Pandemia estreitou os laços campo-cidade, avaliam camponeses capixabas

Dobrou número de cestas entregues em algumas cidades. E, junto dos alimentos, o bate-papo sobre ‘a vida na roça’

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

A maior crise sanitária do século fez aumentar a procura por uma alimentação saudável, livre de venenos, em todo o mundo. Por isso, os agricultores que já estão nesse caminho e são amparadas por uma rede de apoio para a certificação agroecológica/orgânica de seus produtos, puderam ampliar sua produção, levando saúde, alegria e esperança para os consumidores, fortalecendo os laços campo-cidade. 

No centro-oeste do Espírito Santo, famílias ligadas ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) viram mais que dobrar o número de cestas entregues na sede do município. “Veio uma demanda maior, as pessoas começaram a se preocupar cada vez mais com alimentação saudável, agroecológica. A gente aqui entregava 40 cestas em média por semana, passou pra 80 a 100!”, relata a camponesa, técnica em Agropecuária e educadora do campo Ana Flávia Luck, que cuida, junto com a mãe, Dona Zezé, e a família, do Sítio Boa Sorte. 

O crescimento da produção e das entregas veio acompanhado do aumento da diversidade na horta e na lavoura. “Aprendemos muito mais a nos relacionarmos com as pessoas. Ao entregar as cestas, sempre rola um papo gostoso, as pessoas entediadas em casa, querendo saber como é a vida na roça. Também ampliamos a variedade de verduras, com itens que os clientes pediam, que a gente ainda não produzia”, descreve. 

A perspectiva para 2021 é de continuidade desse múltiplo crescimento: “ampliar esse laço entre campo e cidade, que acho muito bonito e importante, porque as pessoas na cidade vêm cada vez mais valorizando o alimento saudável”, observa.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também continua no radar da agricultura familiar. Mesmo sem as aulas presenciais, os municípios e estados tinham o compromisso de entregar as cestas de alimentos para as famílias, o que não aconteceu em todos os lugares. “Aqui no município tem muitas crianças que só tem a merenda escolar como alimentação”, pontua Flávia. Vila Valério, no entanto, não manteve o PNAE em 2020. A expectativa é de isso aconteça este ano.

Apesar dos desafios e tanto sofrimento que 2020 trouxe com a pandemia, pondera Flávia, o balanço final foi de gratidão e de expectativa de mais crescimento para 2021. “Precisamos melhorar essa articulação com a cidade e entre as famílias do campo, pra que mais agricultores possam fazer a transição para a agroecologia e a agricultura camponesa”, conclama.

Desafios e oportunidades

A maior produção, comercialização e diversificação foi uma feliz realidade para todas as famílias ligadas ao MPA no Espírito Santo e no Brasil, conta o facilitador em Agroecologia e militante do MPA Douglas Evaristo. “Dois mil e vinte foi um dos anos em que nós mais trabalhamos. Apesar das tantas crises, puxadas pela crise sanitária, e num cenário nefasto de invizibilização pelos governos”, contextualiza.

O salto só foi possível graças a uma imensa sinergia entre os camponeses militantes do Movimento. Em fevereiro, poucas semanas antes da decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o MPA havia decidido em ampla assembleia, por um plano de trabalho anual muito voltado para as trocas e demandas internas da organização. “Assistência técnica, circuito de escambo entre as famílias, trocas de sementes, reforço das visitas dos pares relativas à certificação participativa … a ideia nem era tanto vender pra fora, mas entre as famílias”, elenca.

A assembleia, lembra, “foi um momento de euforia, uma grande confraternização de um trabalho iniciado em 2015, com um seminário do MPA voltado à aliança campo-cidade baseada na soberania alimentar”.

Com a pandemia, primeiro veio “o choque e uma freada”, conta. Mas, em seguida, vieram as ações do mutirão contra a fome. A visão, afirma, foi de que o momento era pra atuar “contra a fome da população urbana e rural”, o que fez os camponeses se prepararem para enfrentarem a situação com segurança. “A gente via o risco de trabalhar, entregar as cestas, mas seguimos todas as regras de segurança e deu tudo certo. Está dando!”, comemora.

O resultado foi “uma defesa muito maior da Agroecologia e um relacionamento com setores que não conversavam ainda, como grupos de cultura”, que também passaram a demandar cestas de alimentos agroecológicos e alguns “dedos de prosa”. Dessa maior necessidade de diálogo, surgiram três eventos online com consumidores, onde foi possível para ambos os lados se entenderem melhor, em salas virtuais de reuniões, sempre com lotação máxima e fila de espera.

Acompanhamento técnico

Em 2021, o MPA tem no horizonte pelo menos um grande projeto aprovado com uma entidade alemã, a Delaus Bielzfeld, para realizar o acompanhamento técnico de 150 famílias associadas a Organismos de Controle Social (OCSs) de dez municípios no norte, noroeste e centro-oeste capixaba: Águia Branca, Água Doce do Norte, Baixo Guandu, Barra de São Francisco, Domingos Martins, Itaguaçu, Santa Maria de Jetibá, São Gabriel da Palha, São Mateus e Vila Valério. “Precisamos dar um novo salto. A conjuntura nos demanda esse salto”, observa Douglas.

Imagem: MPA/ES

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