Só resta a Jair M. Bolsonaro o golpe ou a desinformação.
Em A Terra é Redonda
No dia 12 de abril de 2021, o deputado Eduardo Bolsonaro escreveu a seguinte mensagem no Twitter: “Lockdown é o oposto de distanciamento social. No lockdown as pessoas são condenadas a ficarem confinadas em casa, aumentando a proliferação do vírus”. Os aplausos online de inúmeros seguidores, notoriamente bolsonaristas, me chamaram a atenção. Sem dúvida, o conteúdo chega a ser engraçado.
Como seria possível o confinamento aumentar a proliferação do vírus? Como isso poderia ocorrer? As medidas de contenção da circulação adotadas por inúmeras cidades efetivamente reduziram o contágio. Além disso, o lockdown não se opõe ao distanciamento social, é uma de suas aplicações. A frase do filho do presidente da República, ex-candidato a embaixador em Washington, soava como brincadeira de criança que faz composições absurdas e antagônicas.
Esse tipo de raciocínio desatinado não é um ponto fora da curva quando observamos os líderes bolsonaristas, a começar do próprio Jair Bolsonaro. A racionalidade e o debate baseado em fatos não faz parte do universo do novo fascismo. A aposta de suas maiores lideranças é na reafirmação de bordões, de frases de efeito, em geral, vinculadas a defesa de valores retrógrados, reacionários e violentos. Tal como a direita alternativa norte-americana, o bolsonarismo cultua os valores do fundamentalismo religioso centrado na supremacia branca, no fortalecimento do patriarcado, no desprezo pela cultura e pela educação, pelo ódio ao homossexualismo, pela simplificação errática dos conflitos sociais, pelo desprezo às questões ambientais e pela ideia de que a violência purifica a sociedade.
Aqui precisamos colocar nossa atenção. O bolsonarismo está enfraquecido. A realidade se impôs e muitas pessoas viram que o ódio ao PT não pode ser motivador de uma escolha tão desastrosa para a democracia e para a condução de uma sociedade como a que implicou na eleição de um neofascista como Bolsonaro. O voto dado a uma pessoa que defendia abertamente a tortura, o golpe militar, que atacava educadores e cientistas, levou o país a se tornar um paraíso para a proliferação do novo coronavírus. Com a nossa tradição em Saúde Pública, qualquer outro governo teria conseguido apostar na vacinação em massa e em medidas adequadas para salvar vidas que foram desprezadas pelo capitão e seus generais instalados no Palácio do Planalto, também chamado de “casa de vidro”.
Atualmente, quanto mais debilitado, mais Bolsonaro depende do chamado Centrão e suas aves de rapina, mais entrega cargos e verbas para esse grupo de deputados que faz do parlamento um modo de ganhar benefícios privados. Tal situação, reforça as ideias estrambólicas de Bolsonaro, um político nitidamente despreparado que assumiu a posição de líder sem ter nunca sido levado a sério durante sua longa jornada pelos laranjais de Brasília. Com membros de sua família acusados de corrupção e de envolvimento com as milícias, Bolsonaro sabe que precisa se manter no governo, mas a sua política econômica e, principalmente, suas ações diante da pandemia, a conversão do negacionismo e do ataque a vacina em mote da mobilização de seus seguidores, tem gerado um desgaste que parece resultar em uma rejeição que ultrapassa a metade do eleitorado.
Com as possibilidades de reeleição se tornando cada vez menores, Bolsonaro só tem duas alternativas. A primeira é mobilizar suas hordas para apoiar um golpe que precisaria ser necessariamente militar. Por mais apoio que tenha entre as Polícias Militares e entre grupos milicianos, não me aprece viável a formação de uma força golpista com base nesses grupos armados. Bolsonaro não conseguiu pacificar nem mesmo os deputados que elegeu pelo PSL, como conseguiria organizar uma força paramilitar que não fosse organizada pelo Exército? Todavia, a maioria dos generais não parecem apoiar a saída golpista. O Exército se desgastou profundamente durante o governo de Jair Bolsonaro. Confesso que fiquei abismado com o baixo nível de muitas dos oficiais de alta patente que Bolsonaro expôs em sua desastrosa gestão. Bolsonaro pode até sonhar com uma saída autoritária, mas não parece que seja capaz de organizá-la sem o apoio dos generais.
A segunda alternativa é aplicar a estratégia da desinformação como uma guerra total. Antes de detalhar essa solução torna-se importante descartar outras possibilidades. O que Bolsonaro tem para apresentar em uma campanha eleitoral? Uma política de crescimento econômico? De desenvolvimento tecnológico? Uma política ambiental de defesa da biodiversidade? Uma política de Saúde exemplar? Obras consideradas indispensáveis às regiões? O aumento dos níveis de Educação e do número de alunas e alunos nas universidades? Uma política internacional com grande repercussão mundial e interna? O que Bolsonaro pode levar a um debate presidencial?
