Autodemarcação do Médio Solimões: Kokama e Ticuna da Terra Indígena Porto Praia de Baixo defendem seu território

Os povos Kokama e Ticuna iniciaram no dia 20 de abril a autodemarcação da Terra Indígena reivindicada Porto Praia de Baixo, no Amazonas

POR CHRISTIAN FERREIRA CREVELS E EQUIPE TEFÉ, CIMI REGIONAL NORTE I

Os povos indígenas Kokama e Ticuna da Terra Indígena (TI) reivindicada Porto Praia de Baixo iniciaram na última terça-feira (20) o processo de autodemarcação de seu território.

Com uma população de cerca de quatrocentas pessoas, majoritariamente dos povos Kokama e Ticuna, a TI Porto Praia de Baixo está localizada à margem direita do rio Solimões, no município de Tefé (AM), e se encontra na listagem de terras “a identificar” da Fundação Nacional do Índio (Funai). Seus moradores aguardavam que os setores responsáveis dessem início nos procedimentos demarcatórios, mas isso nunca ocorreu.

“Se o governo não demarca, nós vamos demarcar nossa terra e protegê-la dos invasores que querem acabar com nossos recursos naturais. Precisamos pensar no futuro dos nossos filhos e netos” – Anilton Braz, Tuxaua da aldeia Porto Praia de Baixo

Histórico de luta pela terra

Embora a oficialização da demanda pela Funai só tenha ocorrido em 2014, a solicitação dos indígenas junto ao órgão indigenista é de 2002, e a ocupação da área reivindicada pelo grupo indígena data da década de 1970, com a chegada dos primeiros moradores ao local e o estabelecimento de uma comunidade de uso tradicional da terra, do rio e dos recursos florestais.

A partir da década de 1980, os indígenas intensificaram sua luta pelo reconhecimento étnico e pela garantia dos direitos à terra. Construíram uma rede de diálogo e parceria com o movimento indígena local e as organizações indígenas da região do Médio Solimões, e se inseriram em espaços de controle social. Essa atuação fortaleceu os processos de autonomia na busca por seus direitos, e empoderou as formas próprias de organização e conhecimentos tradicionais.

A autodemarcação como instrumento de luta pela garantia da terra dos povos de Porto Praia de Baixo é um corajoso e exemplar esforço em meio a um cenário desafiador para os povos indígenas no Brasil. No atual contexto, os direitos fundamentais dos povos indígenas sofrem constantes ataques, sobretudo de setores econômicos interessados em se apropriar das Terras Indígenas e dos recursos naturais que existem nelas.

Evidencia-se o descaso do governo brasileiro quanto à garantia dos territórios dos povos indígenas, constatado no discurso do atual presidente. No rol de ofensivas estão as PECs e PLs que visam alterar artigos da Constituição Federal para impedir a demarcação dos territórios ou facilitar a exploração dos recursos naturais existentes nas Terras Indígenas. A isso, se soma a aplicação jurídica da chamada tese do marco temporal, instrumento inconstitucional nocivo ao reconhecimento e proteção dos territórios indígenas.

A falta de definição dos territórios, a negação dos direitos, a falta de implementação das políticas públicas, a criação de PECs e PLPs, e outros ataques aos povos indígenas aumentaram os conflitos, as invasões, as violências e violações de direitos nas aldeias da região do Médio Solimões. Com a chegada da pandemia de covid-19, a situação dos territórios indígenas sem demarcação tomou matizes dramáticos.

“Não queremos causar conflitos com ninguém, mas não vamos recuar em nossa decisão de autodemarcar nosso território, seguiremos firme na luta pela garantia de nossos diretos”

Invasões e autodeterminação

Os indígenas de Porto Praia de Baixo relatam várias invasões e conflitos relacionados à posse da terra com pessoas que alegam propriedade sobre a área sem, contudo, apresentar documentação comprobatória.

Ao longo dos últimos anos, os indígenas de Porto Praia solicitaram repetidamente à Funai a demarcação de seu território, reclamando ao Ministério Público Federal (MPF) e outros órgãos e instituições afins, buscando que seu pedido não caísse em esquecimento.

Enquanto isso, mantiveram ações de proteção do território para conter as invasões que ameaçam sua integridade física e cultural, a riqueza natural e a biodiversidade local. Agora, iniciam a autodemarcação de sua terra para a proteção do território.

“Não queremos causar conflitos com ninguém, mas não vamos recuar em nossa decisão de autodemarcar nosso território, seguiremos firme na luta pela garantia de nossos diretos”, afirmam os moradores de Porto Praia de Baixo num comunicado em que divulgam a decisão de dar início à autodemarcação de seu território.

“Destacamos que nossa luta não é de hoje, ela já vem de muito tempo”, afirmam os povos no documento. “Mesmo sem respostas da Funai, decidimos proteger e cuidar de nosso território, pois somente nós sabemos o quanto ele é importante para nós e para o futuro de nossos filho e netos”.

No comunicado, os povos destacam ainda a pressão dos invasores e o roubo de recursos naturais do território, como madeira, areia, seixo, peixes, caças e quelônios. Em vídeo, o tuxaua da aldeia Porto Praia, Anilton Braz da Silva, reforça as denúncias e a decisão autônoma da autodemarcação.

“Nossa terra está sendo invadida pelos brancos, e o presidente, o governo Bolsonaro, está dizendo que não vai demarcar nenhuma terra. Frente a essas decisões, do governo, a gente não vai parar, a gente não vai calar, e nós vamos fazer a nossa autodemarcação”, garante a liderança.

Em nota divulgada no dia 23 de abril, a Federação Indígena do povo Kukamɨ-Kukamiria do Brasil, Peru e Colombia (TWRK) manifestou solidariedade aos povos Kokama e Ticuna e apoio à iniciativa de autodemarcação da TI Porto Praia de Baixo.

“O povo indígena Kokama e Ticuna da aldeia Porto Praia de Baixo precisa de ajuda”, afirma a nota. “Chamamos a toda a sociedade civil, o Movimento Indígena do Brasil e do Mundo para que possamos manter a unidade necessária na defesa dos direitos fundamentais e da democracia”.

Sem providências da Funai e pressionados por invasores, indígenas decidiram iniciar processo de autodemarcação da TI Porto Praia de Baixo. Foto: Joicilene Nascimento

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