No TUTAMEIA
“Esse dia, que nós não vamos esquecer jamais, Dia da Mulher, 8 de março de 2021, é um marco para a nossa democracia. É um marco da retomada de tudo o que nós perdemos ao longo dos últimos anos. Estou realmente extremamente feliz porque é um caminho mínimo de justiça que tem de ser feito, tanto em relação ao ex-presidente Lula quanto em relação a todo o povo brasileiro.”
Assim Kenarik Boujikian, uma das fundadoras da Associação Juízes pela Democracia, avaliou a decisão do juiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que anulou todas as condenações de Lula, tornando o ex-presidente novamente apto a disputar cargos públicos, podendo ser candidato à Presidência da República no ano que vem.
Desembargadora aposentada, ela falou ao TUTAMÉIA horas depois de a sentença de Fachin ter sido anunciada (clique no vídeo para ver a entrevista completa).
Logo de início, afirmou: “Temos de comemorar essa decisão que veio do STF. São tantos anos nessa batalha por justiça. Uma das questões fundamentais para haver justiça é que a pessoa seja julgada por um juiz imparcial e pelo juiz natural, que é o juiz que a lei estabelece que deve julgar. Todos os processos têm um regramento que estabelece onde ele deve tramitar. Quando há um processo que viola essas condições básicas, essenciais, que estão previstas em nossa Constituição, nós não temos uma verdadeira Justiça”.
Na avaliação dela, um erro histórico foi corrigido: “O processo contra o ex-presidente Lula não poderia tramitar em Curitiba. O juiz Moro achou que ele era o juiz de Lula, de todos os processos de Lula. Então ele pegou e ficou com todos os processos de Lula, e o fez de forma errada, de forma que eu considero fraudulenta”.
E segue: “Nós sabemos que esses processos não foram gratuitos, tiveram finalidades outras, e estamos tendo os frutos de tudo isso que ocorreu nesses processos em relação a todas as questões para o país. Transgrediram regras e admitiram que transgrediram regras. O TRF-4, quando foi tratar de uma falta em relação ao ex-juiz Moro, de divulgação daquelas conversas telefônicas [entre Lula e Dilma, gravadas de forma ilegal], disse que, em épocas excepcionais há respostas excepcionais. Fora da lei, gente!”
Diz também: “Foi uma sucessão de ações, tanto do juiz quanto do TRF, que passou a mão e admitiu todas as violações que foram feitas. Eu acho que essa decisão é um marco nesse sentido, de que tudo vai poder ser retomado. Esse processo tem um caráter simbólico para o país. Nele está contido um sentido democrático. Ele teve efeitos enormes para o país. Nós tivemos uma eleição. Uma das pessoas que eram favoritas à época não pode se manifestar. Foi proibida de dar entrevistas, coisas que os presos faziam –eu, como juíza criminal, autorizei muitas vezes réus darem entrevista; outros juízes também fazem isso. Saídas que não foram das ao presidente Lula, em situações adversas, em situações dolorosas. São muitas as violações.”
Por isso, reafirma, a sentença de Fachin, tem gosto de vitória: “Considero que temos neste 8 de março de 2021 uma retomada da democracia, uma retomada de conquista de nossos direitos, uma retomada da dignidade do povo brasileiro”.
O que não alivia a sombra que pesa sobre o Judiciário não apenas por causa de todas as irregularidades cometidas nas ações contra o ex-presidente Lula: “O Judiciário foi um dos atores e foi instrumento para que tudo isso acontecesse. Temos diante de nós, é inegável, o fenômeno chamado law fare. Mas o Judiciário carrega uma história que não é só desse episódio, uma história que não foi recolocada. Tivemos a ditadura civil-militar de 1964 a 1985. As instituições que deveriam surgir do processo democrático que nasce após 1988 [com a nova Constituição], elas não foram depuradas. O Judiciário continuou exatamente igual como era, com as mesmas regras, com tudo igual. A Lei Orgânica da Magistratura é desse período, foi promulgada pouco antes do término desse período [da ditadura]. As instituições não foram depuradas. Vai precisar muito trabalho político”.
A decisão de Fachin, no entender da integrante da Associação Juízes pela Democracia, abre uma janela de oportunidade:
“Um juiz no Supremo Tribunal Federal –e toda a Justiça— só pode fazer as ações com a dignidade que o povo merece se agir dentro da legalidade, se agir dentro dos princípios constitucionais. Eu tenho esperança de que o STF retome a trilha própria de um poder supremo, que deve ser o Judiciário. O Judiciário tem, neste momento, em suas mãos, essa possibilidade. Eu quero apostar que vai cumprir o seu papel e retomar os trilhos da democracia. É o que eu espero do Judiciário. É o que todo o povo tem de exigir do Judiciário. Os juízes não são donos do Poder Judiciário, o Judiciário pertence ao povo soberano; que os juízes tenham consciência disso”.