Imissão de posse na área do quilombo ocorreu em 3 de dezembro de 2020. Famílias já planejam roçados para inverno de 2021
Na Procuradoria da República na Paraíba*
Ontem (3), foi uma data significativa para as cerca de 40 famílias da comunidade quilombola do Matão, localizada nos municípios paraibanos de Mogeiro e Gurinhém, a aproximadamente 70 km da capital. A data marcou um mês da imissão de posse do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no primeiro dos três imóveis do território quilombola de 214 hectares, identificado e delimitado como área remanescente de quilombo pela Superintendência Regional do Incra na Paraíba. A luta da comunidade é acompanhada há alguns anos pelo Ministério Público Federal (MPF), que obteve deferimento judicial acolhendo parecer favorável à imissão do Incra na posse dos dois imóveis restantes que integram o território quilombola do Matão.
Conforme relato divulgado pela assessoria de Comunicação do Incra, durante a solenidade de assinatura do auto de imissão de posse, um grupo de crianças da comunidade tocou tambores e instrumentos musicais improvisados para comemorar a conquista do território. Ainda segundo o relato, a imissão da autarquia na posse da Fazenda Santo Antônio, com cerca de 118 hectares, ocorreu na presença de representantes do Quilombo Matão e de outras comunidades quilombolas, do superintendente do Incra/PB, Kleyber Nóbrega, do chefe da Divisão de Governança Fundiária da autarquia no estado, Antônio de Lisboa Dias, e do oficial de Justiça Federal Elder Saldanha Pontes Filho.
A principal fonte de sobrevivência das famílias do Matão é a agricultura, destacando-se o cultivo de feijão, milho e fava. De acordo com lideranças da comunidade, a expectativa das famílias é que a imissão de posse no primeiro imóvel agilize o quanto antes a titulação das áreas que ainda faltam.
Gana sempre – Depoimentos dos líderes da Associação do Matão, colhidos pela Ascom do Incra, revelam o impacto que o acesso à terra significará para o futuro das famílias quilombolas. Para a presidente da Associação do Matão, Josefa de Paiva Santos Silva, a comunidade quilombola agora começa a vislumbrar uma nova fase de muita alegria, esperança e trabalho. “Essa conquista é fruto de muitas lutas”, afirmou.
Josefa Paiva, mais conhecida como Zefinha, destacou a importância das mulheres na resistência e na conquista da terra. “Foram as mulheres que deram início a toda a luta e, ao longo da caminhada, envolveram os jovens e convenceram os maridos a participarem, dando apoio e acompanhando na mobilização”, contou Zefinha. “Meu coração está muito alegre por essa conquista maravilhosa”.
Cuidar da plantação – De acordo com o vice-presidente da associação, José Maximino da Silva, agora as famílias se sentem seguras e empoderadas por estarem de posse de uma área onde poderão desenvolver sua agricultura, o plantio de culturas de subsistência, como feijão, fava, milho, macaxeira e batata-doce, e ainda para desenvolverem suas criações de animais, a plantação de árvores frutíferas e a horticultura.
“A comunidade está em festa e segura, pois, a partir do próximo ano, já poderemos colocar nossos roçados e produzir nossos próprios alimentos. A conquista, mesmo que parcial, do nosso território já é uma garantia do retorno de muitos quilombolas que precisaram sair da comunidade para garantir a própria sobrevivência, o sustento de suas famílias. A partir de agora, a comunidade pode acessar diversas políticas públicas, o que antes era impossível por conta da falta da posse da terra”, disse o vice-presidente da Associação do Matão, José Maximino.
Onde houve possibilidades, houve conquista – A vitória, ainda que parcial, também foi comemorada pela presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes (Aacade), Francimar Fernandes. “Estamos muito felizes com essa vitória da comunidade quilombola do Matão, ainda parcial, porque faltam as demais áreas. Após tantos anos de espera do reconhecimento, a justiça vai sendo feita e o direito conquistado. Destaco o papel muito importante da associação, das mulheres, dos jovens em especial, no processo de elaboração do território”, disse a presidente.
Francimar Fernandes também destacou o papel do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União, além do papel fundamental, com todo o empenho, da equipe de divisão antropológica dos territórios do Incra na luta pela conquista dos territórios quilombolas. “A parceria do MPF e da DPU com os quilombos foi um divisor de águas na Paraíba. Há vários casos ainda para serem resolvidos, mas onde o Ministério Público e a Defensoria da União atuaram, e onde houve possibilidades, houve conquista. É uma grande vitória para o movimento quilombola não só da Paraíba, mas para o movimento quilombola do Brasil”, comemorou a presidente da Aacade.
Identificação da comunidade – De acordo com o Incra, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da área de aproximadamente 214 hectares do território de Matão, a aproximadamente 80 km da capital João Pessoa, foi publicado em novembro de 2009. O trabalho foi elaborado pela Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB), que, em março de 2008, firmou contrato com o Incra/PB para agilizar o processo de regularização de Matão e de outras duas comunidades quilombolas do Agreste paraibano, que somam 205 famílias: Grilo, no município de Riachão do Bacamarte, a 98 km da capital paraibana; e Pedra D’Água, no município de Ingá, a 95 km de João Pessoa.
O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) é composto pelo Relatório Antropológico, que aponta os aspectos históricos e socioculturais da comunidade, bem como a relação deles com o território a ser delimitado, e ainda pelo Laudo Agronômico e Ambiental, pelo levantamento dominial do território, pelo cadastro das famílias pertencentes à comunidade e pelo Mapa e Memorial Descritivo da área.
Após a conclusão do Relatório Antropológico, o Incra fez o cadastramento das famílias, o levantamento dos títulos incidentes no território, a delimitação do seu perímetro e os estudos ambientais para só então publicar o resumo do RTID no Diário Oficial do Estado.
Processo de regularização quilombola – Segundo explica o Incra, para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Autorreconhecimento em nome da comunidade. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.
A regularização do território tem início com um estudo da área para a elaboração do Relatório Técnico que identifica e delimita o território da comunidade. Uma vez publicado o seu resumo nos diários oficiais da União e do Estado, notificados os interessados, atendidos os prazos legais para a contestação por parte dos mesmos e para o julgamento destas, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. Depois da portaria de reconhecimento, é feita a instrução para o decreto de desapropriação dos imóveis inseridos no território delimitado, que é assinado pelo presidente da República. O Incra então realiza a vistoria na área para que seja aberto o processo de desapropriação na Justiça.
Por fim, o Incra explica que a regularização fundiária é feita com a retirada de ocupantes não quilombolas por meio de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território. A fase final do procedimento é a imissão do Incra na posse do imóvel e a concessão de um título coletivo e inalienável de propriedade à comunidade em nome de sua associação dos moradores com registro no cartório de imóveis.
Inquérito Civil 1.24.000.000726/2019-73
*Por Assessoria de Comunicação do Incra.
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Imagem: Comunidade do Matão comemora conquista do território. Foto: Aacade