A gestão de Bolsonaro não tem absolutamente nada de positivo para apresentar em uma campanha eleitoral baseada em fatos. Por isso, só resta aos seus estrategistas o apelo a valores reacionários e a fabricação de mentiras, calúnias, invenções conspiratórias, omissões de acontecimentos e fatos reais, enfim, a mais completa desinformação. Bolsonaro não tem nada de positivo a apresentar. Ele poderá falar para banqueiros que nunca deixou de beneficiá-los. O que é verdade. Poderá falar para ruralistas que acabou com o mi-mi-mi ambientalista e deixou a boiada passar destruindo a fiscalização ambiental e outros entraves à ampliação dos pastos e à derrubada das florestas. Mas, poderá falar sempre restritamente a esses setores. Não pega bem assumir que entregou a Amazônia para a sanha dos madeireiros, mineradores e devastadores ambientais ligados à bancada do boi.
Bolsonaro se tornará mais fundamentalista quanto mais se aproximar das eleições. Para agradar os pastores, dirá que protegeu as igrejas e os cultos quando, os prefeitos e governadores queriam fechar os templos. Mas, isso não será suficiente. Discurso semelhante não deu conta de salvar Crivela no Rio de Janeiro. Bolsonaro terá que criar uma realidade paralela e anular os fatos históricos para reduzir sua rejeição e reagrupar o eleitorado que o elegeu. Precisará ir ampliando a bolsoesfera que se articula pelo Whatsapp, principalmente pelo Whatsapp Business – aplicativo cada vez mais usados por pequenos e grandes comerciantes e prestadores de serviços, entre eles, o velho da Havan. Simultaneamente, as fábricas de cliques envolverão milhares de contratados ganhando pouco, mas ganhando algo para operar diversos dispositivos digitais na defesa de Bolsonaro e na disseminação de desinformações pela internet. Também muitos robôs serão acionados para replicar nas plataformas os conteúdos inverídicos, difamatórios e a defesa do líder neofascista.
É preciso realçar que tal como Trump, o titular da casa de vidro tentará criar uma crise institucional caso se confirme sua derrota eleitoral. Para isso, Bolsonaro e seus líderes já divulgam seu conveniente temor de fraude nas eleições. Curiosamente, quem mais poderia fraudar as eleições é quem domina as empresas prestadoras de serviços para a Justiça Eleitoral. É pouco provável que na estrutura da Justiça eleitoral seja viável uma fraude em escala suficiente para reverter um largo resultado eleitoral. Fraudes podem ocorrer a partir da manipulação das urnas, principalmente em sua instalação e no recolhimento dos dispositivos que contém os resultados.
Caso esse processo seja realizado por técnicos servidores públicos é menos provável a fraude. Ela pode ser realizada por prestadores de serviços que tenham acesso às urnas, que consigam uma “senha de root” e tenham conhecimento suficiente para burlar e não deixar rastros, ou seja, apagar os logs da fraude. Ocorre que isso não poderia ser feito em escala, pois prestadores de serviços cuidam de uma área reduzida. Essa área seria insuficiente para virar um percentual de votos sem que ninguém perceba a quebra de um padrão do eleitorado.
Enfim, a disputa eleitoral se dará em meio a uma guerra de desinformação. Bolsonaro pretende criar novamente a suspensão dos parâmetros da realidade. Para isso, gerará o bombardeio desinformativo de modo a confundir e a tornar ineficazes as tentativas de recompor a realidade. É o que resta para o governante mais desastroso e genocida da história do Brasil.
Para funcionar a realidade paralela, Bolsonaro contará com a sua mais completa falta de caráter. Todas e todos se lembram que Bolsonaro dizia que o novo coronavírus seria uma “gripezinha”. Não é possível que o presidente tenha se esquecido disso. Existem vídeos em que afirma de modo audível e inconfundível essa gigantesca bobagem. Mas, Bolsonaro diz que nunca falou desse modo. Há ainda diversos vídeos em que ele aparece atacando a vacina. Vai ficando evidente que Bolsonaro impediu que o governo federal adquirisse em tempo hábil e em quantidade suficiente as doses necessárias para imunizar nossa população. Entretanto, os bolsonaristas divulgaram recentemente nas redes sociais e nos dutos do Whatsapp a mentirosa versão de que quem impediu as ações contra a covid-19, incluindo a compra das vacinas, foram prefeitos e governadores.
Assim será a guerra. Repare que os dirigentes do bolsonarismo sentiram profundamente o efeito devastador da campanha #BolsonaroMente no Twitter. Sabem que Bolsonaro será utilizado para desmentir o próprio Bolsonaro. Por isso, tentarão inundar a rede de teorias da conspiração, mentiras específicas para mobilizar cada microssegmento do eleitorado. Tentarão despertar temores. Isso deu certo nas últimas eleições. Buscarão chegar a soma de todos os medos para persuadir o eleitorado que um dia já votou em Bolsonaro e que o abandonou. Todavia, esse é o problema. O que precisará ser apresentado para um eleitor decepcionado com Bolsonaro por ter vivido o desastre de sua gestão para fazê-lo votar novamente na alternativa neofascista? Uma coisa não tenho dúvida, o que precisar ser dito, mesmo que falso, inverídico, inventado, será dito. Bolsonaro não tem nada a apresentar que não seja a desinformação. Aqui, a vacina é a melhor solução.
Sergio Amadeu da Silveira é professor da Universidade Federal do ABC. Autor, entre outros livros, de Software livre – a luta pela liberdade do conhecimento (Conrad).
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Foto: Luis Moura /Estadão