Projeto MP Social reúne mais de uma centena para escuta sobre Vale do Ribeira

O MPSP tem que ser o agente que vai levar essa região a um patamar melhor, diz PGJ

Ambientalistas, quilombolas, caiçaras, indígenas, representantes do terceiro setor, integrantes de conselhos municipais, acadêmicos, profissionais da rede de atendimento psicossocial, servidores, procuradores e promotores de Justiça. Foi essa a composição da escuta promovida pelo MPSP na manhã desta sexta-feira (5/3) como etapa da construção do Projeto Estratégico MP Social para o Vale do Ribeira, que integrará o Plano Geral de Atuação da instituição. “O Ministério Público de São Paulo tem que ser o agente que vai levar essa região a um patamar melhor”, declarou o procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, ao abrir a reunião de trabalho com mais de uma centena de participantes.

Logo após as explanações dos promotores João Paulo Faustinoni e Andrea Santos Souza, do Centro de Apoio Operacional Cível (CAO Cível), o ambientalista Fernando Prioste, do Instituto Sócio Ambiental, apontou os empreendimentos de mineração como negativos para a região. Ele sugeriu ao MPSP que inclua em seu Plano Geral de Atuação um esforço para garantir a “consulta livre, prévia e informada” à “comunidade do território” antes da aprovação dos empreendimentos.

Para Ocimar Bim, do Instituto Florestal, a questão fundiária é o maior problema da região. “É preciso dar segurança jurídica para esses moradores”, sustentou, referindo-se às comunidades tradicionais. “O Vale do Ribeira tem um conjunto de comunidades tradicionais”, reforçou Rodrigo Marinho, quilombola do município de Eldorado. De acordo com ele, ações típicas desses povos ancestrais são vistas pelas autoridades como crimes ambientais. “Precisa ter um olhar mais próximo”, argumentou.

Nilce Ponte, do Quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca, acrescentou que as políticas públicas voltadas a esse segmento da população são descontinuadas porque elas não têm um território determinado. “A gente não é contra o desenvolvimento do Vale do Ribeira, mas a gente quer participar desse desenvolvimento”, comentou.

A intervenção da assistente social Gabriely Rosa Vassao, da Associação dos Amigos do Autista de Registro, como ela própria definiu, ocorreu em tom de desabado. Gabriely contou que a associação atende a 300 famílias. Por uma questão de custo, a associação banca consultas em uma cidade do Paraná, vizinha ao Vale do Ribeira. As terapias indicadas pelos especialistas, entretanto, não são realizadas nas unidades de saúde da região, sob a alegação de que o laudo tem origem em outro Estado. “É difícil para a gente ver a família batendo cabeça. Ter as portas fechadas depois de ter um laudo”, disse Gabriely.

Ataíde Vherá Mirim, liderança do povo guarani, ensinou que “é um território só” em que todos têm o “direito de viver harmonicamente”. De acordo com ele, os não indígenas criam leis que fazem essa delimitação. Vherá Mirim, cujo nome significa pequeno raio, refutou também a noção de propriedade com a qual convive no curso de administração que está fazendo não para aplicar em empresas, mas na comunidade. “Muitos falam que o território tinha um dono. A terra não é para ser considerada assim”, afirmou ele, compartilhando um conhecimento que “é passado através da fala” pelos guaranis mais antigos.

O cacique Leonardo da Silva também se manifestou. “Muitas vezes a gente é impedido de fazer a nossa roça”, contou. “Como a gente vai sobreviver?”, indagou. Para Adriana Lima Caiçara, do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, a polícia ambiental não respeita a autodeclaração e faz abordagens muito duras. Na visão dela, é preciso uma articulação das comunidades com o poder público para se alcançar um equilíbrio entre a proteção ao meio ambiente e todos os outros direitos dos quais são sujeitos os povos e comunidades tradicionais.

A assistente social Ana Léa, da Prefeitura de Jacupiranga, indicou a necessidade de priorizar a saúde mental no Vale do Ribeira. Jefferson Pecori, do Conselho Municipal de Saúde de Registro, demonstrou preocupação, dentre outras questões, com o crescimento dos índices de mortalidade infantil. “É muito importante o Ministério Público estar abrindo essa escuta”, opinou. O secretário municipal de Saúde de Barra do Turvo, Roberto Catarina, expressou o mesmo entendimento sobre a relevância do encontro, que ainda teve as participações dos psicólogos Isa Cris Fraga e Lucas Petronilho. Ambos mencionaram a importância de uma articulação regional para a instalação de equipamentos públicos de saúde no Vale do Ribeira.

As professoras e pesquisadoras Cynthia Franceska (Centro Universitário do Vale do Ribeira) e Valéria Silva (Universidade de São Paulo-USP) trouxeram contribuições do campo acadêmico. Cynthia apontou “a criminalização das práticas culturais das comunidades tradicionais”, enquanto Valéria revelou que, de acordo com sua pesquisa na última década, os jovens do Vale do Ribeira, “muitas vezes quando vão estudar fora, não se identificam como moradores” por conta do que ela classificou como “racismo ambiental”, ou seja, a discriminação contra quem tem raízes na região.

O promotor Cláudio Sérgio Alves Teixeira, no encerramento da reunião, disse: “Estou espantado como eu não conheço a minha comarca”. Para o secretário especial de Tutela Coletiva do MPSP, Mário Malaquias, os depoimentos trouxeram tanta riqueza que até mesmo “um promotor ativo” como Cláudio entra em contato com novos aspectos da realidade local. “Os promotores da região estão atentos”, afirmou Malaquias, informando que na próxima reunião, a partir dos subsídios colhidos na escuta, que teve como última intervenção a fala do analista jurídico Rodrigo Pereira Guimarães, começa a elaboração de projetos das Promotorias para transformar essa realidade social.

O promotor Daniel Godinho disse que esse modelo de planejamento impõe grande responsabilidade a todos. “Acho que é muito rica essa interlocução”, constatou a promotora Sirlene Fernandes da Silva, do Núcleo de Incentivo em Práticas Autocompositivas (Nuipa). “A gente se comove com os depoimentos”, concluiu o promotor Eduardo Tostes (CAO Cível).

Dois moradores do Quilombo de Pedro Cubas em sua casa., no Vale do Ribeira. Foto: Pulsar Imagem

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