Em live sobre eleições, líderes do MST, Conaq e Coiab atacam distorções do Incra

Durante transmissão do De Olho nos Ruralistas, neste domingo, eles criticaram decisão do governo de titular assentamentos, em vez de priorizar reforma agrária, e reforçaram a importância das candidaturas quilombolas, indígenas e camponesas

Por Mariana Franco Ramos, em De Olho nos Ruralistas

Líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) criticam a postura do governo Jair Bolsonaro de não demarcar territórios e, em paralelo, de defender a titulação de assentamentos, colocando em risco a reforma agrária.

Durante a live “De Olho Nas Eleições“, promovida pelo observatório na noite de domingo (15), representantes das organizações reforçaram a necessidade de eleger indígenas, quilombolas e camponeses, como forma de defender os territórios e enfrentar o genocídio em curso. Membro da coordenação nacional do MST, Kelli Mafort citou a reportagem “Terras da reforma agrária vão parar na mão de políticos“, produzida pelo observatório e publicada no El País.

Centenas de candidatos a prefeito, muitos deles milionários, acumulam fazendas em assentamentos, a maior parte na Amazônia. O levantamento foi feito a partir de dados públicos, disponibilizados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “É super importante essa denúncia, porque mostra a omissão dos órgãos que deveriam fiscalizar”, diz Kelli. “A reforma agrária é para quem precisa da terra, para quem ganha até três salários mínimos, para pessoas de baixa renda. Não é para pessoas oportunistas”.

Ainda segundo ela, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (Mapa), Luiz Antonio Nabhan Garcia, têm pressa em titular os assentamentos justamente para estimular que as terras sejam vendidas: “Eles querem impor um título de domínio para que as pessoas sejam proprietárias das glebas e vendam essas terras ou as coloquem em operações bancárias”.

Nabhan Garcia é ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e ligado a milícias rurais que levaram terror à região do Pontal do Paranapanema (SP) entre os anos 1990 e 2000. Ele é personagem frequente das reportagens do observatório. “O Incra não só está sendo desmontado, como está sendo transformado num balcão de negócios”, prossegue a dirigente.

Kleber Karipuna, da Coiab, destacou que Bolsonaro cumpre bem seu objetivo de não demarcar terras indígenas. “A primeira medida imposta por esse governo foi retirar da Fundação Nacional do Índio (Funai) seu principal objetivo e uma de suas principais bandeiras, que é a demarcação de terras, colocando nas mãos de um inimigo dos índios, o Nabhan Garcia”.  De acordo com ele, 7 processos prontos para homologação e mais 25 que estavam para serem encaminhados retornaram à fase inicial de estudos.

Karipuna afirma que o governo brasileiro está cooptando líderes indígenas para liberar garimpos e monoculturas em suas terras. “Os poucos exemplos de exploração intensiva do território não devem ser replicados”, comenta. “O uso do território indígena passa por muitos fatores além da produção agroindustrial”. Ele diz não ter qualquer esperança de que algo vá mudar nesses dois anos restantes de governo. “A única solução é continuar na resistência, na luta”.

Selma Dealdina, da Conaq, foi na mesma linha. Na avaliação dela, Bolsonaro cumpre com as ameaças que fez, de não titular territórios quilombolas. “É um desmonte total”. Durante a campanha, em 2018, o então candidato a presidente garantiu que não demarcaria nenhum centímetro de terras para indígenas ou quilombolas. Antes disso, o político já havia se referido a descendentes de escravizados em arrobas, ao dizer que esteve em Eldorado, município do Vale do Ribeira (SP).

PARTICPAÇÃO DE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS NO PLEITO É DESTAQUE

Tanto Selma como Kleber Karipuna destacaram a participação crescente de quilombolas e indígenas no processo eleitoral. Ele frisou o aumento de 27%, em relação a 2016, no número de candidaturas de povos originários. Foram 2177 em todo o país. O cacique Marquinhos Xukuru (Republicanos) foi eleito prefeito de Pesqueira (PE).

É preciso, segundo ele, plantar a “semente da reviravolta”, a começar pelas eleições municipais, e em 2022 vencer essa batalha para tirar o fascismo do poder. “Vamos convocar cada negro, quilombola, indígenas, pescador e pescadora para tirar esse desgoverno que atua contra os povos tradicionais”.

Mais de cinquenta quilombolas foram eleitos para o Legislativo e o Executivo, conforme a Conaq. Vilmar Kalunga é o novo prefeito de Cavalcante (GO). “Espero que ele seja o primeiro de muitos quilombolas, nesse que é o maior território quilombola do país”, comenta Selma. “Vilmar é um homem jovem, mas comprometido com o seu povo, com a pauta quilombola. Eleger Vilmar é dar um passo adiante e um recado à elite racista do Brasil”.

A líder da Conaq lembrou que a maioria das mais de 300 candidaturas quilombolas não tiveram dinheiro, nem apoio de fundo partidário. “Da direita a gente já espera tudo, mas é inadmissível a forma como a esquerda vem tratando essas candidaturas”, critica.

Além de disputar o processo eleitoral, é necessário, segundo Selma, que essas pessoas tenham condições de se eleger: “Precisamos estar nesse espaço. Não dá mais para deixar a bancada ruralista, a bancada da bíblia e a bancada da bala indicarem pessoas inimigas notórias da pauta agrária, como as que estão hoje no Incra, na Fundação Palmares e no Ministério dos Direitos Humanos”.

