Por Roberta Costa, Agência Fiocruz de Notícias
Dar visibilidade a vivências profissionais e pessoais de trabalhadores negros da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), criando um espaço para refletir sobre as desigualdades étnicos-raciais e o racismo estrutural. Esse foi o objetivo do encontro Trajetórias Negras na Fiocruz, que chegou a sua sexta edição no dia 9 de março. O evento, promovido pela Fundação, por meio do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, foi realizado pela segunda vez de forma on-line, com transmissão aberta ao público pelo canal da VideoSaúde Distribuídora da Fiocruz, no Youtube.
O encontro marcou o Dia Internacional da Mulher (8 de março) e contou com a participação de duas servidoras para apresentarem um pouco de suas histórias: Denise Oliveira e Silva, pesquisadora em Saúde Pública e vice-diretora da Fiocruz Brasília, doutora em Ciências da Saúde e pós-doutora em Antropologia da Alimentação; e Roberta Gondim, psicóloga, professora/pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), mestre em Saúde Pública e doutora em Sociologia.
A mediação do debate ficou por conta de Roseli Rocha, integrante da coordenação colegiada do Comitê Pró-Equidade e assistente social do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). “O 8 de março é um dia de celebração sim, mas sobretudo é um dia de constante luta. Nós sabemos que a cada conquista, temos que fortalecer ainda mais as lutas para que não haja retrocesso. A luta pelos direitos das mulheres é permanente”, pontuou Roseli.
Luta por igualdade
A abertura do evento contou com a leitura da Carta Manifesto do Coletivo de Mulheres da Fiocruz, feita pela integrante da coordenação colegiada do Comitê Pró-Equidade e jornalista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Marina Maria. O documento foi assinado por 473 mulheres da Fundação, com diferentes vínculos, e traz propostas e recomendações para garantir condições mais saudáveis e equânimes de trabalho.
“Diariamente, vivenciamos situações que subestimam nossas capacidades, temos nossas falas interrompidas e perspectivas desconsideradas. Hoje, mais do que nunca, é necessário dizer que essas relações de trabalho desiguais e injustas nos produzem sofrimento e adoecimento, e entendemos que são também uma barreira para o avanço da ciência. Hoje é o momento de propor, exigir e lutar por relações de trabalho mais justas e igualitárias, que incluam nossas diferenças nos modos de fazer e existir”, diz um trecho da carta manifesto.
De acordo com Marina, a carta foi entregue no dia 8 de março para a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, na expectativa de escuta, acolhimento e de mais apoio nas ações institucionais pelo fortalecimento dos direitos das mulheres. “O dia 8 de março foi um dia para celebrar vitórias e conquistas, mas, sobretudo para fortalecer a luta pelos direitos das mulheres. Essa carta foi construída coletivamente e registra um pouco das reflexões sobre desigualdade que as mulheres sofrem cotidianamente, com propostas práticas de enfrentamento”, declarou a jornalista.
Além de celebrar a data importante para a agenda pelos direitos das mulheres, o sexto encontro Trajetórias Negras também fez parte da campanha 21 Dias de Ativismo contra o Racismo deste ano. Realizada desde 2017, a campanha reúne iniciativas como palestras, debates e apresentações culturais para fortalecer e ampliar as discussões a respeito do racismo e marcar o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e celebrado no dia 21 de março.
Racismo institucional
O racismo institucional é uma forma de discriminação, silenciosa ou não, que ocorre dentro das instituições públicas ou privadas com pessoas negras e que promove a exclusão ou o preconceito racial. De uma maneira geral, ele é definido como privilégio a determinado grupo de indivíduos em detrimento de outros, em razão da etnia a qual estes pertencem, revelando-se na diferença de tratamento, distribuição de serviços ou benefícios.
Ao narrar sua trajetória de vida e profissional, a vice-diretora da Fiocruz Brasília Denise Oliveira e Silva disse que começou a reparar as nuances do racismo institucional na Fiocruz nas décadas de 1980 e 1990, quando percebeu que falar de fome, miséria e favelado era considerado projeto social, e não pesquisa. “Muitas vezes eu não me senti discriminada, mas ao mesmo tempo fiquei me perguntando ‘por que aquilo que tal pesquisador que usa dados de bancos secundários faz é pesquisa e o que eu estou fazendo nas áreas faveladas é considerado projeto social?’ Não era uma relação de racismo direta, havia uma sutileza. E quando eu me deparava com isso, muitos colegas me diziam que não existia racismo no Brasil porque eu recebia o mesmo salário que eles”, contou a convidada.
Denise também falou sobre o processo de amadurecimento da Fundação em relação ao racismo institucional. “No presente, eu vejo que a Fiocruz teve a coragem de assumir a existência e de trazer uma série de estratégias para debater e combater de fato o racismo estrutural e histórico que está instalado na sociedade brasileira”, destacou.
Saúde pública e racismo
A convidada Roberta Gondim, pesquisadora e professora da ENSP/Fiocruz, falou de suas origens familiares e da motivação para se dedicar ao estudo no campo da saúde pública. “Eu priorizei o conhecimento como possibilidade de transformação de vidas e foi nessa certeza que me formei como psicóloga e iniciei a minha vida profissional na saúde pública para me dedicar à população pobre, indígena e negra. Essas populações enfrentam desafios gerados pelas desigualdades de classe, de raça e de origem”, salientou.
Para Roberta, a saúde pública exclui as populações vulnerabilizadas e o racismo é uma das principais partes constitutivas dessa exclusão. “Essas pessoas com quem me dedico a trabalhar, que estão em espaços de favela, que estão nas ruas, que os direitos básicos não alcançam, elas têm cor”, lembrou a professora.
O encontro virtual do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz teve tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), em acordo com a política institucional para implementação de medidas de acessibilidade comunicacional, e está disponível na íntegra no canal VideoSaúde no YouTube.
Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz
O Comitê foi criado em 2009, para consolidar uma agenda institucional pelo fortalecimento dos temas étnico-raciais e de gênero na Fundação, colaborando para uma constante atualização e reorientação de suas políticas, bem como de suas ações, seja nas relações de trabalho, seja no atendimento ao público e na produção e popularização do conhecimento. Em 2018, passou a ser gerido por uma coordenação colegiada, sendo a promoção da equidade de gênero (incluindo as questões que abrangem a temática da diversidade sexual) e das relações étnico-raciais na Fiocruz prioridade do Comitê, em alinhamento com o posicionamento da instituição em defesa dos direitos humanos e do reconhecimento da diversidade da população.
—
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil