Dados de satélite compilados pelo consórcio Rapid Response apontam que imóveis ligados ao braço agrícola do Grupo Opportunity derrubaram florestas na APA Triunfo do Xingu; de volta à mídia, banqueiro investe em hotéis e campos de petróleo
Por Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas
As fazendas da Agro SB, braço rural do império erigido pelo banqueiro Daniel Dantas, desmataram 929 hectares de floresta em São Félix do Xingu (PA), dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu. Realizadas entre os meses de outubro de 2019 e junho de 2020, as supressões ocorreram em dois imóveis ligados ao grupo agropecuário de Dantas: as fazendas Lagoa do Triunfo IV e Lagoa do Triunfo V.
Os dados são oriundos do monitoramento por satélites realizado pelo consórcio internacional Rapid Response, que publica mensalmente relatórios sobre alertas de desmatamento relacionados às cadeias produtivas da soja e da pecuária, traduzidos ao português pelo observatório: “De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado“.
Em 2019, o complexo Lagoa do Triunfo já havia sido flagrado pelo consórcio em outros dois alertas de desmatamento, em parte remanescente das unidades I, III e IV, totalizando 1.518 hectares. Em setembro de 2020, outro imóvel pertencente à AgroSB em São Félix do Xingu, registrado no Sistema de Gestão Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Sigef/Incra) como “Lote 35, Setor D“, teve 365 hectares suprimidos.
Além dos 2.812 hectares desmatados em áreas da empresa no município, o consórcio registrou ainda focos de incêndio nos últimos dois anos, afetando unidades do complexo Lagoa do Triunfo. Do total da mata nativa desmatada, 32% foram destruídos com fogo. A recorrência nos casos levou a aplicação de quatro multas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), por desmatamento ilegal de vegetação nativa, que totalizam R$ 22 milhões.
Em nota enviada ao De Olho nos Ruralistas, a AgroSB alega que “os atos criminosos são praticados única e exclusivamente por invasores”, não sendo de responsabilidade da empresa, que afirma colaborar com as Polícias Civil e Militar, com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará (Semas/PA) e com o poder judiciário. Veja a nota na íntegra.
EMPRESA É RECORDISTA EM MULTAS DO IBAMA E ACUMULA CONFLITOS
Controlada pelo fundo de investimento Opportunity, a AgroSB (antes denominada Agropecuária Santa Bárbara Xinguara) é a recordista em multas ambientais no Brasil. Em reportagem publicada em janeiro de 2020 na revista Carta Capital, De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos trinta autuações aplicadas contra o grupo entre 1995 e 2019, nos municípios de Marabá, Cumaru do Norte, Eldorado do Carajás, São Félix do Xingu, Santana do Araguaia e Xinguara, todos no Pará. Ao todo, as multas somavam R$ 323 milhões.
Na época, a empresa alegou que, entre 2008 e 2010, havia se tornado vítima de perseguição por agentes do Ibama e que muitos desses processos foram extintos.
Dona de 515 mil hectares, a AgroSB era, até este ano, a terceira maior proprietária de terras no Brasil. Em janeiro, a empresa foi ultrapassada pela SLC Agrícola que, com a fusão com a Terra Santa Agro, passou a controlar 581 mil hectares, empatada com o Grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi: “Colosso do agronegócio nasce com casos de devastação e invasão de terras públicas“.
Considerada uma das principais criadoras de gado do país, a empresa foi flagrada, em 2019, descumprindo embargos ambientais do Ibama ao transferir gado do complexo Lagoa do Triunfo para engorda na Fazenda Espírito Santo, em Xinguara (PA), de onde os animais eram vendidos a dois abatedouros da JBS. A investigação conjunta entre Repórter Brasil, The Guardian e o Bureau of Investigative Journalism fez o fundo nórdico Nordea Asset Management remover o frigorífico brasileiro de seu portfólio de investimentos.
Além da pecuária, principal atividade do grupo, a AgroSB vem ampliando seus negócios no cultivo de soja, milho e algodão, com polos experimentais no sudeste do Pará.
As fazendas da AgroSB também são palco de conflitos. Em 09 de junho de 2020, três militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram presos durante a reocupação da Fazenda Cedro, um imóvel de 9.991 hectares em Marabá (PA). As prisões foram amplamente denunciadas como tentativa de criminalização da luta pela terra. A empresa enfrenta acusações em outras propriedades relacionadas ao uso de agrotóxicos como arma química, trabalho análogo à escravidão e criação de milícia armada.
DANIEL DANTAS INVESTE EM TUDO, DE AGRONEGÓCIO A PETRÓLEO
O banqueiro Daniel Dantas ficou famoso pela prisão, em 2008, durante a Operação Satiagraha, sob a acusação de suborno de servidores públicos — da qual foi absolvido em 2012. Ele é dono de uma fortuna avaliada em R$ 1,8 bilhão.
Além dos rebanhos e fazendas, o Grupo Opportunity voltou às manchetes no ano passado após investimentos vultosos nos setores imobiliário e de óleo e gás. Junto à irmã Verônica Valente Dantas, que assumiu a frente dos negócios após o burburinho gerado pelas investigações da Polícia Federal, o banqueiro comprou o icônico Hotel Glória, no Rio de Janeiro (RJ). Tombado pelo patrimônio histórico, o prédio será restaurado e convertido em um luxuoso prédio de apartamentos, a ser inaugurado durante a comemoração dos cem anos do edifício. No turismo, sua última novidade foi a compra de um terreno em Trancoso, famoso por abrigar a festa “Saravá”, onde celebridades e empresários costumam passar a virada de ano.
A mais nova cartada de Dantas é no setor do petróleo. Em fevereiro de 2021, a sua empresa Miranga S/A comprou nove campos terrestres da Petrobras por US$ 220 milhões. E ele não para por aí: o próximo passo do banqueiro é a privatização do Porto de Santos.
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Foto principal (Christian Braga/Greenpeace): desmatamento na APA Triunfo do Xingu, no Pará, em julho de 2020