No Rio e no Espírito Santo, apenas Coser apresenta propostas para combater a fome

Paes e Crivella ignoram segurança alimentar; atual prefeito carioca chegou a reter verba da merenda escolar durante a pandemia; na capital capixaba, petista foi o único a se comprometer com a agroecologia

Por Mariana Franco Ramos e Sarah Fernandes, em De Olho nos Ruralistas

Nenhum dos dois candidatos que disputam o segundo turno no Rio de Janeiro apresentou programas de combate à fome e à miséria em seus planos de governo. Atual prefeito, Marcelo Crivella (Republicanos) cita supostas realizações de sua gestão e fala em ampliar a distribuição de merenda nas escolas, algo previsto em lei.

Já o candidato do DEM, Eduardo Paes, sequer apresentou propostas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Ele protocolou um documento de apenas duas páginas, que diz ser a versão preliminar de seu programa de governo.

Os dois tampouco se comprometeram com a campanha “Agroecologia nas Eleições“, lançada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), como forma de subsidiar políticas públicas para o setor nos municípios brasileiros. Dos treze postulantes ao Executivo municipal, somente Benedita da Silva (PT) e Renata Souza (PSOL), derrotadas no dia 15 de novembro, assinaram a carta da organização.

A insegurança alimentar grave, em que as pessoas não têm o que comer, atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o equivalente a 3,1 milhões de lares, entre 2017 e 2018. De Olho nos Ruralistas analisa, nesta semana, as propostas dos prefeituráveis nas capitais onde os eleitores voltam às urnas neste domingo (17).

NO RIO, COMIDA NÃO CHEGA OU É INSUFICIENTE

Num cenário de agravamento do problema, em virtude da pandemia de Covid-19, os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deveriam servir de alerta aos futuros governantes.

Em agosto, o observatório mostrou que a prefeitura da segunda maior metrópole do país executou somente 36,4% dos recursos repassados pelo governo federal ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em 2020. Dos R$ 50,8 milhões recebidos até 31 de julho, a gestão Crivella havia liquidado R$ 18,5 milhões. A situação levou professores a fazerem vaquinhas, com o objetivo de arrecadar alimentos, conforme divulgado na reportagem: “Prefeitura do Rio reteve 63% da verba da merenda escolar em 2020“.

A capital fluminense também é a região do estado com mais queixas sobre a qualidade das cestas básicas fornecidas, conforme levantamento da Ouvidoria Externa e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), publicado em 23 de julho. Foram 2.630 respostas válidas, sendo que 96% se referiam ao município. Entre os problemas apontados estavam quantidade insuficiente, alimentos fora da validade ou estragados e valor incompatível com as refeições que eram feitas na escola.

Na época, a Secretaria Municipal de Educação argumentou que os números da reportagem estariam defasados e que já havia entregue mais de 500 mil “kits merenda” para os estudantes. Com 1.540 escolas e quase 650 mil estudantes, a rede municipal do Rio é a maior da América Latina, abrangendo em torno de 10% da população da cidade.

BISPO DIZ QUE VAI “FAZER MAIS”; PAES CONTA COM REJEIÇÃO

Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e aliado do presidente Jair Bolsonaro, o candidato à reeleição enviou ao TSE um programa de 55 páginas, nas quais reforça o bordão “Com Deus, pela família e pelo Rio”. Crivella diz ter alcançado “grande êxito em políticas públicas diversas”, que atingiram “todos os cariocas”. Ele destaca a inauguração de três restaurantes populares, responsáveis por fornecer mais de 3,5 milhões de refeições a trabalhadores e a pessoas em estado de insegurança alimentar.

Relata, ainda, que distribuiu cartões alimentação de R$ 54,25 para todos os alunos matriculados, valor que o Movimento de Mães, Pais e Responsáveis pela Escola Municipal Carioca (MovEM-Rio) já disse ser insuficiente. “Iniciamos com aqueles de famílias em situação de maior vulnerabilidade e alunos especiais”, afirma.

“Distribuímos mais de 500 mil cestas básicas para as famílias dos alunos e, podem ter certeza, cidadãos cariocas, vamos fazer mais. Muito mais”, acrescenta. Crivella não explica, porém, o que efetivamente pretende realizar. Não há no documento menções à agricultura familiar.

De acordo com a última pesquisa Datafolha, a maioria dos eleitores cariocas (62%) avalia a gestão Crivella como ruim ou péssima. Uma parcela de 25% considera regular, 12% avalia como ótima ou boa e 1% não opinou.

