“Uma fraude organizada” diz Alexandre Saraiva sobre atuação do ministro Ricardo Salles que terminou em notícia-crime no STF

Parlamentares sugerem a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar atuação do ministro do Meio Ambiente.

por Pedro Calvi / CLP  

Alexandre Saraiva, quando ainda era superintendente da Polícia Federal do Amazonas, acusou o ministro Ricardo Salles de interferências indevidas no trabalho da Polícia Federal e de defender madeireiros flagrados praticando desmatamento ilegal na Amazônia. Tornou-se alvo do governo federal e foi demitido pelo diretor geral da PF.

A saída do delegado foi anunciada um dia depois dele levar notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, ao Supremo Tribunal Federal (STF). A demissão foi publicada no Diário Oficial da União no último dia 20.

Pela notícia-crime, o ministro teria praticado três delitos: dificultar a ação fiscalizadora do poder público no meio ambiente; exercer advocacia administrativa; e integrar organização criminosa.

Nesta segunda-feira (26/4), o ex-superintendente da Polícia Federal participou de audiência pública conjunta das Comissões de Legislação Participativa (CLP) e de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.

A CLP é presidida pelo deputado Waldenor Pereira (PT/BA) e a CDHM por Carlos Veras (PT/PE).  

“Um ministro que aparece na frente de 200 mil metros cúbicos de madeira derrubados de forma ilegal, além da prevaricação, esse ministro ajuda a destruir oportunidades para nosso país, ainda mais em tempos de pandemia, desafiando parceiros econômicos”, afirma o presidente da CLP.

A investigação 

A investigação começou em abril do ano passado. Acompanhamos o trânsito de várias balsas. Juntamos as provas sobre uma série de fraudes. Por exemplo, a madeira descrita nas guias florestais não correspondia ao apreendido. No total, são 214 mil metros cúbicos de madeira extraídos em terra de grilagem. Foram detectadas muitas fraudes, inclusive uma grilagem de terra em larga escala. E isso é o mais grave. Para explorar a madeira ela tem que sair da terra de quem está explorando, tem que ter dono. O processo tem vício de origem, a terra não pertence a quem fez o desmatamento. A Polícia Federal investigou por que as empresas são exportadoras”.

Planos de manejo também foram periciados e têm problemas. Igarapés foram ignorados no plano de manejo. Todos os processos apresentados ao ministro estão nessas condições. Pareceres incompatíveis, documentos de uma fazenda inseridos no processo de outra. Outra fraude: inserir dados falsos em um sistema público. Áreas superpostas provavelmente para gerar guias florestais em dobro. Uma passagem por toda lei de crimes ambientais no que diz respeito à flora. Uma série de contradições que não deixam dúvida sobre a ilegalidade”.

A área

A área das derrubadas está em ações desde 1986, quando foi entregue a pequenos agricultores. Os títulos originais não foram obtidos porque os donos não exerceram o domínio. Trinta e dois anos depois o governo do Pará começou a fazer permutas ilegais. Os documentos dessas permutas não trazem nenhum CPF ou endereço. Nem as testemunhas são identificadas. Todos esses documentos foram entregues ao ministro Ricardo Salles. Tiraram terras de pessoas sem identificação, para pessoas escolhidas ao bel prazer pelo Estado. Desde o ao passado estamos pedindo o acesso ao processo administrativo no Pará. A fraude fica mais evidente quando verificamos o Diário Oficial, onde não aparecem os nomes dos donos originais”.

“Uma floresta inteira destruída que chega aos Estados Unidos com preço de compensado. A questão fundiária vem de braço dado com o desmatamento. A extração foi feita ainda em áreas de proteção ambiental. Dos 40 pontos de extração, apenas os donos dez apareceram quando a Polícia Federal chamou. As pessoas que exploram a madeira lá não são paraenses e não moram no Pará. Apenas uma das empresas que fizeram isso tem 20 multas do Ibama, cerca de 9 milhões de reais e já foi condenada por crime ambiental”.

O ministro e a notícia-crime

 “O ministro comemorou a apreensão dos 214 mil metros cúbicos, foi lá e fez uma pseudoperícia. De 40 mil toras, olhou duas, disse que estava tudo bem e que voltaria. Voltou com críticas ao trabalho dos servidores. Tornou legítima ação dos criminosos e não do agente púbico. Ele recebeu um conjunto de documentos que mostravam uma fraude organizada que buscava iludir a autoridade policial. Por causa disso resolvi encaminhar ao STF. Como o ministro pode dizer que está tudo certo. Ele recebeu todos os laudos periciais. Não se pode, com a análise de duas toras, colocar abaixo todo o trabalho feito por peritos da Polícia FederalMeu partido é a Amazônia, o Brasil e a lei. Meio ambiente não é bandeira da esquerda ou da direita, deveria ser bandeira de um governo”.

A audiência pública

A proposta do encontro foi apresentada pelos parlamentares Joseildo Ramos (PT/BA), Paulo Teixeira (PT/SP), Helder Salomão (PT/ES) e subscrita por João Daniel (PT/SE).

Paulo Teixeira coloca que “ninguém mais, ninguém menos que o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles está respondendo por crime de extração de madeira extraída de grilagem em área de proteção ambiental, processos fraudados. A notícia crime diz que o ministro deu declarações públicas que os proprietários estavam legalmente protegidos. Não bastasse isso foi até a área querendo legalizar, atestar a legalidade daquela extração. Terra grilada, madeira cortada em área ilegal. Foi amazônica a atuação do delegado Saraiva e encontrou pela frente o ministro do meio ambiente cometendo um crime. Foi uma pororoca. O ministro do Meio Ambiente não pode mais exercer o cargo dele. Queremos uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a atuação do ministro”.

Joseildo Ramos coloca que “um delegado, cumprindo seu papel, inclusive defendendo a natureza, encontra pela frente um ministro ideológico que defende a grilagem e os extrativistas. A CLP tem todo interesse em verificar uma notícia crime trazendo evidência claras de três tipo de crimes penais. Um ministro que um ano atrás colocou que deveria aproveitar esse momento da pandemia para, com medidas infralegais, pusesse a boiada para passar. É um réu previamente confesso. Em 2019 o Brasil abriu a porteira e a boiada tá passando. O Pantanal ardeu e tivemos um recorde de desmatamento São interesses privados na administração pública”.

Estamos diante de uma violação evidente de direitos humanos, o direito fundamental que é viver num ambiente sustentável. São riscos e ameaças promovidos por agentes públicos ligados ao presidente Jair Bolsonaro. Uma apreensão histórica de extração de madeira ilegal. Um servidor que é demitido logo após a denúncia feita ao STF. As medidas desse governo são iniciativas que estão destruindo os mecanismos da fiscalização ambiental com atos de retaliação. O Brasil precisa saber a verdade. O poder Legislativo não pode tolerar que um fato como esse passe em branco”, pontua Helder Salomão.

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível no site da Câmara dos Deputados.  

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