Corte Interamericana: Estado brasileiro será questionado em audiência por descumprimento de sentença do caso “Ximenes Lopes vs Brasil”

A audiência acontece nesta sexta-feira (23), às 11h (horário de Brasília), com transmissão ao vivo do canal da CorteIDH no youtube.

Por Justiça Global

O descumprimento pelo Estado brasileiro da sentença do caso Ximenes Lopes Vs. Brasil será alvo de audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos, nesta sexta-feira (23). Trata-se da primeira condenação do Brasil por graves violações de direitos humanos. Damião Ximenes Lopes sofreu maus tratos, foi tortura e morto nas dependências de uma clínica psiquiatra conveniada ao SUS, em Sobral, no Ceará. O caso contribuiu para o impulsionamento da reforma psiquiátrica no país cujo marco normativo, a Lei 10216/01, completa 20 anos neste mês. Entretanto, após 15 anos da condenação, o Brasil não cumpriu todos os pontos resolutivos da sentença e tem atuado no desmonte da política de saúde mental no país. O pedido de audiência faz parte do monitoramento realizado pela Justiça Global, que atua como representante das vítimas. O documento enviado à Corte destaca os retrocessos nas políticas públicas de saúde mental no país, as condições desumanas e degradantes dos hospitais psiquiátricos e ressalta a importância da implementação integral da sentença. Participarão da audiência Raphaela Lopes e Eduardo Baker, advogados da Justiça Global, Isabel Lima, coordenadora da Justiça Global, Leonardo Pinho, da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), Daniel Melo e Lúcio Costa, peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, além de representantes do governo brasileiro e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em 2006, quando foi proferida a sentença, a Corte determinou que, além de reparação à família de Damião Ximenes Lopes, o Estado brasileiro também implementasse um programa de formação e capacitação para trabalhadores de saúde mental em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas com transtorno mental, conforme os padrões internacionais sobre a matéria, contribuindo, assim, para a luta antimanicomial. No entanto, 15 anos se passaram e o Estado brasileiro não cumpriu a obrigação. Ademais, o governo federal intensificou os ataques à política de saúde mental promovendo uma série de retrocessos, como o desmonte da rede de atenção psicossocial territorial e comunitária e tem atuado para o fortalecimento de comunidades terapêuticas, entidades privadas e restritivas de liberdade.

Maus tratos e tortura contra pessoas com transtorno mental é realidade em hospitais psiquiátricos do Brasil

As constantes violações dos direitos das pessoas com sofrimento ou transtorno mental escancara o desrespeito do Brasil com a dignidade da pessoa humana. Segundo o relatório “Hospitais Psiquiátricos no Brasil”, publicado pelo Conselho Federal de Psicologia, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Conselho Nacional do Ministério Público e Ministério Público do Trabalho, 73% dos hospitais psiquiátricos fiscalizados durante a inspeção nacional contavam com registro de pessoas em internação de longa permanência, ou seja, por um período superior a um ano. O relatório denuncia também problemas básicos de infraestrutura nos referidos hospitais “fiação exposta e infiltrações, além de esgoto a céu aberto na área externa de parte dos hospitais fiscalizados. Fezes no chão, usuários urinando em ralos nos pátios e ausência de itens básicos de higiene agravam o quadro. Em relação às mulheres, absorventes íntimos não são fornecidos em número adequado. Em algumas instituições, são fornecidas toalhas de papel, fraldas ou apenas pedaços de fraldas, enquanto em outros os itens devem ser adquiridos pelos usuários, com seus recursos próprios, na cantina da instituição.”

Damião Ximenes morreu em decorrência de maus tratos dentro de instituição psiquiátrica vinculada ao SUS

1999. Sobral, sertão do Ceará. Entre os filhos de uma família humilde estavam Cosme e Damião. Este último foi internado na Casa de Repouso Guararapes, a 72 quilômetros de onde morava, com quadro de depressão grave. Enquanto esteve internado, Damião foi torturado e submetido a condições desumanas e degradantes. Em uma de suas visitas ao filho, no dia 4 de outubro de 1999, dona Albertina Viana Lopes encontrou o filho caído, nu, de mãos amarradas e desacordado. Na época, o médico debochou da mulher quando ela disse que o filho morreria: “todos vamos morrer”, e recusou socorro a Damião. O rapaz de trinta anos morreu ali, diante da negligência de quem deveria ter zelado por sua saúde.

O laudo médico inicial da própria instituição apontou que a morte foi causada por uma parada cardiorrespiratória, mas a necrópsia pedida por sua irmã, Irene Ximenes Lopes, revelou que ele foi amarrado com as mãos para trás e sofreu diversos golpes, apresentando escoriações localizadas na região nasal, ombro direito, parte anterior dos joelhos e do pé esquerdo, equimoses localizadas na região do olho esquerdo, ombro homolateral e punho.

Em dezembro de 1999, dois meses após a morte de Damião, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) iniciou a tramitação do caso apresentado por sua irmã, Irene Ximenes Lopes. Posteriormente, a Justiça Global passou a atuar como peticionária. Em 2004, o caso foi apresentado à Corte IDH, uma vez que o Brasil não deu prosseguimento às recomendações feitas pela CIDH. A ação movida pela família de Damião e pela Justiça Global tem importância histórica, simbólica e concreta na luta em defesa dos direitos humanos no Brasil e contra os manicômios.

Serviço:
A Audiência de Supervisão de Cumprimento de Sentença do caso “Ximenes Lopes vs Brasil” ocorre virtualmente durante o 141º Período Ordinário de Sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Dia: 23/04/21
Horário: 11h (horário de Brasília)
Transmissão ao vivo no canal da Corte IDH no YouTube ou nas redes sociais da Justiça Global (Acesse a página da Justiça Global no Facebook aqui e do YouTube aqui)

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