“É hora de redistribuir a riqueza”. Entrevista com Thomas Piketty

IHU On-Line

Aviso antes de ler: se lhe desagradou a proposta de Enrico Letta de tributar os grandes patrimônios para oferecer um dote de 10 mil euros a todos os jovens italianos, pule esta entrevista. Thomas Piketty, economista francês de renome internacional autor de alguns livros densos – o último, Capital e ideologia, publicado pela Intrínseca – tanto celebrados quanto contestados, conhece a recente proposta do secretário do Partido Democrata e certamente não discorda, mas a considera “demasiado prudente”.

Em Trento para o Festival de Economia, Piketty intitulou sua conferência “Socialismo participativo contra Socialismo de Estado“. Ele faz questão de esclarecer que além da palavra com o S que tanto medo causa nos Estados Unidos, sua proposta olha mais para as sábias social-democracias de molde europeu, a Suécia na frente, com um poderoso Estado de bem-estar, tributação das rendas fortemente progressiva, participação de trabalhadores na gestão de empresas como no modelo alemão. Dito isto, suas propostas são decididamente radicais, com um imposto sobre a renda que – teoriza – deveria chegar a 90% para quem tem uma renda superior a 10.000 vezes a renda média (na Itália significaria quem declara mais de 200 milhões) e um patrimonial permanente de igual dimensão cuja função deveria ser a de tornar “temporária” a propriedade, distribuindo através do sistema fiscal uma “herança para todos” de 120 mil euros para cada cidadão.

A entrevista é de Francisco Manacord, publicada por la Repubblica, 05-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista. 

Você publicou “Capital e ideologia” em 2019. O que mudou com a pandemia?

A pandemia, para além dos seus terríveis efeitos em todo o mundo, mostrou a fragilidade do nosso modelo econômico e social. Todos compreenderam que precisamos de serviços públicos, como os serviços de saúde, fortes e que existem problemas mais importantes do que respeitar a relação dívida/PIB e as regras orçamentais. A crise de 2008, e agora esta, marcam a saída de uma certa forma de hipercapitalismo e neoliberalismo extremamente otimista sobre a capacidade dos mercados de regular todos os problemas.

As desigualdades econômicas são o foco de seus estudos. Já temos as provas de seu aumento por conta da pandemia ou é muito cedo para percebê-lo?

É um pouco cedo, mas já constatamos que as rendas mais baixas e as situações mais precárias no mercado do trabalho perderam mais do que as pessoas que tinha situações mais estáveis, empregos que lhes permitiam trabalhar de casa, enquanto ao nível dos patrimônios foi fácil perceber que os bilionários do planeta, em setores como o de alta tecnologia, são ainda mais ricos. Isso tudo leva a um debate que está evoluindo rapidamente sobre como distribuir essa riqueza.

Um debate provocado pela crise Covid?

Não, acelerado pelo Covid. Mas o debate estava ganhando impulso antes mesmo da pandemia. Em particular, fiquei impressionado com a campanha para as eleições presidenciais dos EUA de 2020 em comparação com a de 2016. Quando falei com a senadora democrata Elizabeth Warren no primeiro turno sobre a necessidade de introduzir um imposto anual de 5 a 10% sobre a riqueza de bilionários ela era muito cética. Quatro anos depois, Warren e Bernie Sanders estavam competindo para saber quem proporia o imposto sobre a riqueza mais alto. O mesmo aconteceu na Alemanha com a SPD, onde em 2014-2015 Sigmar Gabriel não quis reintroduzir um imposto sobre a riqueza enquanto agora Olaf Scholz e os Verdes alemães estão pensando nisso. E também Enrico Letta fez recentemente uma proposta para aumentar o imposto sobre a herança e dar um capital inicial a todos os jovens.

Uma proposta que você obviamente aprova …

Eu faria mais: o imposto sucessório deve ser aumentado, mas um imposto anual sobre grandes fortunas também é necessário. Se realmente queremos redistribuir, antes de criar ‘a herança para todos’, que eu defendo, é preciso um sistema de garantias como o salário mínimo para os trabalhadores ou a renda básica. E devemos ter cuidado para que essa ‘herança para todos’ não seja uma forma de abolir outras formas de estado de bem-estar, da saúde pública à educação estatal. Sempre existe o risco de que algum liberal veja uma oportunidade para gerar dinheiro: ‘Pegue seus dez mil euros e pare de nos incomodar’.

Mas a proposta de Letta não foi bem recebida na Itália. Até o primeiro-ministro Mario Draghi disse que não é hora de falar sobre novos impostos.

Eu realmente aprecio Draghi, mas não acho que ele pensa que pode financiar tudo por meio das dívidas. Depende de qual horizonte é dado. Se ele pensa que ficará lá por mais um ano, sua resposta é compreensível. Mas o que interessa a mim é o horizonte de cinco ou dez anos em que esses problemas surgirão inevitavelmente.

Hoje, porém, a Europa parece capaz de sair da crise.

Acredita-se que se possa sair da crise somente através do Banco Central europeu que empresta dinheiro para estados com juros zero. Mas esta situação, que à primeira vista parece funcionar, é na realidade muito frágil.

Por que é que as taxas vão necessariamente subir diante de um reinício da economia?

Não só isso. Mesmo enquanto as taxas permanecem em zero, eles resolvem um problema de dívida pública, mas criam um problema de desigualdade dos patrimônios. Para os pequenos poupadores, as taxas zero não são necessariamente uma coisa boa, enquanto para aqueles que têm patrimônios muito maiores e podem investir em mercados financeiros ou imobiliário, as taxas zero podem ser um ótimo negócio. Acho que seria necessária uma nova forma de política monetária em que o dinheiro seja dado diretamente às pessoas normais e não aos bancos e àqueles que podem tomar empréstimos. E, depois, um dia certamente será necessário ter a contribuição dos mais ricos.

O imposto, temido por muitos, que na Itália se chama patrimonial …

Veja bem, todas as grandes crises de dívida pública também se resolveram assim. Por exemplo, na Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, em 1952, foi instituída uma taxa excepcional sobre os patrimônios privados mais altos que podia chegar a 50% e isso permitiu reduzir a dívida pública alemã de forma acelerada e financiar a reconstrução do pós-guerra.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

17 + 12 =