A desaprovação do adversário parece deixar Paes em situação confortável. Ex-prefeito de 2009 a 2017, o político do DEM sequer se preocupou em destrinchar propostas aos eleitores. No documento que enviou ao TSE, ele menciona 12 objetivos centrais — e genéricos — do novo governo, como “recuperar e restaurar a qualidade dos serviços públicos”. Nenhuma citação à fome.

PLANOS PARA A CAPITAL CAPIXABA SÃO CONTRASTANTES

No vizinho Espírito Santo, o espaço dado nos planos de governo para discutir propostas de combate à fome é contrastante. Na capital Vitória foram ao segundo turno os candidatos Delegado Pazolini (Republicanos) e João Coser (PT), que dedicaram espaços bastante diferentes ao tema em suas propostas.

Enquanto o advogado e ex-deputado estadual Coser dedica um capítulo inteiro do seu programa de governo para segurança alimentar, o delegado de polícia Pazolini sequer cita em seu plano os termos “fome” ou “alimentação”. No documento de 26 páginas não há menções sobre merenda escolar nem sobre agricultura familiar.

O petista, que foi prefeito de Vitória por dois mandatos, entre 2005 e 2012, destaca os impactos da crise econômica e do desemprego na insegurança alimentar da população e propõe “ações integradas” da “assistência social, saúde, economia e educação” para reverter o problema.

Entre as propostas está a reabertura do restaurante popular de Vitória, que foi fechado pela gestão atual, do prefeito Luciano Rezende (Cidadania). Além disso, ele propõe elaborar uma política e um Plano Municipal de Segurança Alimentar e implantar cozinhas comunitárias, apoiar hortas comunitárias, melhorar o banco de alimentos e ampliar as compras da agricultura familiar.

O plano propõe incentivar a agricultura urbana, a produção de orgânicos e o consumo de alimentos saudáveis. Coser foi um dos dois únicos candidatos de Vitoria que assinaram a carta de compromisso da campanha “Agroecologia nas Eleições“, ao lado de Gilbertinho Campos (PSOL), que perdeu a disputa no primeiro turno. O documento foi produzido pela ANA como forma de subsidiar políticas públicas para segurança alimentar.

A última pesquisa eleitoral, divulgada na quinta-feira (26) pelo RealBigData, aponta 47% das intenções de voto para Delegado Pazolini contra 40% para João Coser. Brancos e nulos somaram 9% e 4% não souberam ou não responderam.

EM VILA VELHA, CANDIDATO RURALISTA IGNORA INSEGURANÇA ALIMENTAR

Na vizinha Vila Velha, que também foi ao segundo turno, abordagens sobre fome nos planos de governo são tímidas. O candidato à reeleição Max Filho (PSDB) sequer cita segurança alimentar ou merenda escolar em seu plano de governo e só fala de agricultura quando ligada à produção do agronegócio. Entre 2011 e 2016 — ano em que deixou o mandato de deputado para assumir a prefeitura do município capixaba — o tucano se notabilizou como um dos principais defensores do setor cafeeiro no Congresso.

Membro da Frente Parlamentar do Café, um dos braços da bancada ruralista, Max Filho foi autor de um projeto de decreto legislativo que buscava revogar uma instrução normativa do Ministério da Agricultura que autorizava a importação de grãos de café arábica do Peru. Encampada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a medida protecionista foi aprovada nas comissões de Agricultura e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), mas não foi transformada em norma jurídica.

Liderando as pesquisas de intenção de voto, seu oponente, Arnaldinho Borgo (Podemos), prevê em seu programa de governo fortalecer a agricultura familiar, estimular e oferecer apoio técnico para a implantação de hortas urbanas e comunitárias. Nenhum deles assinou a carta da ANA.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, três em cada dez domicílios no Espírito Santo sofriam com insegurança alimentar em algum grau entre 2017 e 2018. O total é três vezes maior que o índice registrado na última pesquisa, de 2013, saltando de 10,4% para 30,7%.

Ao menos 1,3 milhão de pessoas sofrem com a insegurança alimentar no estado. Deles, 21,1% vivem em domicílios com insegurança alimentar leve, 6,2% com insegurança alimentar moderada e 3,4% em situação grave.

Imagem principal (MovEM-Rio/Facebook): integrantes do Movimento de Mães, Pais e Responsáveis pela Escola Municipal Carioca protestam contra falta de merenda

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