por João Pedro Stedile e Alan Tygel, em Poder 360
O Convênio 100/97 que reduz em pelo menos 60% a alíquota de cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a todos os agrotóxicos foi prorrogado em reunião do Ministério da Economia com secretários de Fazenda de todos os Estados em 12 março.
Estudo publicado pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) concluiu que, dos cerca de R$ 10 bilhões dos benefícios a agrotóxicos concedidos em 2017, 63,1% se referem ao ICMS. Isso significa que os Estados deixaram de arrecadar R$ 6,3 bilhões.
De 2017 até hoje, a receita das empresas, a maioria transnacionais, com a venda de agrotóxicos, de acordo com dados da indústria, só vem aumentando. Isso significa que a “Bolsa Agrotóxicos” com subsídio da isenção de impostos liberada pelos Estados também cresceu. Há Estados onde a isenção chega a 100%.
Ao analisar o consumo de agrotóxicos no Brasil por cultura, cerca de 80% deles vão para as commodities: soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. Além disso, o Censo Agropecuário mostra que, de 2006 a 2017, essas culturas tiveram um aumento assombroso nos custos relativos aos agrotóxicos: 1.200% para o algodão, 588% para a soja, e 102% para a cana-de-açúcar. Portanto, pagar ICMS –como todos os demais produtos– não vai onerar a cesta básica, mas sim apenas a taxa de lucro de grandes empresas.
A CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o sindicato dos fazendeiros, argumenta que a retirada da isenção aumentaria os custos em R$ 40 bilhões. Isso é revelador de quanto eles se apropriam de uma renda que deveria ir para o Estado. Mesmo que aumentasse os custos de produção, não seria assumido pelos fazendeiros, mas repassado aos preços ou retirado da renda extraordinária com o aumento das exportações e da taxa de câmbio.
É impressionante que os itens da cesta básica pagos pelo nosso povo, como feijão, macarrão, óleo de soja e leite, continuem pagando ICMS. Esse é um país em que os que mandam não se envergonham de cobrar impostos de comida e isentar de venenos.
Em momento de grave crise econômica e sanitária, não custa perguntar: quantas mortes por covid-19 seriam evitadas se os Estados não abrissem mão desta pequena fortuna todos os anos? Quantos leitos de UTI, respiradores, oxigênio ou doses de vacina poderiam ser comprados? Quantas escolas e professores poderiam ser contratados, nos Estados, com aqueles R$ 40 bilhões que ficarão com as empresas?
Os governadores e seus operadores deveriam ler melhor os sinais que vêm do exterior, em tempos de crise capitalista e da pandemia. A União Europeia está caminhando para banir o uso de glifosato em todos os produtos, prática que alguns países já adotaram. Isso vai atingir também as exportações agrícolas brasileiras que teimarem em usar esse perigoso veneno.
Deveriam tomar conhecimento que lá nos Estados Unidos existem 125 mil processos de fazendeiros contra a Bayer/Monsanto, pedindo indenizações milionárias, pois está comprovado que suas enfermidades foram causadas pelo uso de glifosato. A Bayer já pagou mais de 10 bilhões de euros em indenizações, e há muitas outras pendentes.
Aqui no Brasil não são os fazendeiros que passam o veneno, pois moram em mansões nas cidades. Quem vai ficar doente e pagar com suas vidas serão os peões, que trabalham nos tratores com os pulverizadores de veneno.
Os governadores poderiam aprovar que todos os custos de tratamento das enfermidades dos trabalhadores decorrentes do uso de agrotóxicos deverão ser pagos pelos fazendeiros.
Há um setor da burguesia que quer um capitalismo só de lucros, e não quer assumir nenhuma obrigação social com o Estado. O Estado é apenas para ter juízes e polícia?
Ignorantes, esquecem que a concentração da riqueza e as desigualdades sociais resultantes levarão à tumba também esse modelo de agricultura.
O fim da farra das isenções sobre agrotóxicos no Brasil é mais do que urgente. Seja pela visão fiscal, seja pela visão de saúde, a ação do Estado na economia deve seguir uma lógica virtuosa. Devem contribuir para a redução dos perigos à saúde e para o incentivo à produção de alimentos saudáveis.
Assim como é urgente revogar a Lei Kandir dos tempos do governo FHC para que as exportações de commodities agrícolas e minerais voltem a pagar ICMS sobre exportações. Os exportadores de soja pagam 35% na Argentina sobre o valor exportado. Aqui estão isentos. Por quê?
É lastimável a prorrogação pela 24ª vez do Convênio 100/97 em um momento em que os Estados começam a colapsar seus sistemas de saúde pública e mais de 20 milhões de pessoas estão na pobreza.
O Brasil vive em uma situação de emergência e tem como prioridade a saúde, com a abertura de leitos, garantia de insumos e investimentos no SUS, e a retomada do programa do auxílio emergencial, com um valor correspondente à necessidade das 67 milhões de pessoas que recebiam no ano passado.
Enquanto diversos países criam ou aumentam a alíquota de impostos sobre os mais ricos ou sobre o grande capital para enfrentar a situação de calamidade, aqui se mantém privilégios que beneficiam um segmento específico em prejuízo do conjunto da sociedade.
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Convênio 100/97 reduz em pelo menos 60% a alíquota do ICMS sobre agrotóxicos