Assédio judicial: a criminalização dos movimentos indígenas

por Pedro Calvi / CLP

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) fez, nesta segunda (31/5), uma audiência pública para avaliar denúncias de criminalização do movimento indígena. Em alguns casos, o uso da lei penal para deslegitimar, perseguir e inviabilizar militantes, organizações e formas de ação política do movimento indígena é claro. O encontro foi solicitado pelas deputadas Talíria Petrone (PSOL/RJ) e Luiza Erundina (PSOL/SP).

Com o desmonte das já parcas políticas de proteção, os povos indígenas têm encontrado cada vez mais dificuldade para se fazer representar e se manifestar perante o Estado e os processos institucionais.

“A situação nunca foi fácil para nós, não importa quem estava no poder. Precisamos de um enfrentamento mais sério, o próprio governo não cumpre a lei, incentiva o garimpo e a invasão de terras. Se existe um governo e que estaria amparado por uma Constituição, tem que cumprir o que está ali. Proteção e saúde para os indígenas. A Funai foi criada para fazer estudos e demarcação de terras, assim como a AGU, que também deveria proteger os povos tradicionais. E ninguém faz nada. O Congresso, o Supremo, então quer dizer que as leis não valem nada? E qualquer denúncia que a gente fizer, viramos o criminoso e não a vítima. Sem falar nos tratados internacionais que já foram todos violados”, testemunha o Cacique Babau, liderança Tupinambá.

Luiz Eloy Terena, advogado e pesquisador indígena lembra que Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) já foram utilizadas pela bancada ruralista para criminalizar indígenas. “Isso mostra que a criminalização acontece em vários níveis, tanto na representação política regional, nas aldeias onde vivem professores, pesquisadores e lideranças. Um dos últimos exemplos, foi um inquérito aberto pela Polícia Federal contra a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB). A petição é inepta, cheia de erros. Já a Funai foi militarizada nos principais postos, que foram preenchidos por pessoas contrárias aos interesses dos indígenas”.

Um exemplo foi o da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 2017, que aprovou um texto-base que previa o indiciamento de 67 pessoas, entre lideranças comunitárias, antropólogos e servidores.

A CLP tem sido um espaço muito importante para acolher luta, resistências e dores que ficam cada vez maiores. Como o Congresso pode enfrentar isso, nas populações indígenas o impacto é muito grave. Mais de mil indígenas já morreram por Covid-19, 50 mil foram infectados e 53 povos atingidos. Tudo junto com a ampliação da violência, com garimpeiros atacando povos tradicionais”, coloca a deputada Talíria Petrone.

Assédio judicial

Para Ana Carolina Vieira, pesquisadora, “a criminalização de lideranças é forma de ataque aos corpos e organizações indígenas. Cada vez mais, o Estado se estrutura para tratar os indígenas nessa linguagem. No Mato Grosso do Sul, onde pesquisamos para a Apib, a criminalização atinge 24 pessoas, todas ligadas à luta pela terra. Essa é a resposta que o Estado dá à luta pelos direitos indígenas. E tudo faz parte de um repertório mais amplo de repressão, com ameaças e assassinatos, implementados de forma mais conjunta. Quando as milícias particulares não conseguem, entra o Estado com a sua arma, a criminalização”.

“A criminalização primária estaria nas leis e a secundária como elas são executadas. Quando lideranças e movimentos sociais tensionam na luta por direitos, o Estado responde com ações punitivas, penais. Também são mobilizadas as lideranças políticas e econômicas locais, além da mídia tradicional. O alto número de indígenas processados mostra o que chamamos de assédio judicial”, afirma Carolina Santana, também pesquisadora.

O Relatório produzido pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB) em parceria com a organização Indigenous Peoples Rights International (IPRI) sobre a criminalização e o assédio de lideranças indígenas no Brasil, foi lançado em abril. O documento seria uma forma de “apoio a uma iniciativa global para abordar e prevenir a criminalização e a impunidade contra os povos indígenas”.

O link para a íntegra do relatório está no final deste texto.

“A criminalização é um processo que envolve um grande grupo de atores e instituições, e ao longo do qual o crime é sociologicamente constituído, juntamente com o criminoso. Cabe a nós, analisar como a criminalização tem afetado a capacidade e a legitimidade de organizações e instituições que formam o campo de mobilização indígena e indigenista”, explica o deputado Waldenor Pereira (PT/BA), presidente da CLP.

Boiada

“Estou sendo perseguida pela própria Funai, que não cumpre mais a sua missão institucional de promover os direitos dos povos indígenas e hoje está à serviço do governo. É um absurdo, umaFunai que persegue organizações indígenase aliados, além das lideranças. Parece um cenário de guerra. E como disse o ministro Salles, a boiada passou. A boiada para aprovar a mineração em terras indígenas, flexibilizar a legislação ambiental e premiar grileiros. Somos perseguidos e até mortos nos conflitos que se intensificam cada vez mais. Ainda deputado, Jair Bolsonaro já atacava os indígenas. Uma vez, parabenizou os Estados Unidos por acabarem com os indígenas. E hoje é presidente e os ataques viraram políticas públicas”, ressalta Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Relatório produzido pela APIB e Indigenous Peoples Rights International (IPRI)

A íntegra da audiência pública está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Imagem: CPT Nacional

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