Procurador aponta aspectos inconstitucionais e ilegais da nova regra de licenciamento em terras indígenas
Procuradoria da República em Mato Grosso
O Ministério Público Federal (MPF), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, encaminhou na última sexta-feira, dia 26 de fevereiro, ofícios à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) requisitando explicações sobre a Instrução Normativa Conjunta Funai/Ibama n. 1, de 22 de fevereiro de 2021.
A IN Conjunta nº 01/2021 dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de terras indígenas cujo empreendedor sejam organizações indígenas. Mas, em seu primeiro artigo, o documento traz que as organizações poderão ter composições mistas de indígenas e não indígenas, além de cooperativas ou diretamente via comunidade indígena.
Para o procurador da República, titular do Ofício Indígena em Mato Grosso, Ricardo Pael Ardenghi, mesmo que esteja previsto no parágrafo primeiro que a composição mista deverá ser majoritariamente de domínio indígena, a normativa vai contra o que é assegurado na Constituição Federal de 1988, que prevê, em seu artigo 231, parágrafos 2º e 4º, que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se ao usufruto exclusivo deles, de forma permanente, sendo inalienáveis e indisponíveis para outros. Assim, somente os indígenas possuem o direito, imprescritível, de usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nessa área.
Além disso, a impossibilidade da instalação de empreendimentos no interior de terras indígena com a participação de organizações de composição mista de indígenas e não indígenas está prevista no artigo 18 do Estatuto do Índio (Lei nº 6001/1973) e nos artigos 94 e 96 do Estatuto da Terra (Lei nº 4504/1964).
O artigo 18 do Estatuto do Índio traz que as terras indígenas não podem ser arrendadas ou objeto de qualquer negócio jurídico que restrinja o exercício da posse direta pela comunidade indígena. Já os artigos do Estatuto da Terra lembram que, apesar de estarem na posse dos indígenas, essas áreas são pertencentes à União, são de propriedade pública, e o contrato de arrendamento ou parceria na exploração dessas terras é vedado por lei.
Outro fato salientado pelo procurador, no ofício encaminhado aos órgãos, é que, apesar de a IN Conjunta n. 1 ter sido elaborada em virtude do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nº 03/2019, firmado com o MPF, ela contraria pelo menos três cláusulas do acordo firmado.
O TAC firmado entre Ibama, Funai, indígenas e Ministério Público Federal, em 16 de dezembro de 2019, tem como objeto a regularização ambiental e fiscal das lavouras mecanizadas das comunidades indígenas Paresi, Manoki e Nambikwara, no interior das Terras indígenas Rio Formoso, Paresi, Utiariti, Tirecatinga e Irantxe, no estado de Mato Grosso.
Nele foi acordado que as cooperativas indígenas devem assegurar a exploração da terra e o desenvolvimento de atividade econômica no interior do território demarcado exclusivamente por indígenas, em observância ao usufruto exclusivo previsto no art. 231, §2º, da CF, não celebrando contratos que possam caracterizar arrendamento ou parceria, sob pena de rescisão do presente acordo. Ainda segundo o TAC, compete à Funai realizar ações de fiscalização autonomamente ou em conjunto com o Ibama, orientando as cooperativas e associações indígenas, assim como seus associados, quanto à correta utilização das áreas a serem cultivadas e advertir seus membros quanto às consequências de eventual descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta.
Por fim, concluiu o procurador da República Ricardo Pael requisitando esclarecimentos também sobre a participação dos indígenas na elaboração do texto, já “que a referida Instrução Normativa Conjunta Funai/Ibama n. 1, de 22 de fevereiro de 2021, muito embora seja uma inegável medida administrativa suscetível de afetar os povos indígenas diretamente, não foi objeto de consulta prévia, livre e informada, como exige o art. 6º, 1, a, da Convenção n. 169 da OIT”.
Funai e Ibama tem cinco dias para prestar os esclarecimentos requisitados.
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Arte: Secom/MPF