‘Todas elas têm uma esperança muito grande de que isso vai passar’

Projeto Tupiabá apresenta relatos de crianças e adolescentes indígenas do ES e sul da BA sobre pandemia e futuro

Por Sarah Oliveira, Século Diário

“Olá. Meu nome é Esmeralda. Sou índia e moro na aldeia indígena de Aracruz, ES. Eu Tenho 9 anos e vivo aqui, no mato, com muito orgulho, porque sou uma índia guerreira”. Esse é o trecho de uma das cartas escritas por crianças indígenas para o projeto “Cartas dos(as) guardiões(ãs) da Terra e do Céu”, realizado durante a pandemia do coronavírus por pesquisadores da Universidade Federal do Estado (Ufes) e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). O objetivo é dar visibilidade para os pequenos, com a divulgação de suas visões sobre a crise sanitária mundial e a promoção da cultura dos povos tradicionais. Tudo começou com o livro do escritor indígena Ailton Krenak: “Ideias para adiar o fim do mundo”. Movidas por essa provocação, as pesquisadoras Fernanda Camargo, da Ufes, e Marina Miranda, da UFSB, decidiram investigar como crianças e adolescentes indígenas percebem o contexto da pandemia e quais são as lições delas para o mundo.

Entre as respostas, dois assuntos eram recorrentes: a esperança e o respeito à vida. “Todas elas têm uma esperança muito grande de que isso vai passar, de que as coisas vão ser retomadas. Percebemos também o cuidado que eles têm com a natureza, com o lugar e com o espaço que eles vivem”, enfatiza Fernanda.

Desde abril de 2020, o projeto faz um intercâmbio entre crianças de aldeias indígenas e moradores de diversas partes do Brasil. Por meio do site do projeto Tupiabá, voluntários escreveram cartas respondendo à questão levantada pelo grupo. Com a mediação de educadoras indígenas, as correspondências foram selecionadas e enviadas para as aldeias Pau Brasil, Comboios e Irajá, no Espírito Santo, e Pé do Monte e Trevo do Parque, situadas no Monte Pascoal, na Bahia.

Após receberem as cartas, as crianças foram incentivadas a responder aos interlocutores com as próprias visões de mundo. Além das correspondências, elas também foram convidadas a produzir desenhos e pinturas. Só até o dia 20 de março, foram quase 5 mil acessos ao site do projeto, com pessoas de diversas partes do país e até de fora do Brasil.

As cartas selecionadas foram impressas e lidas pelas professoras que trabalham em aldeias indígenas ou pelos próprios pais. O objetivo principal era garantir que a resistência e existência cultural de povos indígenas sobrevivessem aos tempos pandêmicos, já que a escola, espaço onde as crianças de povos tradicionais desenvolvem essas conexões, estava fechada. “Durante a pandemia, elas ficaram invisíveis. A gente pensava: como essas crianças estão?”, relata Fernanda.Ampliação da pesquisa

A pesquisa cresceu e as coordenadoras decidiram ampliar o projeto para comunidades quilombolas e pomeranas. As ações propõem o desdobramento das escritas entre as crianças das diferentes culturas, alcançando educadores e alunos. Em 2020, foram realizados encontros virtuais síncronos e atividades assíncronas. “Iniciamos com a formação de professores nos municípios de Serra, Santa Maria de Jetibá e Santa Teresa”, afirma.

As coordenadoras pensam em realizar uma nova entrega das cartas a aldeias da Bahia, mas ainda não possuem recursos. Parte dos custos de produção material dentro do projeto foram cobertos por um edital da Pró-Reitoria de Sustentabilidade e Integração Social (Prosis), da UFSB, direcionado a projetos de extensão para o enfrentamento da pandemia. 

Livro

Nesta sexta-feira (23), elas irão lançar o livro Guardiões e guardiãs da terra e do céu: cartas originárias de crianças indígenas para o mundo, com as histórias das crianças e os poemas escritos pelas educadoras, em seminário online que apresenta o resultado das ações do projeto. O material será enviado às aldeias indígenas e a parte dos interlocutores que enviaram cartas. As coordenadoras também planejam lançar um ebook posteriormente. 

Além de Marina e Fernanda, colaboraram com a organização do livro a coordenadora do curso de Licenciatura Intercultural Indígena (Prolind/Ufes), Celeste Ciccarone; e o professor da Educação Básica no município de Cariacica Fábio Strelhow.

Seminário

O “Seminário Por Carta: escrita mundo-terra em diálogos com as infâncias e juventudes indígenas para o mundo em tempo de pandemia” é realizado entre esta terça e sexta-feira (20 e 23), sempre às 19h. Dividido em quatro lives, será transmitido pelo canal da TV Uneb – Seabra no YouTube

Nesta terça, ocorrerá o debate “Carta Tempo, mediado por indígenas ativistas e professores da aldeia, trazendo reflexões da cura da Terra, pela conscientização do bem viver na preservação da memória-história ancestral como possibilidade de reconstituição planetária”. A live Carta Mundo, na quarta, apresentará as trocas de experiências das escritas cartográficas e das composições estéticas das vídeo-cartas. Já no dia 22, será apresentada a Carta Terra, com as escritas das cartas produzidas pelas infâncias e juventudes indígenas das aldeias participantes, enquanto a live Carta Vida, com o lançamento do livro seguido de debate sobre a obra, encerrará o evento na sexta-feira.

Imagem: Divulgação

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