e obras de prevenção”.

Maso lembra que as diligências feitas pelo Congresso são importantes porque produzem relatórios. “A CDHM já fez duas diligências e quatro audiências públicas sobre os rompimentos dessas barragens. Viram de perto a contaminação do meio ambiente, os danos irreversíveis à saúde da população por causa da contaminação por arsênio”.

Até hoje ninguém foi punido pelos desastres, as indenizações não foram pagas integralmente e o acesso das vítimas à justiça é precário.

Hélder Salomão, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, afirma que “no Brasil, vivemos um momento de muitos retrocessos, o governo destrói conquistas já feitas. Nesse contexto, temos que avançar nos parâmetros para penalizar a empresas transnacionais”.

Salomão concorda que deve haver um marco normativo, internacional e nacional “para aumentar as obrigações diretas das corporações transnacionais, aprimorar a proteção dos indivíduos e das comunidades afetadas e garantir mecanismos eficazes de reparação”.

“Dos casos de violações de direitos humanos causadas diretamente por corporações transnacionais, acompanhados por nós, as provocadas pela Vale S/A são as mais significativas”, afirma o parlamentar. “A indenização, que é o primeiro e mais elementar passo para a reparação dos danos causados, continua pendente. Tampouco houve ações de prevenção para evitar novos rompimentos”.

O presidente destaca que um avanço, no Congresso, foi a instalação do Observatório da Revisão Periódica Universal em parceria com o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, que vai permitir aprofundar debates significativos, sempre ao lado da sociedade civil.
Na última Revisão Periódica Universal, em 2017, o Brasil recebeu três recomendações, sobre o tema, feitas pela Holanda, Paraguai e Serra Leoa.

As sugestões são desenvolver um Plano de Ação Nacional sobre Empresas e Direitos Humanos, para evitar que os projetos de desenvolvimento violem os direitos das populações tradicionais, povos indígenas e trabalhadores e causem danos ao meio ambiente, e para garantir reparações efetivas com consultas significativas às comunidades afetadas; elaborar um Plano de Ação sobre Empresas e Direitos Humanos, e criar um plano de ação nacional abrangente sobre empresas e direitos humanos de acordo com os Princípios Orientadores das Nações Unidas a este respeito.

De acordo com a Plataforma RPU/Brasil, que acompanha o desenvolvimento das recomendações, essas três foram, até o momento “parcialmente cumpridas”.

Histórico

Em 2011 o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou os princípios orientadores para empresas e direitos humanos. São três eixos: o dever do Estado de proteger contra abusos de direitos humanos por parte de terceiros, incluindo empresas, através de políticas, regulamentos e julgamentos; a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos, o que significa evitar infringir os direitos dos outros e abordar os impactos adversos que podem vir a ocorrer; e o maior acesso das vítimas a recursos efetivos, judiciais ou não.

Em 2014, o Conselho criou um Grupo de Trabalho para elaborar um instrumento vinculante sobre corporações transnacionais e empresas comerciais, em relação aos direitos humanos. Há um esboço de tratado em consulta pela ONU, que está na terceira versão. O governo brasileiro não abriu uma consulta a respeito.

Este ano, houve a 1ª Consulta Nacional sobre Tratado de Direitos Humanos e Empresas, promovida pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas da UFJF, Amigos Da Terra Brasil, Fundação Friedrich Ebert, Justiça Global e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Imagem: Bento Rodrigues, Mariana. Foto: Lorena Dini, 2015. Reprodução Facebook

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