DEBATE SOBRE O BRASIL QUE EMERGE DAS URNAS DUROU MAIS DE CINCO HORAS

A live “De Olho Nas Eleições” começou às 17 horas, logo após as urnas fecharem na maior parte do país, e terminou por volta das 22h30. Foram cinco blocos de debates, com convidados especiais, como Gregorio Duvivier (Greg News), Marina Atoji (Transparência Brasil), Cristina Serra (colunista da Folha), Elaíze Farias (Amazônia Real),  Mario Mantovani (Frente Parlamentar Ambientalista), Maureen Santos (Fase), Veronica Goyzueta (Pulitzer Center), José Barbedo (colunista português do jornal eletrônico O Observador) e Senhorita Bira (O Algoritmo da Imagem).

As discussões foram conduzidas pelo coordenador do observatório, Alceu Luís Castilho, e pela repórter Priscilla Arroyo. Durante todos os blocos, repórteres traziam notícias sobre a apuração, sobretudo na Amazônia, foco principal da série “O Voto que Devasta“.

Em sua participação, Duvivier disse que o trabalho do observatório é fonte inesgotável para o programa que apresenta. “O Greg News desta semana não seria possível sem o De Olho nos Ruralistas, sem mapear o dinheiro, o dinheiro que desmata”, comentou.

O programa repercutiu três reportagens recentes:  “Empresa ligada a BTG Pactual e André Esteves foi quem mais devastou Pantanal, segundo Ibama“, de Leonardo Fuhrmann; “Jorge Paulo Lemann e Itaú estão entre acionistas de construtora que assusta povo Guarani no Jaraguá, em SP“, de Castilho, e “Multinacionais são financiadoras ocultas da Frente Parlamentar da Agropecuária“, de Priscilla Arroyo.

“A direita gosta de atribuir o desmatamento à obra de poucos pobres coitados que estão lá e botam fogo, como se fossem pessoas desprovidas de dinheiro e de poder, quando a gente sabe que por trás do desmatamento tem uma bancada no Congresso e tem também muito dinheiro”, prossegue. “É o capital que desmata. E se não fosse a pesquisa do De Olho nos Ruralistas a gente não conseguiria fazer isso”.

Ele contou ainda que costumava achar que o dinheiro do agronegócio vinha só das empresas de alimentos, como BRF e Friboi. “Eu não sabia que o Itaú, o Bradesco, estavam diretamente ligados ao desmatamento. E é isso que a gente fala no programa, uma coisa difícil de encontrar na internet, mas que o De Olho nos Ruralistas já tinha apontado, que os bancos lucram com o desmatamento financiando essas empresas que desmatam”.Para Marina Atoji, os candidatos do agro podem ser fonte interna de pressão sobre Bolsonaro, sobretudo após o pleito presidencial nos Estados Unidos. “Os eventualmente eleitos vão sentir que suas economias locais podem ser prejudicadas com essa ascensão do Joe Biden e essa perda de apoio estadunidense”, diz. “Fazer graça com a Amazônia pegando fogo é bem diferente de se lascar com negócios e interesses comerciais”.

José Barbedo comentou que acompanha a atualidade da política brasileira com grande preocupação. “É cedo pra falar dos resultados das eleições municipais, mas deve se confirmar este dilema, mostrando uma imensa massa popular que apoia a soja, que apoia o gado, que é favorável á mineração em terras indígenas”. O agronegócio tem, segundo ele, “uma capilaridade eficaz no terreno, configurando um pacto social que não só reflete a dominância dos interesses das elites, mas também conta com a participação das bases da pirâmide social”.

‘MANDATOS COLETIVOS LEVAM A AGENDA SOCIOAMBIENTAL’

Uma das presenças que mais repercutiram foi a de Senhorita Bira, no bloco que discutiu as dinastias políticas. Segundo ele, a esquerda tem perdido a conexão com o povo: “As pessoas estão tendo um pouco mais de consciência de classe. A palavra representatividade aparece com bastante força”.

Conhecido pelos vídeos que publica no YouTube, o estudante de Sociologia destacou a vontade do eleitor em eleger pessoas fora do padrão cisnormativo e heteronormativo de poder. “Os jovens estão colocando nas urnas pessoas negras, pessoas transexuais, pessoas vindas da periferia, e isso é muito bonito, muito representativo”.

Miriam Nobre, da Rede de Agricultoras e Quilombolas de Barra do Turvo (Rama), falou sobre a vida que existe para além dos exércitos mobilizados pelos latifundiários: “Às vezes a gente da cidade tem a ideia de que quer comer alguma coisa e quer que as agricultoras produzam o que a gente quer comer. E nessa relação que a gente apoia, que a gente fortalece, a ideia é o contrário. As agricultoras produzem aquelas raízes, no ambiente onde elas estão”. Esse processo, segundo ela, liga as pessoas com o povo trabalhador.

Maureen Santos, da Fase, destacou o trabalho da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) de mapear as políticas públicas ligadas ao setor. “Esta campanha, muito curta, trouxe elementos legais, de dar um esperançar importante”. Ela citou os mandatos trans, as mulheres pretas e a quantidade de mandatos coletivos e individuais que levam a agenda socioambiental. “Isso dá fôlego para a gente começar a luta em 2022”.

A íntegra da live “De Olho Nas Eleições” segue disponível no YouTube: e no Facebook.

|| Colaborou Patrícia Cornils. ||

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